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ANTROPOLOGIA COGNITIVA E A DIDÁTICA DOS SABERES

No documento Download/Open (páginas 103-129)

A Teoria Antropológica do Didático tem sua gênese em meados do final da década 70 e início dos anos 80 do século passado, quando as primeiras discussões em torno da noção de transposição didática são apresentadas no IREM – d´Aix-Marseille. A fecundidade da noção abriu espaço para um projeto maior que culminou com a TAD. Uma teoria em desenvolvimento cuja evolução pode ser acompanhada em textos clássicos de Yves Chevallard (cf. CHEVALLARD, 1992; 1994; 1997; 1999; 2002; 2006; 2011).

Os desenvolvimentos da teoria nos últimos anos têm encaminhado para discussão que aludem ao que Chevallard e seus colaboradores chama de paradigma do questionamento do mundo que tem como ferramenta principal. Além da crítica ao modelo escolar dominante, esse paradigma busca o aperfeiçoamento de dispositivos didáticos que buscam o rompimento com lógica vigente, onde as obras humanas são tomadas como inquestionáveis e o papel dos sujeitos diante delas é o de observador. O “parcours des étude et recherche (PER)”, aqui no Brasil traduzidas56 como percurso de estudo e pesquisa (PEP), são uma demonstração os pesquisadores têm se preocupados com o avanço da TAD e dos seus quadros teóricos.

Em uma análise das mudanças, ampliações e reformulações acerca da noção de transposição didática, Bosch e Gascón (2006) afirmam que o conceito de TD não está somente como gênese da TAD, mas, sobretudo, perpassa todas as noções teóricas que permitiram os desenvolvimentos da TAD ao longo de sua existência. Dessa forma, a noção teórica transformou-se juntamente com a teoria, de modo que os autores defendem a tese de que o alargamento do objeto de estudo implicou na sua reformulação teórica (BOSCH; GASCÓN, 2006).

56 Em oposição a estrutura escolar convencional, a qual Chevallard (2009, p.1) chama de “confortável e enganosa”

o PEP corresponde a processos de investigação que envolvem o um grupo de estudantes (X) (alunos de uma escola, pesquisadores, jornalistas, e etc.) que se debruçam sobre uma questão (Q), em um grupo mais restrito, que pode ser inclusive vazio, que é o grupo das ajudas de estudo (Y), onde professor pode estar inserido. Para responder Q, serão mobilizados equipamentos praxeológicos de uma ou mais disciplinas (didática co-disciplinar), onde o trabalho desenvolvido por X é sempre contra um M, onde se buscará a resposta de Q, isto é R♥, nesse percurso muitas outras respostas parciais e questões secundárias poderão ser encontradas. Esse esquema, também chamado de herbatiano pode ser representado simbolicamente como (S (X;Y;QM) R♥), (Ibid, p. 2). Além da noção PEP outras noções foram desenvolvidas, como a noção de modelo epistemológico de referência (MER), atividades de estudo e pesquisa (AEP), dentre outras. Em nosso trabalho o foco é no que Chevallard (1992; 1996) chama de “antropologia cognitiva ou antropologia dos saberes”. Ela se constituiu na base para o desenvolvimento das noções posteriores.

Para exemplificar esse posicionamento, tomemos primeiramente as premissas básicas em torno da noção de TD. De acordo com Chevallard (1997), todo projeto social de ensino e de aprendizagem tem na sua essência a dialética entre conteúdos do saber e conteúdos do saber a ensinar. Essa dialética se materializa por meio de manuais e materiais de ensino. Até se tornar um “saber a ensinar”, os saberes passam por transformações e é nesse processo de transformação que reside a noção de transposição didática. Essa transposição pode se referir ao conteúdo específico, em um sentido scricto senso, ou ao estudo do processo de investigação mais amplo, isto é, uma transposição didática lato senso. (CHEVALLARD, 1997)

Esse processo mais amplo pode ser ilustrado a parte do seguinte esquema:

Fonte: Bosch e Gascón (2006, p.392)

Para Bosch e Gascón (2006), em um primeiro estágio da teorização, a TD cumpre o papel de apresentar a natureza plural dos saberes, além da sua relatividade institucional. O foco dos problemas didáticos se desloca das características individuais dos sujeitos em dada instituição para as práticas institucionais em torno dos saberes, ou seja, os aspectos cognitivos da aprendizagem já não são considerados suficientes para explicar as dificuldades de aprendizagem dos alunos sobre uma determinada noção. Os saberes e suas transformações são, portanto, tomados como unidade de análise que influencia as diferentes atividades (matemáticas ou não) em uma instituição. Além desse papel, a TD traz consigo outros termos não menos importantes para serem considerados na relação didática e nos fenômenos transpositivos. Termos como noosfera, tempo didático, o uso do plural para determinar os saberes, vigilância epistemológica são exemplo dessas contribuições (BOSCH; GASCÓN, 2006).

Para Bosch e Gascón (2006), a noção de TD perpassa os desenvolvimentos teóricos da TAD de modo que os componentes transpositivos fazem parte da maioria dos fenômenos associados ao ensino de Matemática: “os fenômenos de transposição didática estão no coração de qualquer problema didático”57 (BOSCH; GASCÓN, 2006, p. 396).

57 Los fenómenos de transposición didáctica están en el corazón de cualquier problema didáctico.

No caso específico da TAD, Bosch e Gascón (2006) apontam ao menos três grandes contribuições:1. Ampliação da unidade empírica de análises; 2. A modelização das atividades matemáticas e didáticas; 3. O estudo das restrições em diferentes níveis de codeterminação.

Refletindo sobre as ponderações de Bosch e Gascón (2006), adaptamos o quadro de evolução da TAD e sua relação com a noção de TD para o seguinte:

Fonte: próprio autor (2018).

Na figura acima, podemos observar que o processo de transposição didática abriu espaço para que a atividade de pesquisa em Didática da Matemática pudesse direcionar seu foco para as condições e restrições que se manifestam na difusão dos saberes. Esse processo suscitou a necessidade de ampliação do quadro, pois já não bastava considerar o saber como objeto institucional que sofria transformações. Era necessário teorizar sobre o papel dos agentes que se relacionava com esses objetos, o que foi fundamental para a construção da Antropologia Cognitiva, pois, ao se referir à Transposição Didática como uma noção que dá suporte para a compreensão dos percursos pelos quais os saberes passam até se tornarem objeto de ensino, Chevallard (1996) chama atenção para as etapas e os agentes envolvidos nessa transformação, desde pesquisadores, gestores do sistema educacional até autores de livro didático, professor e outros agentes etc.:

O alargamento do quadro, levado a cabo por necessidades de análise conduziu-me a propor uma teorização em que todo objeto possa aparecer: a função logarítmica é, evidentemente, um objeto (matemático), mas há também o objeto “escola”, o objeto “professor”, o objeto “aprender, o objeto “saber”, o objeto “dor de dente”, o objeto “fazer pipi”, etc. Assim, passa-se de uma máquina a pensar um universo didático restrito a um conjunto de máquinas de alcance mais amplo, apto, em princípio, a nos permitir situar a didática no seio da antropologia (CHEVALLARD, 1996, p. 127).

A TAD, como ampliação da Transposição Didática, permite analisar o papel dos atores que compõem os sistemas didáticos e as relações estabelecidas com o saber de forma mais

sistemática e dinâmica. Ao situar a didática no seio da Antropologia e, consequentemente, colocar a atividade matemática como uma prática humana, abriu-se a necessidade de explicar como essas práticas eram efetivadas: “admite-se, de fato, que toda atividade humana concluída regularmente pode ser incluída em um modelo único que se resume aqui à palavra praxeologia”58 (CHEVALLARD, 1999, p. 1, tradução nossa, grifos do autor). Nesse mesmo texto, Chevallard (1999), ao discorrer sobre as práticas de ensino nas instituições escolares, defende claramente que a noção de praxeologia surgia como desafio teórico, porque era uma ideia em evolução.

Nos anos seguintes a introdução da noção de praxeologia outras noções foram sendo incorporadas como “níveis de codeterminação” (CHEVALLARD, 2002), “modelo epistemológico de referência” (BOSCH; GASCÓN, 2005) e PER (CHEVALLARD, 2006), todas elas importantes nos desenvolvimentos atuais da teoria. Bosch e Gascón (2006) acrescentam que a construção de modelos epistemológicos de referência é parte da natureza das investigações em Didática da Matemática.

O desenho desse cenário que situa a noção de transposição de didática e a teoria em torno dela, como gene da Teoria Antropológica do Didático, nos convida a uma primeira reflexão: como a cognição e sua dimensão psicológica podem ser inseridas como unidade de reflexão no quadro antropológico?

Pensamos que um argumento plausível para a construção de uma resposta a essa indagação pode estar no fato de que o paradigma antropológico, iniciado com a noção de transposição didática, situa a Matemática como uma prática humana. Na relação didática, os sujeitos que efetivam essa prática, ao se relacionarem com o saber, propõem-se a um jogo cuja intenção de ensinar materializa as posições desses sujeitos. Esse jogo, como toda ação humana, é complexo e diversos componentes atuam simultaneamente sobre ele. Aqui nos valemos do pensamento de Mauss (2003) que, ao refletir sobre as técnicas da utilização do corpo, conclui: Concluí que se podia ter uma visão clara de todos esses fatos, da corrida, do nado etc., senão fazendo intervir uma tríplice consideração em vez de uma única, fosse ela mecânica e física, como uma teoria anatômica e fisiológica da marcha, ou, ao contrário psicológica ou sociológica. (MAUSS, 2003, p. 405).

58 on y admet en effet que toute activité humaine régulièrement accomplie peut être subsumée sous un modèle

unique, que résume ici le mot de praxéologie.

.

Outro argumento fundamental está situado nos próprios desenvolvimentos da TAD. Os percursos que relatamos aqui, sobretudo, guiados pelos colaboradores espanhóis Marianna Bosch e Josep Gáscon, nós apresentamos um quadro desenvolvimentos da teoria que procura sustentar o argumento da noção de Transposição Didática, como elemento que perpassa os desenvolvimento do quadro analítico desde sua gênese. Porém, há outras desdobramentos que não foram citados.

Chaachoua e Bittar (2016) em conferência realizada no LaDiMa, nos apresentaram um panorama da TAD que além dos desenvolvimentos citados por Bosch e Gascón (2006), trazem um novo elemento para o cenário de ampliação da TAD: as praxeologias pessoais.

Ao analisar trabalhos de tese que utilizaram os quadro teóricos da TAD ao longo dos últimos 30 anos, Chaachoua e Bittar (2016) agruparam através dessas pesquisas três períodos e os seus diferentes modos de olhar para a dimensão cognitiva em relação aos sujeitos. O período antes de 1999, o período de 1999-2006 e o período pós 2006. Para os autores nos seus desenvolvimentos a TAD sempre considerou o lugar desse sujeito especialmente com noção de relação pessoal, porém os olhares foram distintos nesses períodos:

Este primeiro período foi marcado pelo uso da TAD para questões de assujeitamentos dos sujeitos à uma ou várias instituições. (...) O segundo período se situa após a introdução da praxeologia como um modelo para descrever a relação institucional, relação que condiciona a relação pessoal de um sujeito a um objeto do saber. O aluno é então estudado para entender melhor as instituições às quais ele é assujeitado e desenvolver ou testar novas praxeologias escolares. A relação pessoal também é descrita pela praxeologia quando ela está em conformidade com a relação institucional. (...) O terceiro período é caracterizado pelo uso de modelo praxeológico para a descrição da relação pessoal, inclusive quando, às vezes ela não está em conformidade com a relação institucional. A aprendizagem é, então, reivindicada por aqueles que usam a TAD e o aluno é estudado por si mesmo, com, em particular, seus conhecimentos errôneos. (CHAACHOUA; BITTAR, 2016, p. 12-14)

Ao analisar a fala de Chaachoua e Bittar (2016) vamos encontrar eco para nossa discussão, exatamente quando a partir do terceiro período de desenvolvimento se desenha uma tendência a olhar o sujeito e sua relação pessoal no sentido da aprendizagem. Ao reivindicar a aprendizagem como dimensão de estudo na TAD, inevitavelmente as pessoas e o seu assujeitamentos nas instituições ganham holofotes no cenário de pesquisa. O desenvolvimento trazido por essa postura é o que Croset e Chaachoua (2016) vão chamar de praxeologias pessoais:

Propomos estender o uso do modelo praxeológico para descrever a relação pessoal de um aprendiz com um conhecimento, introduzindo a noção de praxeologia pessoal. Ter o mesmo modelo para descrever tanto a relação pessoal de um aprendiz com um conhecimento quanto a relação institucional permite estudar a transposição didática interna das praxeologias institucionais. Para justificar a existência e a necessidade desse modelo, procuramos questionar a consideração do sujeito cognitivo na Teoria da Didática Antropológica (TAD). Para tanto, analisamos diversos trabalhos de pesquisa envolvendo a noção de relação pessoal que, em nossa opinião, é potencialmente portadora da dimensão cognitiva do sujeito59 (CROSET; CHAACHOUA, 2016, p. 161, tradução nossa).

O destaque feito por Chaachoua e Croset (2016) para o potencial do modelo de praxeologias pessoais para explorar a dimensão cognitiva do sujeito na TAD. Como retomaremos mais adiante, o modelo oferecido pelos autores busca a modelização das praxeologias mobilizadas pelos sujeitos no seio das instituições. Ao reclamar essa dimensão individual os autores abrem novos flancos de discussão, que só revelam à nós a importância da discussão que estamos empreendendo. De fato, desde 2006, com o realização do II Congresso Internacional sobre a TAD essas discussões vem tomando fôlego.

Para Ricco e Menotti (2007), a TAD e suas ferramentas podem contribuir no sentido de complementar o entendimento do desenvolvimento cognitivo dos sujeitos. A complementariedade entre a TAD e teorias que tratam da dimensão cognitiva pode ajudar na explicação dos fenômenos que se apresentem frente à aprendizagem. No entanto, como lembra as autoras, essa ainda é um via quase inexplorada: “há uma ausência exploração da relação pessoal, nada é dito sobre os mecanismos e processos cognitivos no trabalho pelo sujeito na evolução da relação pessoal”60 (RICCO; MENOTTI, 2006, p. 570).

Em sentido semelhante, Araya e Matheron (2006) destacam que a porta de entrada para a dimensão cognitiva da atividade matemática é a perspectiva relacional da TAD, ou seja, a relação aos objetos. Nesse caso, objetos do saber se constitui na noção que permite tratar a aprendizagem como um fenômeno ligado à relação pessoal de um sujeito com o saber. Assim,

59 nous proposons d’étendre l’utilisation du modèle praxéologique pour décrire le rapport personnel d’un apprenant

à un savoir en introduisant la notion de praxéologie personnelle. Le fait de disposer d’un même modèle pour décrire à la fois le rapport personnel d’un apprenant à un savoir et le rapport institutionnel permet d’étudier la transposition didactique interne des praxéologies institutionnelles. Pour justifier l’existence et le besoin de ce modèle, nous avons cherché à questionner la prise en compte du sujet cognitif au sein de la Théorie Anthropologique du Didactique (TAD). Pour cela, nous avons analysé différents travaux de recherche où intervient la notion de rapport personnel qui, selon nous, est potentiellement porteuse de la dimension cognitive du sujet.

60 Faute d´exploration de ce rapport personnel rien n´est dit sur les mécanismes et les processus cognitifs à l´œuvre

noções como organizações praxeológicas, níveis de codeterminação podem contribuir para o entendimento de diversos fenômenos cognitivos, dentre eles, a memória. (ARAYA; MATHERON, 2006).

Ao retomar a figura proposta por Bosch e Gascón (2007) veremos que a noção de comunidade de estudo, um desdobramento dos desenvolvimento da TAD na Espanha, se apresenta como um cenário, onde os sujeitos assumem o papel de fazer matemática.

A noção de relação pessoal ao saber está no coração dos desenvolvimentos da TAD. Como uma teoria relacional, a TAD nos permite analisar os processos de transposição de maneira detalhada. O cerne da teoria está em considerar o estudo das relações mantidas entre objetos, pessoas e instituições a partir da problemática ecológica, isto é, o questionamento do que existe e por quê (ARAÚJO, 2009).

A problemática ecológica permite a ampliação do quadro de análise e abordagem dos problemas relacionados ao saber a ensinar. As inter-relações entre objetos pressupõem uma estrutura ecológica no seio das instituições que dependem dessas relações. Na teoria, termos como habitat, nicho, ecossistema, dentre outros, assumem significados na ecologia dos saberes. Perguntas como “o que permite a vida de determinados objetos em uma instituição” são vistas sempre de um ponto de vista da interação ecológica, ou seja, relacional. A TAD insere a didática em uma antropologia do conhecimento, isto é, em uma antropologia cognitiva (ALMOULOUD, 2007).

A antropologia cognitiva parte de noções primitivas, assim chamadas por Chevallard (1992; 1996), de objeto (O), pessoas (X), Instituições (I) e as relações entre pessoas e objetos R(X,O), bem como relações entre instituições e objetos RI(O). Esses entes compõem os termos centrais da axiomática proposta pelo autor.

Em termos gerais, os objetos são entidades materiais, ou não, que existem para, pelo menos, um indivíduo. Para Chevallard (1996, p. 127), tudo pode ser considerado um objeto:

Os objetos ocupam, contudo, uma posição privilegiada: são o “material de base” da construção teórica considerada. Da mesma maneira que, no universo matemático contemporâneo, fundado na teoria dos conjuntos, tudo é um conjunto (os próprios números inteiros são conjuntos), assim também, no universo que estou a considerar, todas as coisas são objetos.

Assim, a própria noção de pessoas (X), instituições (I), bem como as relações estabelecidas por esses entes são consideradas objetos. Notemos que a existência do objeto é sempre relacional, ou seja, é a relação de ao menos um indivíduo que o torna existente:

Um objeto existe a partir do momento em que uma pessoa X ou uma instituição I o reconhece como existente (para ela). Mais precisamente, podemos dizer que o objeto O existe para X (respectivamente, para I) se existir um objeto, que denotarei por R(X, O) (resp. RI(O)), a que chamarei de relação pessoal de X com O (resp. relação institucional de I com O). (CHEVALLARD, 1996, p. 127, grifos do autor).

Então o objeto R(X,O) diz respeito às relações que uma pessoa (X) mantém com um objeto O. O mesmo vale para as instituições, isto é, RI(O) denota a relação institucional com o objeto O. Esse conjunto de interações representadas por R(X,O) e RI(O) denota o que seria a relação de conhecimento na TAD.

Um aspecto que vale ressaltarmos é a abrangência alcançada pela Antropologia Cognitiva. No caso particular da Didática da Matemática, quando nos referimos às relações didáticas em uma sala de aula, por exemplo, podemos estar falando de objetos relativos a conceitos matemáticos bem como às relação mantidas com esses objetos e os sujeitos que participam dessa relação. De outro modo, é possível também vislumbrarmos outros espaços institucionais, no sentido da TAD, onde objetos distintos do exemplo citado, bem como as relações mantidas com esses objetos podem ser modelados.

Para Araya-Chacón (2008), a Antropologia Cognitiva e suas organização permitem a modelização do cognitivo. Em tese, partindo da noção de gestão didática da memória, já discutida por Brousseau e Centeno (1991), ela propõe uma modelização da memória didática e identifica “nove gestos memoriais” desencadeados pelo professor e pelos alunos. A TAD ajudou no sentido não só de modelar as práticas institucionais, mas também para ajudar a identificar a influência desses agentes na gestão didática da memória.

Podemos, então, pensar na natureza cognoscível dos objetos (O). Afinal, é a relação de conhecimento que dá sentido a tais entes. Dizer que mantenho uma relação pessoal com determinado objetivo significa que um dado momento de minha trajetória de vida eu conheci, ou fui apresentado a O. Mas, afinal, que somos nós? Indivíduos? Pessoas? Sujeitos?

Na antropologia cognitiva de Chevallard, acerca da noção de pessoa (X), a primeira distinção que fazemos é entre os termos “indivíduo”, “pessoa” e “sujeito”. Do ponto de vista da Antropologia Cognitiva, cada um de nós é um indivíduo. Já a noção de pessoa (X) corresponde ao par formado pelo indivíduo X e o sistema de relações pessoais R(X,O), em dado momento histórico da vida desse indivíduo. Assim, a noção de pessoa é uma noção dinâmica. Ela evolui com o tempo e depende das experiências de cada indivíduo.

Um dos fatores dessa mudança é o que Chevallard (1996) chama de sujeição institucional. Uma pessoa X torna-se “sujeito” de uma instituição (I) quando se sujeita a ela,

isto é, “metaforicamente, podemos dizer que X se torna um sujeito de I entrando em I” (Ibid. p. 130). É a entrada, ou melhor, os processos de assujeitamento, nas diversas instituições, que permitirá a mudança na relação R(X,O) seja pelo conhecimento de novos objetos, seja pela mudança na relação com objetos já conhecidos. É aí que reside a dinamicidade da noção de pessoa X. Por isso, a pessoa muda, conforme vai passando por processos de assujeitamento. Chevallard (2009) destaca que nessa dinâmica o indivíduo é o invariante, isto é, nós mudamos como pessoa, porém o nosso qualificativo de “indivíduo” não varia.

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