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1.6 BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

1.6.2 PARADIGMA CIENTÍFICO

No que concerne aos paradigmas que fundamentam a pesquisa científica, tem-se, entre eles, o Positivismo, o Marxismo e a Fenomenologia. Entretanto, inicialmente, cabe definir o que se entende pela palavra paradigma no âmbito da ciência.

Conforme Pereira (2001, p. 23), “o conceito de paradigma foi cunhado por Thomas Kuhn para identificar o universo de valores culturais, ideológicos, históricos e epistemológicos que condicionam a produção do conhecimento”. De modo mais contundente, Morgan (1980) explica que o termo paradigma científico exprime uma forma particular com que um determinado grupo de pesquisadores percebe a realidade.

Disso é possível abstrair que cada paradigma representa uma vertente de pesquisadores a ele adeptos, que elegem as regras de validação e postulados que irão

legitimar, o que, na concepção dessa comunidade científica, pode ou não ser considerado ciência (MONTIBELLER NETO, 2000).

Compreendido o uso do termo paradigma no meio acadêmico, no sentido Kuhniano da palavra, passa-se, agora, a discorrer brevemente sobre os paradigmas científicos do Positivismo, do Marxismo, e da Fenomenologia.

a) Positivismo

O positivismo, introduzido por Augusto Comte (1798-1857), no século XVIII, estabeleceu que sujeito e objeto eram semelhantes e, portanto, regidos pelas mesmas leis da natureza. Baseada neste princípio, a filosofia positivista desenvolveu duas idéias importantes para a primazia das ciências naquele período: a idéia de neutralidade e a idéia de método para a observação da natureza e da realidade social (MORAES e ARCELLO, 2003).

A neutralidade advogada pelo paradigma positivista fundamenta-se, segundo Triviños (1995, p. 37), no pressuposto que, “a ciência estuda os fatos para conhecê-los, e tão somente conhecê-los, de modo absolutamente desinteressado”.

Quanto ao método, a filosofia positivista assume que este tem primazia sobre a verdade, que é obtida através da observação e experimentação. O paradigma positivista avoca que somente é verdadeiro algo que possa ser empiricamente verificado (TRIVIÑOS, 1995).

Mazzotti e Gewandsznajder (1999, p. 12) afirmam que, no positivismo, “as sentenças que não puderem ser verificadas empiricamente estariam fora da fronteira do conhecimento: seriam sentenças sem sentido”.

Em síntese, Mazzotti e Gewandsznajder (1999, p. 13) estabelecem que, “na realidade, os positivistas não estavam interessados exatamente em como o cientista pensava, em suas motivações ou mesmo em como ele agia na prática [...]. O que interessava eram as relações lógicas entre enunciados científicos”.

O paradigma positivista baseia-se, portanto, na utilização de métodos, de natureza normativa, que permitam comprovar e justificar empiricamente, as leis, enunciados e axiomas postulados por determinada teoria científica, dando validade e legitimidade à mesma.

b) Marxismo

O Marxismo, termo cujo nome deriva de seu criador, o filósofo Karl Marx (1818- 1883), tem sido amplamente usado com uma variedade de significados, e pode designar um método de interpretação das ciências sociais, uma filosofia da história, uma corrente de pensamento na economia e mesmo um dogma ou religião.

Especificamente no que diz respeito às ciências sociais, estas utilizam o marxismo como método de interpretação da realidade social, ao encararem a sociedade como um processo dinâmico movido pelo antagonismo ou conflito inerente às classes sociais (TRIVIÑOS, 1995). O recurso teórico desta visão é o materialismo dialético aplicado à história da humanidade, ou seja, o materialismo histórico.

O marxismo evoluiu para as definições de materialismo, materialismo dialético e materialismo histórico, a partir do conceito de matéria, que segundo Lênin (1982, p. 181) é “uma categoria filosófica para designar a realidade objetiva que é dada ao homem nas suas sensações, que é copiada, fotografada, refletida pelas nossas sensações, existindo independentemente delas”.

Triviños (1995) relata que o materialismo evoca a materialidade do mundo, isto é, todos os fenômenos, objetos e processos que ocorrem na realidade são aspectos diferentes da matéria em movimento. Assume ainda que a matéria é anterior à consciência. Isto significa reconhecer que a consciência é um reflexo da matéria, que esta existe objetivamente, que se constitui numa realidade objetiva. E. por último, o materialismo afirma que o mundo é conhecível, e que a capacidade que o homem tem de conhecer a realidade se desenvolve gradualmente.

O materialismo dialético é, na leitura de Triviños (1995), a base filosófica do marxismo e como tal realiza a tentativa de buscar explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento. Como uma de suas mais importantes contribuições, está o fato de ter ressaltado, na teoria do conhecimento, a importância da prática social como critério de verdade. E, ao enfocar historicamente o conhecimento, em seu processo dialético, colocou em relevo a interconexão do relativo e do absoluto. Desta maneira, as verdades científicas, em geral, significam graus do conhecimento, limitados pela história. Todavia, cabe salientar, que este relativismo não significa reconhecer a incapacidade do ser humano chegar a possuir a verdade.

No tocante ao materialismo histórico, segundo Triviños (1995, p. 51), é “a ciência filosófica do marxismo que estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos homens, no desenvolvimento da humanidade”. O materialismo histórico, conforme Triviños (1995), trabalha com os conceitos de ser social (relações materiais dos homens com a natureza e entre si, que existem em forma objetiva, isto é, independentemente da consciência); e consciência social (são as idéias políticas, jurídicas, filosóficas, estéticas, religiosas), além das relações de produção (associação dos meios de produção com as forças produtivas).

Em suma, dada a amplitude do paradigma marxista, diferentes tipos de teoria podem orientar a atividade do investigador, sendo que a natureza dos métodos e das técnicas para o estudo do fenômeno irá depender, principalmente, das características do conteúdo do mesmo (TRIVIÑOS, 1995).

c) Fenomenologia

A fenomenologia tem suas origens ligadas aos estudos seminais de Brentano (1839- 1917) e Husserl (1859-1938). Ela representa a tentativa de resgate do contato original com o

objeto, perdido em sofisticadas especulações abstratas ou em reduções matemáticas e quantificadoras do campo de vivência do ser humano, enquanto sujeito (GREUEL, 1996).

A fenomenologia contrapõe a idéia de neutralidade da ciência, da tentativa de desvinculação do sujeito ao objeto, uma vez que seu pressuposto fundamental é a intencionalidade. Triviños (1995, p. 42-43) menciona que “esta intencionalidade é da consciência que sempre está dirigida a um objeto. Isto tende a reconhecer o princípio de que não existe objeto sem sujeito”.

Esse entendimento foi constituído por Edmund Husserl. No início de seus estudos, em 1913, objetivou estabelecer a filosofia como uma ciência rigorosa (idéias para uma fenomenologia pura e filosofia fenomenológica). Em uma segunda fase de sua pesquisa, em 1931, esboçou a ambição de uma filosofia como ciência exata (meditações cartesianas). Até chegar a uma terceira etapa, em 1936, na qual postulou uma filosofia transcendental (a crise das ciências na Europa e a fenomenologia transcendental).

A mudança nas convicções de Husserl a respeito da ciência realça o traço característico da fenomenologia, como uma concepção aberta e em evolução. De acordo com Triviños (1995), Husserl, em seus últimos trabalhos, já mencionava uma fenomenologia construtiva.

Sobre a fenomenologia construtiva, Merleau-Ponty (1971, p. 5-6) explica que “todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se quisermos pensar na própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, convém despertarmos primeiramente esta experiência do mundo do qual ela é expressão segunda”.

Merleau-Ponty (1971, p. 5-6) vai mais adiante ao afirmar que “[...] tudo o que sei do mundo, mesmo devido à ciência, o sei a partir de minha visão pessoal ou de alguma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência nada significariam”.

Logo, no enfoque fenomenológico, o ser humano, em sua vida pré-científica, possui conhecimentos. Ele armazena um arcabouço de conhecimentos, porém, restrito a uma dimensão que engloba o ambiente em que vive, e guiado pelos fins a que persegue. Este conhecimento limitado pelas circunstâncias e pelos interesses momentâneos é a opinião. A prática da ciência começa, de acordo com Greuel (1996), quando o sujeito atenta para as suas limitações e se abre para uma investigação daquilo que ocorre (fenômeno).

Silva e Menezes (2001, p. 27) resumem de modo objetivo o significado da fenomenologia enquanto paradigma científico, ao afirmarem que:

preocupa-se com a descrição direta da experiência tal como ela é. A realidade é construída socialmente e entendida como o compreendido, o interpretado, o comunicado. Então, a realidade não é única: existem tantas quantas forem as suas interpretações e comunicações. O sujeito/ator é reconhecidamente importante no processo de construção do conhecimento.

Decorre, assim, que o paradigma fenomenológico, baseado na interpretação dos fenômenos, na intencionalidade da consciência e na experiência do sujeito, privilegia métodos que promovam a interação com o fenômeno e a análise de elementos culturais (p.ex. valores) e sociais (p.ex. educação) que caracterizam o mundo vivido dos sujeitos (TRIVIÑOS, 1995).

Neste panorama, o presente trabalho, ao propor uma metodologia que interage com o sujeito (decisor, neste caso) e aprecia suas relações com o objeto (o contexto decisório), ao mesmo tempo em que leva em conta os aspectos objetivos e subjetivos individuais do sujeito, como os perceptíveis por ele no contexto decisório, elege a fenomenologia como paradigma científico de referência.