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Antonio F Costella

No documento PORTCOM (páginas 41-46)

RIZZINI, Carlos. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil, 1500-1822: com um breve estudo geral sobre a informação. [1946]. Edição fac-similar. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1988. 448p.

A bibliografia de Carlos Rizzini compõe-se de cinco livros, sendo um deles póstumo. Dois são obras estelares: O jornal, o livro e a tipografia no Brasil, de 1946, e Hipólito da Costa e o Correio Braziliense, de 1957. Os outros três são: O ensino

de jornalismo, de 1953, pequeno em extensão, mas vanguardeiro no conteúdo,

pois constituiu inspiração basilar para a formulação dos cursos universitários de jornalismo no Brasil; O jornalismo antes da tipografia, de 1968, desdobrado prin- cipalmente daquele primeiro livro, editado em 1946; e Liberdade de imprensa, de

1. Jornalista, professor, escritor, advogado, pintor e gravador brasileiro. Fundador do mu-

1998, organizado por mim com a compilação de artigos de Rizzini publicados em jornais.

A obra O jornal, o livro e a tipografia no Brasil é um clássico, abriu cami- nho para todos aqueles que se dedicaram posteriormente ao tema sugerido pelo título. Reconhecem-no como livro basilar, inúmeros autores: Luiz Beltrão, Nelson Werneck Sodré, Juarez Bahia, José Marques de Melo, Isabel Lustosa, e muitos outros. (De minha parte, atesto que meu livro O Controle da Informação

no Brasil, editado em 1970 pela Editora Vozes, é um reverente devedor de seus

ensinamentos.) Essa obra de Rizzini é tão importante que todos, inclusive quem não a leu, a repete. Sem mesmo o saber, repete informações que originalmente dela derivam.

Publicado em 1946 pela Editora Kosmos, e reeditado fac-similarmente em 1988 pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, o livro O jornal, o livro e

a tipografia no Brasil faz uma minuciosa descrição das formas de comunicação

desde os tempos da oralidade, passa para o universo da escrita, chega à letra de fôrma e, de modo sutil, transita dos novidadeiros e das gazetas manuscritas ao jornal impresso; ocupa-se, ainda, com a circulação das informações no Brasil desde os primórdios da colonização até o primeiro reinado. Ninguém, absolu- tamente ninguém, pode escrever sobre a história da imprensa no Brasil sem se reportar a esse livro.

A par de seu conteúdo basilar e do estilo requintado, a obra O jornal, o livro

e a tipografia no Brasil mostra, por sua finura gráfica, um outro aspecto da per-

sonalidade de Carlos Rizzini: o bibliófilo apaixonado. Cada capítulo é aberto por uma capitular resgatada em algum antiquíssimo códice. Os textos se es- pelham nas ilustrações coletadas em épocas e longitudes as mais diversas. Há toda uma ourivesaria de figuras que conduz ao conhecimento da História e ao deleite e, considerando-se as condições de coleta de imagens daquele tem- po, causa espanto. Fico pensando: quantas viagens, quantas horas de pesquisa, quantos esforços materiais foram necessários para arrebanhar tantas dezenas de gravuras, especialmente tendo em vista que foram colhidas na década de 1940, quando as técnicas de reprodução eram incipientes, e depois levadas à reprodução por clichê metálico, tudo para serem inseridas, às mancheias, nas 448 páginas do livro!

Tamanho amor pelo mundo gráfico e tão grande capacidade investigativa explicam-se por outra característica do autor: Carlos Rizzini foi antes de tudo um jornalista. Há vários Carlos Rizzini: o escritor, o educador, o historiador, o político, o empresário, etc., mas em todos eles perpassa, imiscui-se, ressurge a

figura do jornalista. Sua história pessoal, que adiante segue, ajuda a entender esse aspecto.

Carlos de Andrade Rizzini nasceu em Taubaté, em 25 de novembro de 1898, filho de Carlos Maglia Rizzini, italiano naturalizado brasileiro, e Maria Angélica de Moura Andrade, de antiga estirpe paulista. Aos sete anos de idade, morando ainda no Vale do Paraíba, mas na vizinha cidade de Tremembé, tornou-se coroi- nha na igreja do Bom Jesus. Visitava a Basílica com frequência e, aproveitando sua “amizade” com o Santo, pedia a ele que desse um “jeito em sua vida”. Afir- mava, muito compenetrado:

- Gosto daqui. Mas quero ir além. Quero crescer e ter nome.

O Santo ao que parece, confirmou sua fama de milagroso e o atendeu. Em 1907, ainda menino, foi enviado para a casa dos tios Aida e Francisco, no Rio de Janeiro, onde, conquistando o primeiro lugar no exame de seleção, teve oportunidade de estudar, como bolsista, na escola então mais afamada do País: o Colégio Pedro II. Quanto à faculdade, houve imprevistos. Rizzini, na adoles- cência, sonhava tornar-se médico. Mas o Santo falhou. Falhou? Anteviu, talvez, que o rapaz apreciaria mais as palavras do que as vísceras. Assim, e também por- que precisasse de parte do dia para ganhar a vida, só lhe foi possível estudar na Faculdade de Direito, que lhe tomava meio período.

Mas, embora viesse a se formar em Direito, Rizzini estava vocacionado, mesmo, para o jornalismo. E sua primeira tentativa de ingressar nesse setor foi surpreendente. Tendo pedido emprego em um jornal, o diretor, para testá-lo, solicitou-lhe uma reportagem. Muito animado, dedicou-se integralmente a ela e, no dia seguinte, retornou para apresentá-la. Não encontrou nem o diretor, nem mais ninguém. Soube pelo vizinho que o jornal, falido, acabara de cerrar suas portas.

Sua efetiva estreia na imprensa deu-se em 1919, ainda estudante, em O

Jornal, do Rio de Janeiro, então de propriedade de Renato Toledo Lopes. (So-

mente a partir de 1926 esse periódico passou à propriedade de Assis Chateau- briand e tornou-se, depois, o veículo líder da cadeia dos Diários Associados.) Sua função era a de “repórter de estrada de ferro”. O próprio Rizzini, em artigo publicado no Diário de São Paulo de 30 de abril de 1959, explicou: “O meu serviço consistia em apanhar notas nas diretorias e secções da Central do Brasil e em registrar os nomes das pessoas que iam e vinham a São Paulo e Rio. Era um trabalho cacete e secundário, um pouco humilhante, esse de perguntar a graça aos viajantes de graúda aparência [...]”. Mais adiante, Rizzini acrescenta: “Pouco tempo fiquei na reportagem de estrada de ferro. Logo me

firmei como tradutor de revistas francesas e inglesas, cujas publicações eram na época livremente ou, melhor, abusivamente estampadas nos jornais brasileiros, sem que se ouvisse falar em direito autoral”. Paralelamente, no “Rio-Jornal”, passou a assinar crônicas e comentários, escrevendo sobre teatro e o meio artístico carioca. Em 1921, tarimbado nos vários setores do jornal, chegou a secretário de redação.

Formado em 1922, mudou-se para Petrópolis, onde dirigiu “O Comércio” e, na sequência, comprou o “Jornal de Petrópolis”; advogou e foi procurador da Câmara Municipal; e fez política, chegando a deputado estadual (1927-1930) e elegendo-se vereador (1930). Sem dúvida, já lhe germinava o gosto pela histo- riografia. Advogando em uma ação de reconhecimento de paternidade, redigiu dezenove páginas a título de razões finais, nas quais começa invocando o Direito Romano, agrega-lhe em seguida o Cristianismo, enfia-se pela Idade Média com o Direito Canônico, repercute na Revolução Francesa e, ao chegar aos tempos recentes, não descuida do histórico da legislação brasileira.

Retornando ao Rio em 1934, largou as outras atividades e enterrou-se no jornal, até à medula. Aferrado ao jornalismo, nele foi galgando posições que o levaram a ocupar, em 1948, o cargo mais cobiçado por seus colegas de então: Diretor Geral dos Diários Associados. A chamada “cadeia associada”, que Assis Chateaubriand erigira inclusive com a ajuda do próprio Rizzini, chegou a reu- nir 33 jornais, 15 revistas, 23 emissoras de rádio e, a partir da década de 1950, também mais 16 estações de televisão.

Os relevantes cargos de direção que exerceu ao longo da vida podem dar a impressão de que, nele, o empresário de imprensa substituiu o jornalista mi- litante. Não é verdade. Rizzini nunca deixou de escrever seus artigos e viver o dia-a-dia da redação. Jornalista foi sempre, até o fundo da alma. Disso dou testemunho. Bem depois de sua morte, por ocasião das comemorações de seu centenário de nascimento, tive acesso à coleção de todos os seus artigos, cuida- dosamente guardados por sua viúva, Dona Áurea, que me permitiu fazer cópia xerox de toda a coleção. Constatei que, ao longo da vida, ele escrevera milhares de artigos! Analisei-os, um a um, para organizar o livro, publicado pela Editora Mantiqueira em 1998, como obra póstuma de Carlos Rizzini, no qual reuni a maioria dos artigos de sua autoria dedicados ao tema que, aliás, dá nome ao volume: Liberdade de Imprensa.

Sua atividade de magistério também esteve, toda ela, ligada ao mundo do jornalismo. Já tive a oportunidade de mencionar que seu pequeno livro O

Ensino de Jornalismo, de 1953, constituiu uma inspiração basilar para a formula-

ção dos cursos universitários de jornalismo no Brasil. Nesse setor, aliás, Rizzini contribuiu também com suas aulas, como professor do Curso de Jornalismo, na Universidade do Brasil (1951-1961), e como professor e diretor da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero (1962-1966), em São Paulo.

Tudo, enfim, convergiu para que Carlos Rizzini – jornalista, escritor, pro- fessor, pensador do ensino de jornalismo – viesse a construir sua monumental obra O jornal, o livro e a tipografia no Brasil, que se viu complementada pela igualmente indispensável Hipólito da Costa e o Correio Braziliense, biografia do fundador do primeiro jornal brasileiro. Nesses trabalhos Rizzini reuniu todas as aptidões necessárias para assentar, assim, as bases da historiografia de nossa imprensa.

Muito mais haveria que falar a respeito desse ilustre taubateano, não só o Rizzini das funções públicas, mas também o homem comum. É bem verdade que, de comum mesmo, ele não tinha nada. Nunca se satisfazia com o corri- queiro. Uma pequena tira de tecido pré-colombiano, um antigo vaso chinês, a primeira edição de um clássico empolgavam-no quase até o êxtase. E não eram só as coisas faustosas que o atraíam. De muitos banquetes, até daqueles em que o traje era a casaca, costumava sair com os bolsos recheados de caroços de frutas exóticas porventura servidas aos convidados. Levava-os, como quem carrega sua maior riqueza, e carinhosamente os plantava em seu quintal. Mas, infelizmente, esses outros aspectos desbordam as fronteiras impostas a esta resenha.

Apenas para concluir, permito-me acrescentar uma última observação. Con- tinuei a visitar Rizzini ao longo dos anos, em São Paulo e, depois, em Tremem- bé, onde, retirado de suas atividades intensas, comprou uma grande casa ao lado da Basílica. Na biblioteca, com seus livros à volta, contou-me que então só lia memórias. Nada mais. E passou a discorrer a respeito dos encantos da “petite histoire”, da graça que as intrigas de bastidores conferem aos grandes feitos da História com “h” maiúsculo, de como as indiscrições dos memorialistas podem ser mais elucidativas do que volumosos tratados. Percebi claramente. Com essas leituras, ele estava fazendo, jornalisticamente, para ele mesmo, verdadeiras repor- tagens sobre fatos dos tempos idos.

Carlos Rizzini morreu em 19 de julho de 1972. Acompanhei seu féretro até o cemitério de Tremembé. Sobre o túmulo de granito preto vê-se, reproduzido em bronze, seu “ex­libris”: uma rosa obliquamente sobreposta a um livro, que representam a beleza conjugando-se ao conhecimento.

No documento PORTCOM (páginas 41-46)