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Juliana Gobbi Betti

No documento PORTCOM (páginas 121-127)

UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” PEREIRA, João Baptista Borges. Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo. [1967]. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2001.280p.

Nas décadas de 1950 e 1960 o fim da “era de ouro” e a disputa pela audiência com a recém-chegada televisão abalizaram um período de importantes mudan- ças na história do rádio brasileiro, definindo-se como elementos determinantes

1. Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (2009) e gradua- da em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo (2005). Desde 2011 atua como professora substituta nos cursos de Jornalismo e Ra- dialismo do Departamento de Comunicação Social da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP), campus Bauru. Tem experiência na área de Co- municação atuando principalmente com os seguintes temas: Jornalismo Radiofônico; Produção Radiofônica; História da Comunicação; e Estrutura, Técnicas e Processos de Produção da Notícia. E-mail: jubetti@terra.com.br.

na construção do modelo de programação que, ainda hoje, caracteriza o dial. As grandes estruturas dos programas de auditório perderam espaço para uma programação com um custo menor de produção, a performance ao vivo foi substituída por gravações. É neste contexto de mudança que João Baptista Bor- ges Pereira desenvolve a pesquisa intitulada Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e

o rádio de São Paulo.

No entanto, como o título indica, o rádio não era objeto central das atenções do autor, que objetivou investigar: 1. “o processo de integração do homem de cor a essa faixa de convivência socioprofissional”; e 2. “o processo de participa- ção na sociedade e cultura amplas desse contingente humano que ganhou novas qualificações sociais, através de sua integração à estrutura das empresas radiofô- nicas” (PEREIRA, 2001, p.26). Embora tenha sido originalmente desenvolvida com base nas inquietações da antropologia, a pesquisa contribuiu para a cons- tituição do pensamento comunicacional brasileiro. Para entender esta relação buscamos conhecer e apresentar um pouco mais sobre os elementos e cenários que a caracterizam.

O autor

Assim como seus pais, João Baptista Borges Pereira é natural de Santa Cruz do Rio Pardo, interior de São Paulo. A família é moradora antiga do município, des- de a segunda metade do século XIX, no entanto suas origens remontam às terras de Minas Gerais, seu pai, Antonio, é descendente de fazendeiros escravocratas das proximidades de São João da Boa Vista. Sua mãe, Eurídice, descende de imigrantes checos que se instalaram primeiramente na região do triângulo mineiro, sua bisa- vó materna teria chegado ao Brasil no mesmo navio dos Kubitschek.

Nascido em 23 de julho de 1929, morou em Santa Cruz até o início da fase adulta, quando foi fazer faculdade na capital. Naquele período não havia alter- nativas para a continuidade dos estudos ginasiais na cidade, só era possível cursar a Escola Normal2, a opção de colegial nas modalidades clássico ou científico

2. A Escola Normal, hoje equivalente ao Ensino Médio, objetivava a formação de pro- fessores para o ensino primário. O modelo surge na França, no final do Século XVIII.

mais próxima era na cidade de Botucatu, e João Baptista, já enamorado de sua futura esposa Maria Teresa, não queria mudar de cidade. Ainda, os custos seriam muito altos para a família.

A opção pela formação de normalista dificultou seu ingresso na vida univer- sitária. A primeira tentativa ocorreu no início dos anos 1950, quando, ao tentar inscrever-se para o processo seletivo do curso de Ciências Sociais, descobriu que sua formação o permitiria cursar apenas Pedagogia, João Baptista lembra:

Meu raciocínio foi simples e imediato: entre ficar sem curso superior e fazer Pedagogia, eu faria Pedagogia. Não tinha al- ternativa. Prestei vestibular e ingressei no curso. Depois, che- guei à conclusão de que não havia nascido para fazer Peda- gogia. Nada contra a disciplina, eu a admiro, mas, na verdade, minha vocação era a sociologia (PEREIRA, 2002, p.)

Aproximadamente um ano depois de largar o curso recebeu a boa notícia, Jorge Nagle, colega dos tempos de escola, o avisou sobre uma nova possibi- lidade de prestar vestibular. João Baptista conta que ainda enfrentou dificul- dades, só conseguindo assegurar sua inscrição por meio de um mandado de segurança,

Voltei e tive minha inscrição para o curso de Ciências Sociais negada, sob a mesma alegação do ano anterior. Fiz vestibular condicionalmente, e acabei tendo meu direito confirmado pelo então Ministro Simões Filho. Ao eliminar esse obstácu- lo legal, veio o obstáculo intelectual: a seleção (PEREIRA, 2002, p.15)

Nagle, também normalista, cursava Pedagogia na Universidade de São Pau- lo e ciceroneou o então vestibulando durante o processo. Aprovado na prova

No Brasil, as primeiras instituições para a formação de normalistas foram criadas res- pectivamente em 1835, no Rio de Janeiro, em 1836 na Bahia, em 1845 no Ceará e, em 1846 em São Paulo (MARTINS, 2009, p25-4). Em Santa Cruz do Rio Pardo a Escola Normal criada pela Lei Municipal nº 429, de 25 de agosto de 1928, iniciando em 1929. O curso colegial foi criado pela Lei nº 255, de 13 de março de 1949, para funcionar nas dependências da Escola Normal em período noturno.

escrita e na prova oral, tendo em ambas o prof. Antonio Candido3 como avalia-

dor, iniciou o curso de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo em 1955. No entanto, foi logo na primeira semana de aula que se encantou por outra área do saber, a Antropologia, que lhe foi apresentada por Egon Schaden4. Em

entrevista publicada na Revista de Antropologia o autor explica que

Schaden não movia um músculo da face. Tinha um timbre mui- to forte. O único recurso que ele usava era o cachimbo. Fazia pausas no meio da frase, botava fumo no cachimbo, acendia-o, criava suspense e retomava a frase. Era extraordinário. Eu mesmo nunca pensei em fazer antropologia. Eu vim para USP cursar sociologia. Mas quando eu assisti a uma aula de Schaden sobre populações pigméias da África Equatorial, minha nossa, eu saí antropólogo. Schaden me converteu (MARRAS, 2003, p.332).

Schaden teve um papel fundamental na carreira de João Baptista, especial- mente como orientador de seu doutorado e pela indicação para que assumisse seu lugar como professor catedrático logo após concluir a livre-docência.

Foram muitas as realizações do autor5. O normalista, formado no interior

de São Paulo, João Baptista Borges Pereira é Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, título concedido pela primeira vez a um docente do Departamento de Antropologia (NOVAES, 2002, p.7). Atualmente, dedica-se às pesquisas sobre etnia e identida- de religiosa, integrando o corpo docente do Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

3. Antonio Candido (1918) é sociólogo, literato e professor. Ao longo de sua carreira publi-

cou diversas obras de referências nos estudos sobre sociedade e literatura. Recebeu quatro vezes o Prêmio Jabuti, além dos prêmios Juca Pato, Camões e Machado de Assis. Ainda, é Professor Emérito pela USP e UNESP e Doutor Honoris Causa pela UNICAMP. 4. Egon Schaden (1913-1991) foi um dos mais importantes antropólogos brasileiros. Em

1949 assumiu a cadeira de Antropologia da  Faculdade de Filosofia, Ciências e Le- tras da Universidade de São Paulo, ocupando a vaga deixada por Emilio Willems. Criou e custeou a Revista de Antropologia, ainda referência este campo de estudos. Ainda, em meados de 1970, criou a disciplina Antropologia da Comunicação na Universidade de São Paulo.

5. Para conhecer mais sobre a trajetória intelectual de João Baptista Borges Pereira indica-

O início

De acordo com João Baptista (2013) a inspiração para o projeto surgiu ao longo do segundo ou terceiro ano de curso, período em que participou de uma pesquisa coordenada por Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni sobre o negro na Região Sul do país. A incursão dava continuidade aos estudos de Florestan Fernandes e Roger Bastide, ainda, respondia à “resolução de pôr em prática um programa de ação educativa contra o preconceito racial, movimento cuja execução se basearia na mais ampla difusão dos dados científicos relativos às questões de raça” (SCHADEN, 1953, p.63-64), uma iniciativa da UNESCO, que congregava sociólogos, antropólogos e geneticistas.

O autor afirma que, até então, não percebia a problemática racial na socie- dade brasileira, explicando que

Para mim o negro era o negro da minha terra, que nós cha- mávamos de negro da nossa gente. Eram filhos de escravos e ex-escravos que viviam grudados na gente em casa. Era aquele negro que eu conhecia. Esse negro que era objeto da sociolo- gia eu não conhecia, nem quando eu vim para cá eu percebia. Isso para mim era invisível. Para mim o negro era o negro da minha terra, que me ajudava e eu ajudava ele, era como se fosse da família, com meu sobrenome (PEREIRA, 2013).

Além disso, João Baptista conta que, ao contrário do que o senso comum indica, a abolição não tirou totalmente os negros de perto das famílias, pelo menos não da sua. Ao final dos anos 1940, os descendentes dos escravos que trabalharam na fazenda de seu avô ainda mantinham relações de amizade com ele. Sobre este período lembra que aprendeu a dançar em um lugar chamado Bafo de Onça, que era frequentado majoritariamente por negros e famoso pelo ritmo comandado por instrumentos de percussão. Ele e outros amigos, como Jorge Nagle, eram bem aceitos por serem considerados da “nossa gente”.

Ao conhecer outra realidade, muito mais comum, espantou-se com as his- tórias de vida destes negros que enfrentavam cotidianamente os estereótipos negativos, os preconceitos e o racismo, concluindo então, que tinha uma dívida com os negros, uma dívida da qual nunca havia se dado conta. Ao retornar, João Baptista preparou seu projeto e o entregou para que a colega Ruth Cardoso opinasse. Ela achou uma boa ideia.

A pesquisa

“Enquanto se é aluno de graduação, escolhe-se o professor, mas depois é o professor que escolhe o aluno”. “Com isto”, disse-me ele, “estou lhe dizen- do que eu o escolho como meu orientando, desde que você mude de tema” (MARRAS, 2003, p.324-325). O ele, protagonista da fala, é Florestan Fernan- des, a quem João Baptista entregou seu projeto com a intenção de tê-lo como orientador6. Contudo, Florestan explicou que não estava mais pesquisando a

temática racial, mas desenvolvendo um projeto sobre a indústria cafeeira em São Paulo, no qual Fernando Henrique Cardoso já estava trabalhando. O professor sugeriu a cidade de Chavantes como estudo de caso, e para lá foi João Baptista.

Realizei um survey na comunidade, preparei o projeto e o levei para Florestan. Perguntei-lhe: “está bom, professor?”. Ele disse que estava bom. Aí eu rasguei o projeto na frente dele – fui acintoso mesmo –, desculpei-me e saí da sala. Florestan se es- pantou: “mas o que é que há, ficou louco?”. “Não fiquei louco não” – disse-lhe eu –, “é que não quero fazer isso”. Então desci as escadas da Antropologia, encontrei o professor Egon Schaden, e perguntei se ele aceitava me orientar no doutorado. Ele disse que aceitava ser meu orientador desde que eu con- cordasse em ter um orientador que mais ouvisse do que falasse, porque ele não trabalhava com questões raciais. E foi um gran- de orientador. Ele não interferiu, me deu liberdade. O grande crítico de meu trabalho foi Oracy Nogueira – que tinha sido meu orientador no mestrado –, e lia página por página. Foi ele que segurou um pouco a minha linguagem, meio exagerada, e deu mais elegância ao meu estilo. Acabou que Schaden foi meu orientador formal e Florestan compôs minha banca de defesa. Anos depois ele publicou sua tese em inglês e na intro- dução ressalvou que seus resultados eram respaldados por uma pesquisa “independente”, que era a minha, já publicada em livro (MARRAS, 2003, p.325).

6. Além da afinidade que João Baptista acreditava ter com a linha de pesquisa que vinha

sendo desenvolvida por Florestan, naquele período apenas catedráticos podiam orien- tar pesquisas de doutorado.

As primeiras aproximações com o objeto foram feitas em 1958, a partir da aplicação de um survey. No entanto, o autor explica que a “investigação foi de- senvolvida sistematicamente nos anos de 1959 a 1961, e prosseguida em termos complementares, com numerosas interrupções, durante o biênio 1962-1963, somente ficando concluída nos princípios de 1964” (PEREIRA, 2001, p.19).

No documento PORTCOM (páginas 121-127)