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SOFT SYSTEMS METHODOLOGY (SSM)

4.4 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO DA SSM

4.4.3 INCORPORAÇÃO DA ANÁLISE DA DIMENSÃO CULTURAL

O modelo de sete estágios é um importante instrumento de operacionalização do processo da SSM. Por meio dele, a Soft Systems Methodology passou a ser vista como uma abordagem que poderia ser ensinada e utilizada, como reportam Watson e Smith (1988), Davies e Saunders (1988), Ledington e Donaldson (1997) e Ormerod (1999) em seus estudos.

Contudo, o emprego do modelo de sete estágios da SSM em uma diversidade de situações práticas, ao longo da década de 1980, demonstrou que aperfeiçoamentos ao processo poderiam ser feitos (CHECKLAND, 1988a, 1988b; CHECKLAND e SCHOLES, 1999). Talvez o principal deles tenha sido a proposição formulada por Checkland (1988), da incorporação da análise da dimensão cultural ao processo.

Checkland (1999) argumenta que em suas experiências iniciais no desenvolvimento da SSM, sempre foi importante compreender a dimensão cultural que entremeava as situações em que as pesquisas eram feitas. Entretanto, essa análise era realizada informalmente, durante o encaminhamento do modelo de sete estágios (CHECKLAND, 2002).

O que Checkland propôs em sua argüição no encontro anual da Sociedade Internacional de Pesquisas em Sistemas (International Society for General Systems Research), edição de 1987, foi a introdução formal da análise da dimensão cultural à abordagem SSM. No ano seguinte, a publicação do artigo Soft Systems Methodology: an overview esclareceria o modo de operacionalização da análise (CHECKLAND, 1999).

No artigo, Checkland (1988a) sugere o exame da dimensão por meio de três processos de análise: a análise da intervenção (análise 1), a análise dos aspectos sociais (análise 2) e a análise dos aspectos políticos (análise 3). Tais análises devem permear todo o processo SSM, a começar pela expressão da situação considerada problemática, servindo de apoio à construção das representações pictóricas.

A análise da intervenção (análise 1) pode ser entendida como a averiguação dos papéis que as pessoas assumem no contexto e o que se espera delas. Segundo Checkland e Scholes (1999), pelo menos três papéis devem ser considerados: o de cliente, o de solucionador indicado no problema e o de dono do problema.

O que se pretende na análise da intervenção é descobrir quem seria atingido com a intervenção na situação problemática (quem faz o papel de cliente); identificar quem assume a condução da intervenção (solucionador do problema); e, detectar quem pode parar ou extinguir a intervenção (detentor do problema). Ressalta-se que, nessa análise, pode haver a sobreposição de papéis (e.g. um cliente pode ser também o dono do problema) (CHECKLAND e SCHOLES, 1999).

A análise dos aspectos sociais (análise 2) diz respeito à avaliação do sistema social em termos de papéis, normas e valores que são evidenciados na situação problemática. Aqui papéis são as posições sociais que as pessoas ocupam, podendo ser institucionais (e.g. advogado, padre) ou comportamentais (e.g. ridículo, extravagante). Normas são os comportamentos esperados ou usuais dentro do contexto. Valores são os padrões locais usados para julgar as normas das pessoas (PIDD, 1998; CHECKLAND, 1999).

A tônica da análise dos aspectos políticos (análise 3) é o exame do sistema político que existe sobre o contexto problemático. A idéia principal remete à compreensão dos diferentes interesses que atuam sobre a situação e como esses poderiam ser acomodados. Isso implica a verificação de quem ganha e quem perde, tanto com as mudanças apontadas na intervenção quanto com a manutenção do status quo da situação atual (CHECKLAND e SCHOLES, 1999).

Para Checkland e Scholes (1999), as três análises descritas dão um maior suporte ao processo SSM, principalmente pelo fato de contemplarem, em uma forma mais explícita, o postulado de manutenção de relacionamentos via acomodações, assim como o dos

julgamentos humanos, apregoados na teoria dos sistemas apreciativos de Vickers (discorrida na subseção 4.2.2), que fundamenta conceitualmente a abordagem da Soft Systems Methodology.

Cabe ressaltar que, as análises da intervenção, dos aspectos sociais e dos aspectos políticos não substituem a apreciação da estrutura, processo e clima da situação, prescrita por Checkland (1999) no desenvolvimento das etapas 2 e 6 do modelo de sete estágios da SSM, mas sim a engloba, dado o caráter mais elucidativo e abrangente que têm as análises da dimensão cultural.

Como resultado da integração da análise da dimensão cultural, Checkland (1999) delineou uma nova forma de representação para o processo SSM, como demonstra-se na Figura 14.

aprendizado que cada indivíduo leva consigo, fruto de suas experiências pessoais e profissionais

situação problemática percebida no

mundo real necessidade de tomar ações que promovam melhorias na situação nomear os sistemas relevantes

enunciar as definições-raiz construir modelos conceituais comparar situação real a situação na sua dimensão

cultural: análise da intervenção análise dos aspectos sociais análise dos aspectos políticos

5. apontar diferenças entre os modelos e a situação real

6. Definir mudanças: sistemicamente desejáveis e

culturalmente realizáveis

7. ações para melhorar a situação 1. 2. 3. 4. Análise 1: Análise 3: Análise 2:

aprendizado que cada indivíduo leva consigo, fruto de suas experiências pessoais e profissionais

situação problemática percebida no

mundo real necessidade de tomar ações que promovam melhorias na situação nomear os sistemas relevantes

enunciar as definições-raiz construir modelos conceituais comparar situação real a situação na sua dimensão

cultural: análise da intervenção análise dos aspectos sociais análise dos aspectos políticos

5. apontar diferenças entre os modelos e a situação real

6. Definir mudanças: sistemicamente desejáveis e

culturalmente realizáveis

7. ações para melhorar a situação 1. 2. 3. 4. Análise 1: Análise 3: Análise 2:

Figura 14: incorporação da análise da dimensão cultural ao processo SSM Adaptado de Checkland (1988b, p. 245).

Observando-se a ilustração é possível verificar algumas modificações na representação gráfica do processo SSM de 1988, em relação ao modelo de sete estágios de 1981. Ao inserir o exame da dimensão cultural, Checkland procurou descrever o modelo SSM em um aspecto menos linear e com um caráter mais pictórico. A linha divisória entre o mundo real e o pensamento sistêmico sobre o mundo real foi retirada. Uma pré-etapa inicial foi integrada ao modelo, como forma de salientar que a situação problemática é percebida como tal, em função das experiências de vida de cada indivíduo. A nomeação dos sistemas relevantes, que é, efetivamente, o desfecho do uso das representações pictóricas no estágio 2, passa a ser o rótulo desta fase.

Adiciona-se a essas mudanças, outras alterações promovidas no processo SSM que não são visíveis na Figura 14, mas que complementam a abordagem de Checkland, vigente no final da década de 1980.

A primeira delas se refere à construção das definições-raiz (estágio 3). Checkland (1999) expõe que, para melhor enunciar uma DR, pode-se acrescentar, além do mnemônico CATWOE, o emprego da lógica PQR. Usar essa lógica consiste em pensar uma definição-raiz nos seguintes termos: um sistema para fazer P por meio de Q, com vistas a alcançar R; em que P significa “o quê” fazer, Q expressa “como” fazer, e R exprime “por quê” fazer.

Na perspectiva de Mackness (2002a), a lógica PQR é um instrumento que visa auxiliar o investigador a descrever uma definição-raiz, evidenciando sua localização nos níveis hierárquicos (subsistema, sistema e sistema abrangente), bem como sua T (transformação).

Na hierarquia da SSM, subsistema, sistema e sistema abrangente são termos relativos. A escolha é feita pelo observador. Portanto, em uma hierarquia de 5 níveis, por exemplo, se o nível 3 é o sistema para determinado observador, o nível 4 é o sistema abrangente e o nível 2, o subsistema (CHECKLAND, 1999).

Segundo Checkland (1999), a T sempre se localiza ao nível de sistema. As atividades que contribuem para fazer a T estão no nível dos subsistemas. O nível do sistema abrangente é aquele em que o O do CATWOE poderia parar a T. Na correspondência à lógica PQR, o sistema está em P, o subsistema em Q e o sistema abrangente em R, cujo processo ilustra-se na Figura 15. Fazer algo (P) (expresso como um processo de transformação) Um sistema para Entrada Saída Por meio de Q

Para auxiliar a alcançarR

P: o quê? Q: como? R: por quê? Fazer algo (P) (expresso como um processo de transformação) Um sistema para Entrada Saída Por meio de Q

Para auxiliar a alcançarR

P: o quê?

Q: como?

R: por quê?

Figura 15: lógica PQR para estruturar definições-raiz Adaptado de Mackness (2002a, p. 1).

Outros dois aperfeiçoamentos deram-se na etapa de construção dos modelos conceituais (estágio 4). Um deles é a delimitação do número de atividades a serem descritas em cada sistema operacional, dentro do fundamentado no artigo de George Miller (1956), The magical number 7 ± 2, em que o autor sugere que o cérebro humano tem sua capacidade de processar informações, limitada ao número de 7 mais ou menos 2 conceitos simultaneamente (CHECKLAND, 1999).

Soma-se a esse, a inclusão de mais 2E’s aos critérios de monitoração e controle dos sistemas construídos. À Eficiência, Eficácia e Efetividade, Checkland (1988b) agrega os critérios de Ética (a transformação que está sendo feita é moralmente aceitável?) e Elegância (a transformação resulta em algo com uma estética agradável?), totalizando 5E’s (CHECKLAND e SCHOLES, 1999).

Caracterizada a fase de incorporação da análise da dimensão cultural ao processo SSM, ocorrida no ano de 1988, a próxima fase retrata a flexibilização do processo SSM, invocada por Checkland e Scholes (1990) a partir dos anos 1990.