• Nenhum resultado encontrado

Um pouco sobre o livro

No documento PORTCOM (páginas 112-115)

O livro de Whitaker foi inspirado provavelmente na obra de Gilberto Freyre, que retratou a venda de escravos no Brasil através de pequenos anún- cios de jornais, como relata o autor na página 23: “Gilberto Freyre escreveu um livro interessantíssimo, onde traça o perfil sociológico do Brasil no Século XIX, através de anúncios e da reprodução de certo tipo de noticiário dos jor- nais da época”.

O livro “O escravo nos anúncios de jornais brasileiros”, reeditado em 2010 pela Editora Global, é um clássico, que mostra a realidade dos escravos africanos no Brasil nos anúncios publicados em jornais do século XIX que anunciavam a venda, a compra e a fuga de escravos. Gilberto Freyre foi um dos primeiros intelectuais a alertar para a riqueza desses anúncios como fontes documentais para nos aproximar do universo do cotidiano dos escravos. E neste livro, reuniu em sua pesquisa cerca de dez mil anúncios retirados de jornais do século XIX, como Diário de Pernambuco (Recife), Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), entre outros. A partir de tais anúncios, ele observa com perspicácia as relações que se estabeleceram entre os escravos e seus proprietários. São desnudadas pelo sociólogo as diversas ocupações que os cativos vindos da África exerciam deste lado do Atlântico: desde trabalhadores das lavouras de cana-de-açúcar até bar- beiros e cozinheiros pessoais de seus proprietários. Nos anúncios que colocavam

escravas à venda, Freyre destaca a preocupação dos textos em vangloriar os atri- butos físicos das negras.

É também de Whitaker a informação de que

Perlustrando a coleção da “Gazeta de Lisboa”, do ano de 1830, longe de nós qualquer pretensão de fazer sociologia... O que nos move é aquele “espírito publicitário”, que nos fica na alma, mesmo depois de nos havermos desligado da profissão.

Enquanto viveu em Portugal, entre os anos 60 e 80, Whitaker publicou vá- rias obras, entre elas, a interessante “A propaganda antiga”. A capa do livro é assi- nada por Jairo Porfirio (pseudônimo Afrânio), em formato de charge mostrando um baile sob o olhar da realeza do país. Há inúmeras ilustrações durante as 302 páginas da obra, provavelmente de outro autor cujas iniciais parecem JMZ, mas não identificado pelo autor da obra e nem por este comentarista.

O livro faz uma releitura de anúncios antigos no jornal português, distribuí- dos em capítulos que variam apenas o mês da publicação, indo de janeiro a de- zembro. Trata-se de uma coletânea de ações comerciais desenvolvidas na época, com especificidades e particularidades de redação para cada caso. Comentadas sempre com um certo bom humor por Whitaker.

A obra começa a despertar a atenção pelo cenário em que transcorrem. As calçadas, ruas, colégios, largos, travessas, cais, praia, paços, palácios, entre outros de Lisboa e fora dela, onde acontecem os fatos relatados pelo autor e publicados pelo jornal escolhido. Alguns nomes continuam incomuns aos olhares contem- porâneos para a nova paisagem urbana tanto de Lisboa como do restante do mundo, a saber : Rua do Arco do Cego, Travessa da Cera, Rua das Olarias, Rua do Chiado, Beco da Lebre , Cerca das Religiosas, Rua dos Confeiteiros, que já remete a nossa imaginação direto ao século XIX, pelo título e pelas “especiali- dades profissionais” de então, como a dos oleiros ou confeiteiros, homenageados com pompas naqueles dias e engolidos por novas profissões do século XXI, nem sempre homenageadas com ruas, praças ou avenidas.

Depois disso, Whitaker faz entrar em cena nomes nem sempre verdadei- ros dos prováveis anunciantes da época. Eram individualmente os profissionais como o corretor de imóveis, o dono da botica (farmácia), o mestre ferrador, o relojoeiro, o serralheiro, chapeleiro, fabricante de móveis, vendedor de graxa de sapatos que acorriam à imprensa de então para anunciar especialmente seus serviços e produtos à sociedade portuguesa daquele período.

E escolhe, aleatoriamente, profissões e profissionais, para ir construindo a sua obra. A começar pelos anúncios do campo imobiliário, presentes desde então, como este exemplo de anúncio localizado no jornal em janeiro:

Quem tiver propriedades rusticas ou urbanas (que sejão de- sembaraçadas), e as queira vender, pode dirigir-se a Diogo Ro- berto Higgs, rua dos Fanqueiros, nº 131, 2º andar; que debaixo da boa-fé, e com as costumadas diligencias em benefício dos interessados, espera desempenhar à satisfação dos mesmos, os negócios que lhe confiarem”. (Mantida a grafia da época).

Mais adiante o autor explica que “fanqueiro” é nome de comerciante de fazendas de algodão, linho, lã e etc.

Um dos grandes acontecimentos da época, registrados pela “Gazeta de Lis- boa”, foi a morte da rainha Carlota Joaquina. Dias após, era possível ler no mesmo jornal o seguinte anúncio:

Sahio á luz: Marcha Fúnebre dedicada á deplorável morte e Sua Magestade a Imperatriz Rainha, D.Carlota Joaquina de Bour- bon; composta para piano forte, por José Joaquim Lodi: vende- -se lithografadas nos armazéns de musica, e lojas de livreiro do costume e em casa do author, rua São João da Praça, nº 29, primeiro andar. Preço 160 réis. (Mantida a grafia da época).

Vários contrastes podem ser observados no episódio. Primeiro, a reverência com a morte de uma figura pública, transformada em obra musical. Depois a reprodução através de técnica litográfica e, por fim, a venda nos “armazéns de música”, “lojas de livreiro do costume” e até na “casa do author”. E a informa- ção essencial, o preço de “160 réis”, impossível de avaliar hoje se caro ou barato! Há noutro anuncio a sugestão de que o negócio seja feito “nas horas de costume”, sugerindo-se que seriam as horas de funcionamento normal da ati- vidade comercial, que antes começavam às 8 horas da manhã e se estendiam até as 18 horas. Mas, na atualidade, em metrópoles como São Paulo ou Lisboa já não funcionam assim.

O livro diz o autor:

Que Lisboa vivia naquele tempo, sem cinema, sem rádio, sem televisão. Nas residências melhores, das famílias capazes, fa-

ziam-se saraus musicais, tocava-se piano, mas também, os mais sofisticados, talvez o órgão.

Nos demais capítulos continuam desfilando personagens e histórias con- tagiantes, mostrando hábitos, costumes, formas típicas de redação da época, destaques para a comercialização dos produtos e serviços e endereços pito- rescos.

Um pouco de romance, um pouco da realidade da época, uma contribuição marcante de um dos mais completos publicitários que o país conheceu, trans- formado hoje em nome de Praça na cidade de Águas de São Pedro, onde passou os últimos dias de sua vida.

No documento PORTCOM (páginas 112-115)