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Maria Cristina Gobbi

No documento PORTCOM (páginas 49-54)

UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na cidade de São

Paulo. São Paulo: Anhambi, 1961.475 p.

Introdução

O texto traz uma análise das contribuições da obra do professor Dr. Flores- tan Fernandes “Folclore e mudança social na cidade de São Paulo”, editada pela

1. Livre-docente em Historia da Comunicação e da Cultura Midiática na América Latina pela

UNESP (Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”), Pós-doutora em Integra- ção Latino-Americana pelo PROLAM-USP (Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo), Vice-Coordenadora do PPGTVD (Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital), Professora do Departamento de Comunicação e do PPGCom (Programa de Pós-Graduação em Comunicação) da FAAC (Faculdade de Arqui- tetura, Artes e Comunicação) da Unesp, Câmpus Bauru. E-mail: mcgobbi@terra.com.br.

Anhambi, em 1961. São cinco ensaios, resultado de pesquisa de campo realizada no ano de 1941 para a cadeira de Sociologia, da Universidade de São Paulo, que até então tinha como titular o professor Dr. Roger Mastide.

A publicação reúne diversos estudos do autor sobre o tema, resultado de dados coletados na cidade de São Paulo e que foram originalmente publicados entre os anos de 1942 e 1959, especialmente na Revista Anhembi, criada em 1950 e dirigida, desde o início, por seu principal mentor, Paulo Duarte (1899-1984), jurista, arqueólogo, jornalista e escritor paulista, ligado a Julio de Mesquita Filho e ao grupo do jornal O Estado de S. Paulo. De acordo com o site da publicação, a Revista circulou até 1962, sendo parte do “[...] projeto intelectual e pessoal de seu editor, propondo-se elevar o nível cultural das elites locais. Era uma publica- ção mensal, que tratava de assuntos os mais variados, das ciências às artes, e con- tava com a colaboração de diversos professores da USP, estrangeiros e nacionais”.

No volume editado por Florestan Fernandes é possível perceber que o nosso folclore é pouco conhecido, especialmente no que tange aos seus aspectos hu- manos e sociais, não somente no período da pesquisa realizada pelo professor, mas passados mais de cinquenta anos, corroboramos esta afirmação.

Florestan Fernandes argumenta que a cidade se transformou depressa, rom- pendo suas ligações com o passado tradicional e dando nova feição à orga- nização da vida humana (1959). Assim, “[...] o comportamento e as atitudes tornam-se mais articulados no folclore que em qualquer outro traço cultural, o que faz com que ele tenda a cristalizar e a perpetuar as formas da cultura que são articuladas por seu intermédio (Ruth Benedict, Folklore, Encyclopaedia of Social Sciences, vol VII, p. 291)”.

Para que seja possível o entendimento da obra de Florestan Fernandes é preciso resgatar três termos tratados por ele em toda a publicação: folclore, mu- dança social e cidade de São Paulo.

O professor Dr. Roberto Benjamin, que dedicou sua vida ao estudo do folclore e das manifestações de cultura popular, afirma que a palavra folk-lore denotava a área de estudos de tradições populares. “A palavra folclore, grafada inicialmente folk-lore fora formada a partir das velhas raízes saxônicas em que folk significa povo e lore saber. Assim, segundo o seu criador, a nova palavra sig- nificaria sabedoria do povo” (2013, p. 1). O mestre afirma que o termo surgiu em 1846, criado por William John Thom. Mesmo aparentando certa objetivi- dade e simplicidade, o termo trouxe muitas controvérsias.

No Brasil, durante muito tempo, prevaleceu a definição da Carta do Folclore, resultado do I Congresso Brasileiro de Folclore, realizado em 1951. Em 1995,

durante o VIII Congresso Brasileiro de Folclore, foi realizada uma releitura da Carta e o resultado incorporou “[...] contribuições de estudos das ciências huma- nas e de letras, bem como a adoção de novas tecnologias, especialmente na comu- nicação, e das transformações da sociedade brasileira” (BENJAMIN, 2013, p. 2).

Assim, para o Brasil, folclore é “[...] o conjunto das criações culturais de uma comunidade, baseado nas suas tradições expressas individual ou coletivamente, representativo de sua identidade social. Constituem-se fatores de identificação da manifestação folclórica: aceitação coletiva, tradicionalidade, dinamicidade, funcionalidade”. (Carta do Folclore apud BENJAMIN, 2013, p. 2)

Sem dúvidas que o folclore nacional é muito rico de movimentos, aconte- cimentos, ações, variedade, participação, expressões, símbolos, em muitas ma- nifestações não tem autor conhecido (anonimato), é de aceitação coletiva e representa manifestações populares. No Brasil podemos citar diversos exemplos, como: Festas populares: Carnaval, Festas Juninas, Cavalhadas, Festa do Divino; Lendas e Mitos: Saci-Pererê, Negrinho do pastoreio, Mula sem cabeça, Lo- bisomem, Curupira, Bicho-papão; Música e Dança: Frevo, Samba, Fandango, Xaxado, Xote, Maracatu, Pau-de-fita, Quadrilha; Cantigas de roda: Atirei o Pau no Gato, Escravos de Jó, Ciranda-cirandinha, O Cravo e a Rosa, Sapo Cururu (SIGNIFICADO, 2013). E nesse conjunto estão as análises dos folguedos in- fantis, dos ditos populares, das canções de ninar, das brincadeiras de roda, das crendices e supertições que o mestre Florestan Fernandes traz em seu livro.

O outro termo tratado no livro é mudança social, que por si traz uma am- plitude de possibilidades. Mas podemos dizer que os últimos 70 anos têm sido marcados por grandes acontecimentos. O mundo globalizado, onde as fronteiras não resistem aos avanços das tecnologias, viu coisas grandiosas acontecerem, como os movimentos ambientalistas mundiais pela preservação dos recursos naturais do planeta; o mundo chegou aos 7 bilhões de pessoas; a queda do Muro de Berlin, os protestos por democracia em países do norte da África e do Oriente Médio (Primavera Árabe) iniciados por redes sociais, buscando colocar fim aos regimes ditatoriais e tirânicos; as múltiplas manifestações populares para a abertura de Cuba para o mundo. No Brasil, os debates sobre a construção de usinas hidroelétricas, a descoberta da camada pré-sal; a 1ª Conferência Nacio- nal de Comunicação (Confecom). O desenvolvimento da medicina, das vacinas, tratamento com células tronco. A criação do Kinect, desenvolvido pelo brasileiro Alex Kipman, é um sensor de movimento, que elevou os jogos (vídeo games) a um novo patamar e provou que o joystick está com os dias contados; o uso dos aparelhos celulares se popularizou; a tecnologia 3D, dos tablets, dos múltiplos

aplicativos que transformaram os aparelhos celulares em verdadeiros parques de diversão, promovendo sua constante atualização, Orkut, Facebook, Firefox, YouTu­

be, Wikipédia, Chrome e os códigos abertos; Bluetooth, Wi­Fi e “USB sem fio”,

última novidade no setor. Nasce no país uma nova classe média, que traz de sua origem seus cânticos, poesias, crenças, costumes, festas, danças, crendices, deco- ração, vestimentas, vocabulário etc fazendo a chamada elite nacional rever seus valores e repensar seus preconceitos.

É neste cenário tão amplo, como diversificado, onde o coletivo se confunde com global, em um misto de culturas e tradições, onde o individual ganha eficá- cia amparado nas múltiplas ações conjuntas que são capazes de modificar todo o planeta, que está a maior cidade do país. São Paulo hoje (2013), de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), tem aproxima- damente 19 milhões de habitantes considerando a região metropolitana, recebe anualmente mais 12 milhões de visitantes nacionais e internacionais. É sede de 38% das 100 maiores empresas privadas do país, 63% dos grupos internacionais instalados no país e 17 dos 20 maiores bancos. Além disso, abriga

[...] o Hospital das Clínicas, o maior e mais renomado com- plexo hospitalar da América Latina; o maior shopping center da América Latina – o Centro Comercial Aricanduva, com 500 lojas; dos 7 portais de Internet mais conhecidos, 6 estão baseados em São Paulo; 1.769 estabelecimentos de saúde, 40 hospitais públicos, 61 hospitais particulares, 24.957 leitos hos- pitalares, 99 bases móveis da Polícia Militar, 93 distritos poli- ciais, 04 postos do Poupatempo, 146 faculdades, 26 universida- des; 22 Centros de Educação Tecnológicas; a maior Parada do Orgulho GLBT do mundo e a Corrida de São Silvestre, que atrai em média 15 mil corredores de todo o mundo de cerca de 20 países (IBE, 2013).

Tudo sem contar salas de espetáculos, museus, shows, parques, hotéis, res- taurantes, centros culturais, estádios de futebol, feiras, bolsa de valores, parques aquáticos etc. É quase um país em um estado. (CIDADE DE SÃO PAULO, 2013, web). E quando o mestre Florestan Fernandes empreende sua pesquisa os números de São Paulo já demonstravam que São Paulo era um espaço que tendia a ser uma grande metrópole.

Segundo afirma Luís Octávio da Silva (2013, web) foi o período de 1930 a 1945 decisivo para a definição dos “[...] processos econômicos, da evolução do

quadro demográfico, como também pela consolidação das bases de um deter- minado modelo de organização espacial assumido pela metrópole nas décadas seguintes”. A recuperação pós-crise de 1929, onde a economia paulista se dina- miza, saindo da dependência cafeeira. A era Vargas e o Estado Novo consolidam São Paulo como principal “[...] polo econômico e industrial do Brasil e a cidade de São Paulo como principal foco desse processo [...]. Em 1939, pela primeira vez, o valor da produção industrial desse estado já ultrapassava o valor da pro- dução agrícola”. O desenvolvimento da grande metrópole já dava sinais claros que ocorreria em pouco tempo.

Foi no bojo desse processo de desenvolvimento econômico e, especialmente, industrial que houve uma aceleração do pro- cesso de urbanização. O município de São Paulo tinha, em 1930, cerca de 890 mil habitantes. Em 1933, esse número já ul- trapassava um milhão. Em 1945, já eram 1.608 mil (1.800 mil na região metropolitana). Mesmo que, em números absolutos, os incrementos demográficos fossem cada vez maiores, hou- ve um arrefecimento no ritmo desse crescimento. De 1920 a 1930, o acréscimo foi de 56%; de 1930 a 1940, foi de 47%. Por outro lado, o peso demográfico do município no total do esta- do, assim como no do país, não cessou de aumentar. Em 1900, o município abrigava 1,4% da população do Brasil; em 1920, esse percentual já era de 1,9%; em 1940, 3,2% e, em 1950, 4,2%. Durante o nosso período de interesse (1930 a 1945), a maior parte desse incremento já se dava por crescimento ve- getativo. No que diz respeito à chegada de novos habitantes, os anos 1930 e as décadas seguintes foram marcados pela in- tensificação dos fluxos migratórios internos, que se tornaram mais importantes do que a chegada de imigrantes estrangeiros. Um outro traço característico do período foi a consolidação, também, do processo de metropolização. (SILVA, 2013, web)

Eram os grandes loteamentos de terra, que do dia para a noite faziam surgir bairros inteiros. “Os limites da zona urbanizada contígua já ultrapassavam as fronteiras municipais”. (SILVA, 2013, web) Esse movimento de ocupação, fez desenvolver o transporte sobre rodas, uma vez que era o bonde ainda o meio popular. Também, ampliou-se o fornecimento de gás, serviços de telefonia, e o desenvolvimento de rodovias para abrigar o crescimento dos transportes por ônibus e carros. Igualmente,

Dois outros acontecimentos foram também nevrálgicos para a consolidação da urbanização extensiva. A Lei do Inquilina- to, de 1942, inibiu da produção rentista de moradias. Também bastante importante foi a instituição do sistema de vendas a prestação, ocorrida em 1937. O crescimento demográfico e a crise da produção rentista empurraram a população de mais baixa renda para a autoconstrução em lotes periféricos, na sua maioria desprovidos de infraestrutura, mas comprados a pra- zo e acessíveis através dos ônibus. Ainda que não totalmente materializado, o modelo do desenvolvimento urbano extensi- vo teve suas bases e hegemonia consolidadas durante os anos 1930’s e 40’s. Esse padrão se tornou uma das principais carac- terísticas assumidas pela cidade nas décadas que se seguiram. (SILVA, 2013, web)

Foi nesse emaranhado de crescimento, misturado com desenvolvimento de condições estruturais básicas, necessárias para atender as demandas dos fluxos mi- gratórios internos e a chegada dos imigrantes estrangeiros, que Florestan Fernan- des, então aluno do curso de Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo, realiza um levantamento parcial do folclore paulistano.

Folclore na cidade de São Paulo:

No documento PORTCOM (páginas 49-54)