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Trocinhas do Bom Retiro

No documento PORTCOM (páginas 58-60)

O capítulo 2, em “As trocinhas do Bom retiro” (p. 153-255), onde também trata do folclore infantil paulistano, vai mostrar os grupos de folguedos, des- crevendo as principais influências socializadores desses grupos. Este trabalho foi escrito em 1944, para o concurso “Temas Brasileiros”, instituído pelo De- partamento de Cultura do Grêmio da Faculdade de filosofia, Ciências e Letras, ganho pelo autor no âmbito da Seção de Ciências Sociais, publicado, posterior- mente, com prefácio de Roger Bastide, pela Revista do Arquivo Municipal, nr. CXIII, Departamento de Cultura, São Paulo, 1947 (p. 7-124).

Anteriormente, ainda enquanto aluno do curso de Ciências Sociais, da USP, Florestan Fernandes, realizou para a Cadeira de Sociologia I, a cargo do profes- sor Roger Bastide, uma pesquisa sobre o folclore paulistano. Os resultados foram publicados em alguns artigos da revista Sociologia e apresentados em seminá- rios. A própria coleta dos dados acabou por levar Florestan para o estudo dos grupos infantis, conhecidos como trocinhas. No trabalho observou as trocinhas nos bairros do Bom Retiro, Lapa, Bela Vista, Brás e Pinheiros, sendo, porém o mais completo o material do Bom Retiro, como afirma em sua pesquisa.

Para Roger Bastide, que prefacia o capítulo (p. 153-255) o folclore, durante muito tempo foi estudado por curiosos e “amadores”. Hoje, porém, tornou-se “[...] uma ciência, que tem suas regras, seus métodos, e que exige de quem o es- tuda qualidades especiais”. O crédito deste resultado ele atribui a Mário de An- drade, que segundo Bastide foi “[...] quem foi quem formulou a hipótese sobre a origem portuguesa das composições do folclore infantil brasileiro. Quanto ao tipo melódico, o próprio Mário de Andrade fez uma análise satisfatória, embora incompleta, que evidencia a influência europeia e particularmente portuguesa nas rodas infantis brasileiras”. (p. 154)

Bastilde (p. 154-155), no prefácio do material, fala das brincadeiras de criança, relatada no estudo do professor Florestan Fernandes, ao mesmo tem- po em que referenda a desatenção dos adultos sobre essas manifestações infan- tis. E reforça que para estudar a criança é preciso tornar-se criança, em uma

menção clara da necessidade de viver a brincadeira, mergulhar no momento, viver o brinquedo e somente desta forma poderá ser possível compreender o universo infantil.

Para o professor Roger Bastide “O Folclore é uma cultura; ora, não se pode compreender a cultura, separando-a do grupo social que ela exprime. O folclo- re não é uma simples curiosidade ou um trabalho de erudição, é uma ciência do homem e não deve, portanto esquecer o homem, ou melhor, neste caso, a criança que brinca”. Assim, o professor Bastide homenageia a coragem de Florestan ao estudar o folclore infantil e reforça dizendo que resultados são ao mesmo tempo uma contribuição à sociologia e ao folclore.

Porém, Florestan faz alerta com referência a esse campo de pesquisa. Para ele (p. 155-156), o estudo sobre o folclore brasileiro está precisando de renovação, fazendo menção as “[...] técnicas, tematização e explicações científicas”, em- bora, o escopo dos elementos do folclore brasileiro como padrões costumeiros de comportamentos e em especial como relação às condutas individuais sejam recentes entre nós. Florestan afirma que as primeiras incursões podem ser da- tadas a partir,

[...] de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Anterior- mente, em escala microscopia, apenas Sílvio Romero, em al- guns ensaios, e Euclides da Cunha, em certos trechos de Os Sertões, fizeram alguma coisa nesse sentido. O desenvolvimen- to da sociologia e da antropologia, no Brasil, criará as con- dições necessárias ao aproveitamento mais amplo e racional do material folclórico, colhido em pesquisa de campo, pelos cientistas sociais.

Para ele, mesmo fazendo um estudo do folclore infantil, recheado com seu olhar sociológico, este deve ser encarado como um duplo aspecto, que foi re- sultado da riqueza do material coletado ao longo da pesquisa. Desta forma, o material não analisa todos os grupos infantis, mas aqueles formados nas ruas, “trocinhas”, que tem por finalidade imediata a recreação.

Para Florestan a condição básica de formação das trocinhas é a vizinhança, pois esta condiciona o contato entre os membros do grupo, porém não define a interação entre eles. O grupo pode existir e sobreviver mesmo com a perda da liderança. Tornam-se amigos e há uma intolerância aos estranhos que que- rem participar das brincadeiras. Normalmente os grupos recebem nomes, pelos

quais são identificados, inclusive pelos membros das trocinhas rivais. Neste uni- verso infantil as ações folclóricas estão nas brincadeiras de roda, de casinha ou nos times formados para os jogos. Florestan Fernandes afirma que “Os grupos promovem os primeiros contatos das crianças com o meio social, de maneira mais livre e íntima. As relações são de grupos primários, face a face, apresentan- do-se perfeitamente organizados e regulamentados em seus traços mais gerais, havendo mesmo, sanções punitivas para os transgressores” (p. 159-162). Brincam em conjunto, sem grandes isolamentos, mas na adolescência há uma separação entre meninos e meninas. “Esses grupos sobrevivem ao tempo, porém mudam suas ações, e passam a frequentar juntos outros espaços de interação, como tea- tro, futebol, cinemas”. (p. 162-163).

De modo geral as relações entre os membros dos grupos se orientam segun- do padrões democráticos de conduta. O máximo observado são as xingações (mas dependem da aceitação do novo membro). Dentre elas, Florestan cita: judeus “gambás”; brasileiro “macaco”; espanhol “garrafa vazia ou vendedor de ferro velho”, italiano “carcamano”, negro “tiçumo ou pau de fumo”, japonês “tekago na kara”, etc.

Outro aspecto a ser considerado é que a cultura infantil que se forma vem do conceito do “aprendi na rua”, e está fortemente influenciada pela cultura adulta que quase se perdeu ao longo do tempo. Assim, nas brincadeiras ela vai definindo alguns papéis sociais (papai-mamãe – embora não haja semelhança com o pai, mas com a função social que ele exerce). A representação dos papéis e sua relação com as brincadeiras são, na verdade, antecipações da vida adulta e do espaço social que cada um vai desempenhar no futuro. (p. 163-167)

O capítulo também faz análises dos vários tipos de jogos, parlendas etc. Ou- tro dado interessante é que Florestan disponibiliza diversas fontes de referência, com autores interessantes da primeira metade dos anos de 1900, muito deles desconhecidos, especialmente para nós da chamada “nova geração” de pesqui- sadores da cultura popular.

Distintas facetas do folclore infantil:

No documento PORTCOM (páginas 58-60)