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Marialva Barbosa

No documento PORTCOM (páginas 33-37)

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro / CNPq

HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 25ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. 158p.

Quando recebi o convite para fazer uma apreciação crítica da obra clássica de Sérgio Buarque de Hollanda, Raízes do Brasil, numa mesa em que este ex- cepcional intérprete do Brasil era localizado como “Precursor das Ciências da Comunicação”, vi-me num dilema de múltiplas faces. Localizo alguns deles.

1. Professor Titular de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pro-

fessora titular aposentada de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), no período de 1979 a 2010. Vice-Presidente da INTERCOM. Seu livro História Cultural da Imprensa – Brasil 1900-2000 foi ganhador da Medalha Carlos Eduardo Lins e Silva, outorgada pela Intercom, em 2007 às mais representativas publicações lançadas naquele ano. Ganhou o prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação, categoria Maturidade Acadêmica, em 2008. Pesquisadora 1D do CNPq.E-mail: mcb1@terra.com.br

Em primeiro lugar, o que falar de um livro que se tornou um clássico refe- renciado há quase oitenta anos no Brasil? O que falar de um livro que foi inter- pretado trinta anos depois do seu lançamento por um dos maiores intérpretes dos intérpretes do Brasil, Antonio Candido?

Como situar Sérgio Buarque de Hollanda, um historiador, e que nesta obra deixa a mostra toda a sua veia sociológica, num Colóquio cujo foco é a Comu- nicação? Aonde é que estaria o seu diálogo com a área que ainda não era refe- renciada, em 1936, quando o livro foi editado, e o que faria figurar hoje como um dos Precursores das Ciências da Comunicação? São, certamente, muitas perguntas para poucas respostas que oferecerei ao longo dessa exposição.

Em primeiro lugar, não tenho a pretensão de interpretar Raízes do Brasil. Ainda mais depois que li, com muito cuidado, o prefácio que Antonio Candi- do brilhantemente fez do livro, trinta anos depois de sua primeira edição. Vou então nesta primeira parte de minha exposição situar brevemente a obra e para isso me valerei do olhar que Candido lançou sobre o livro de Sérgio Buarque de Hollanda, caracterizado por ele como “curto, discreto, de poucas citações, atuaria menos sobre a imaginação dos moços” (comparando-o com Casa Gran­

de & Senzala, de Gilberto Freire e Formação Econômica do Brasil, de Caio Prado

Júnior). Mas completava: “no entanto seu êxito de qualidade foi imediato e ele se tornou um clássico de nascença”.

Em seguida, vou me deter em trechos do livro em que o autor faz referência à história da comunicação no Brasil, descrevendo alguns dos processos comuni- cacionais localizados, sobretudo, no século XIX: a tardia implantação da impres- são no território brasileiro; a transformação das cidades e o papel da imprensa nesse processo e, sobretudo, o que chamou “bacharelismo ilustrado” e que viria a moldar os jornalistas que se definiam como tal a partir do início do século XX.

No seu excepcional Prefácio à obra de Sérgio Buarque de Hollanda, escrito em 1967, Antonio Candido constata logo no início que:

[...] a certa altura da vida, vai ficando possível dar balanço no passado sem cair na autocomplascência, pois o nosso testemu- nho se torna registro da experiência de muitos, de todos que, pertencendo ao que se denomina uma geração, julgam-se, a princípio, diferentes uns dos outros e vão, aos poucos, ficando tão iguais, que acabam desaparecendo como indivíduos para se dissolverem nas características gerais de sua época (CANDI- DO, 1967 Apud HOLLANDA, 1993, p. XXXIX)

Nessa frase que inicia o texto do prefácio, Candido toca em aspectos fun- damentais para Comunicação e para a História: a experiência do testemunho, a produção da ideia de geração e de sequência de gerações e as consequências da passagem do tempo.

A experiência de ter vivido mais de cinquenta anos permite a ele então, naquele momento, situar Raízes do Brasil, ao lado de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freire, e de Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior, como obras essenciais na sua formação e que exprimiam a “mentalidade ligada ao sopro de radicalismo intelectual e análise social que eclodiu depois da Revo- lução de 1930 e não foi, apesar de tudo, abafado pelo Estado Novo” (CANDI- DO, 1967 Apud HOLLANDA, 1993, p. XXXIX).

O livro de Sérgio Buarque de Hollanda que procura interpretar o Brasil em toda a sua complexidade, editado pela primeira vez em 1936, portanto, às vésperas do Golpe do Estado Novo (1937), partia de uma análise do tempo presente (a década de 1930) para tentar interpretar o passado. Fazia o movimento inverso das obras de caráter histórico. Partia de certa caracterização daquele momento históri- co – das transformações exponenciais que o Brasil passava na década de 1930, em que a explosão urbana era uma das marcas mais características – para tentar enten- der o país, ou seja, lançar olhares para as “raízes” que poderiam dar uma explica- ção plausível para o tempo presente. Como bem caracterizou Candido, trazia, por exemplo, as explicações para as realidades da produção, da distribuição e do con- sumo da riqueza no Brasil em função das “mentalidades” de um Brasil Colonial.

Candido também se preocupa em tecer os diálogos autorais que Sérgio Bu- arque estabelece ao construir sua obra: o mais denso permeado por uma visão weberiana do mundo, no qual o dualismo como chave primordial da interpre- tação emerge dos tipos ideais que vai compondo ao longo de sua narrativa. Se- gundo Candido, teria sido esta a primeira vez que foram empregados os concei- tos weberianos de “patrimonialismo” e “burocracia”, para dar um fundamento sociológico à caracterização do “homem cordial”, expressão tomada a Ribeiro Couto, na construção do capítulo que terminou sendo o mais referenciado (e polêmico) de todos. Na obra de poucas citações aparecem também diálogos com autores primordiais do chamado pensamento conservador brasileiro: Al- berto Torres, Oliveira Vianna, a quem destila uma crítica pela visão que cunham de uma sociedade hierárquica e autoritária. Exatamente o oposto que Sérgio Buarque de Hollanda caracterizava.

Do ponto de vista do material empírico utilizado para a sua análise do passado colonial e dos tempos imperiais figuram com destaque os relatos dos

viajantes e os textos de políticos de outrora, que ajudam o autor a sedimentar seus argumentos nos sete capítulos que compõem o livro, cujo intuito maior era analisar para compreender em sua complexidade o Brasil e os brasileiros.

Como um livro que expõe formas de pensar próprias do momento histó- rico em que foi construído, mas avançando nas propostas teóricas e metodo- lógicas, a obra de Sérgio Buarque de Hollanda introduzia autores até então desconhecidos, formas de análise de vanguarda, como a história social calcada no senso profundo das estruturas (tão caras aos principais expoentes da ainda pouco conhecida entre nós, naquele momento, École des Annales). Mas o que marca de maneira indubitavelmente a obra é, como remarca Antonio Candido, a adoção de uma metodologia que “repousa sobre um jogo de oposições e contrastes, que impede o dogmatismo e abre campo para a meditação de tipo dialético” (op.cit, p. XIVIII).

Ao relermos hoje, passados quase oitenta anos da sua primeira edição, muito do que causou naquele momento de transformação a partir da leitura da obra de Sérgio Buarque de Hollanda pode ter se apagado na poeira do tempo senão tivermos em conta os aspectos fundamentais de uma história das ideias em voga do Brasil daquele momento.

Olhar o passado com olhos do passado, máxima fundamental da História que impede o anacronismo (medo fundamental também da História), é essen- cial para que de hoje, num mundo fundamentalmente diferente, possamos ter toda dimensão dessa obra no Brasil da década de 1930.

Num tempo, como diz Candido, ainda banhado de indisfarçável saudosis- mo patriarcalista, num momento em que os intérpretes do passado ainda se preocupavam com aspectos de natureza biológica, manifestando fascínio pela raça, visão herdada dos evolucionistas, Sérgio Buarque de Hollanda pautou sua análise em três aspectos centrais: analisa o Brasil a partir de um viés psicológico e da história social (destacando as estruturas profundas); na visão de que o co- nhecimento do passado deve estar vinculado aos problemas do presente; e na importância do desenvolvimento histórico como forma de ultrapassar as raízes que nos prendia a um passado ibérico (CANDIDO, op.cit, p. XIIX).

Naquele momento, Sérgio Buarque de Hollanda identificava que o Brasil vivia a fase mais profunda da crise de “decomposição da sociedade tradicional”. O ano seguinte à publicação da primeira edição do livro, 1937, mostraria que a análise de Sérgio Buarque de Hollanda não era apenas uma visão das “raízes”, mas, de maneira quase premonitória, do próprio futuro do Brasil.

No documento PORTCOM (páginas 33-37)