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SÍNTESE DO QUADRO TEÓRICO

No documento Download/Open (páginas 161-168)

O exercício teórico que nos propomos realizar assumiu, desde o segundo capítulo, a metáfora de que o quadro teórico nos serviria como lentes para observar e construir o fenômeno estudado. Partimos do princípio da problematização que, segundo Bachelard (1996), é fundamental para o avanço científico. Apoiamo-nos também nas ideias de Fleck (2010) para a comunidade científica constituída de coletivos de pensamentos. Foram esses dois referenciais que nos conduziram à compreensão de que seria necessária a combinação de lentes para dar conta de nossa investigação. Embora, metodologicamente, tenhamos dividido essa discussão em capítulos distintos, tentamos, sempre que possível, fazer conexões que, no plano teórico, rementem à reflexão que temos feito durante todo o processo de formação que vivemos até aqui.

No capítulo 2, tentamos exprimir nossa compreensão sobre a cognição e como trataríamos a sua dimensão psicológica. A cognição situada, teoria de abordagem antropológica, não foi escolhida sem razão. As constantes indicações textuais, de Chevallard e colaboradores, sobre o foco da abordagem antropológica e do estilo de pensamento da TAD, pareciam indicar a necessidade de afastamento das perspectivas cognitivistas mais tradicionais, aqui chamadas de “mentalistas”, conforme sugerem Lave (1988), Radford (2011), dentre outros.

Observando o capítulo 2 como um todo, seguimos uma linha que tratou de apresentar a cognição sob a ótica de sua compreensão desde as escolas de pensamento clássicas, passando para as compreensões mais atuais, como a aquelas ligada às ciências da informação. Em

seguida, discutimos a própria Psicologia como um campo plural. Esperamos ter preparado um cenário onde a cognição situada, do ponto de vista social e antropológico, poderia nos fornecer uma alternativa para pensar a cognição e suas dimensões. A ausência de um aprofundamento maior sobre a cognição situada justifica-se pelo fato de que as ferramentas da cognição situada cumpririam o papel de balizar nossas discussões sobre a cognição, quando da nossa leitura teórica da TAD.

O estudo de Lave e Wenger (1991) nos ajudou a compreender que, do ponto de vista da cognição situada, categorias de análise elencadas a priori: 1. participação dos sujeitos; 2. produção e negociação de significados na comunidade; 3. apropriação de saberes/práticas; e 4. constituição de identidades na comunidade, são compatíveis com o referencial da cognição situada, mas também com a análise pretendida do contrato didático como dimensão social, conforme aponta Joshua (1996).

Para nós, a dimensão psicológica nessas categorias se manifesta no discurso didático, nas atividades, nos comportamentos, nas decisões, nas expectativas e suas rupturas. Acreditamos que cada um desses possíveis indicadores resguarda um componente individual dos sujeitos, mas também traços da influência institucional nas mudanças de R(X,O).

Foi imbuídos dessa percepção que adentramos que neste capítulo no universo da TAD. Concentramo-nos nos aspectos teóricos que julgamos serem fundamentos para a nossa análise. A breve descrição da gênese da Didática da Matemática e do lugar da abordagem antropológica nos ajudou a justificar a possibilidade desse olhar situado sobre a cognição, ao invés de um olhar centrado no indivíduo.

Na discussão sobre a Antropologia Cognitiva e o alargamento da compreensão das noções de instituição e de sujeitos utilizando técnicas para realizar tarefas, os textos de Mauss (2003) e Douglas (2007) foram fundamentais para compreendermos o papel das instituições como agentes na cognição dos sujeitos, e dimensão psicológica como componente das ações desses sujeitos, quando utilizam as técnicas.

Isso nos deu a segurança teórica para dizer que a Antropologia Cognitiva, ao perpassar as demais noções e desenvolvimentos da TAD, conforme figura 7, indica que a cognição e a dimensão psicológica são aspectos latentes passíveis de exploração e análise.

Embora, reconheçamos que o foco da ecologia dos saberes seja a discussão das condições e restrições na difusão dos saberes, acreditamos que a análise dessa ecologia levanta elementos importantes para compreendemos o que ocorre na mudança da relação pessoal R(X,O).

Tanto que está tem sido um tendência dentro dos desenvolvimentos da teoria conforme explicaram Chaachoua e Bittar (2016). A noção de praxeologias pessoais indica que o sujeito cognitivo um objeto passível de análise dentro das ferramentas da TAD.

Ao dialogar com possibilidade de modelização das praxeologias desenvolvidas pelos sujeitos no seio das instituições. Croset e Chaachoua (2016) nos indicam a direção do que pode ser uma ferramenta poderosa para compreender as mudanças na relação R(X,O) dos sujeitos no seio das instituições. Para nós, isso garante que a dimensão psicológica, parece não estar de fato negada, mas durante muito tempo ela não tem sido o foco, indicando o que não talvez não seja uma deficiência dentro do quadro teórico, mas uma escolha deliberada desse estilo de pensamento.

Como nossa intenção é retomar essa discussão mais adiante, munidos das reflexões sobre o funcionamento do sistema didático em torno do ensino de probabilidade na Licenciatura em Matemática, não queremos tonar esse debate conclusivo.

Porém que de fato, concordamos com Sarrazy (2006) e seu argumento sobre o foco da TAD. Percebemos ao longo desse exercício que esclarecer determinados fenômenos relativos a dinâmica cognitiva dos sujeitos envolvidos com o SD, é uma possibilidade, mas também uma lacuna da TAD, conforme colocou Sarrazy (2006).

Como seção final do capítulo 3 apresentamos o papel do contrato didático como noção fundamental para a análise do sistema didático. Esta noção, conforme discute Joshua (1996), apresenta potencial para a discussão da dimensão psicológica, a partir de elementos da teoria de vigotiskiana. Isso nos lembra que tanto a aprendizagem situada tem raízes teóricas a perspectivas histórico social. Como vimos Lerman (2002) apontou o conceito de zona de desenvolvimento proximal como ponte para explicar elementos que a aprendizagem situada parece não dar conta.

Para finalizar esse exercício de síntese, apresentamos um quadro onde tentamos mostrar possíveis pontos de encontro entre a TAD e a cognição situada:

Quadro 6 – Quadro resumo noções da TAD e AS.

Noção TAD Aprendizagem Situada

Prática Central na teoria, o homem perante atividades matemáticas, manifesta-se

na atividade de estudo.

Central na teoria, a prática como emaranhado complexo entre sujeito e sociedade, manifesta-se

nas atividades partilhadas. Descrição

das práticas

Praxeologias institucionais e praxeologias pessoais.

Etnografia das práticas.

Cognição Fenômeno que se revela na prática e que pressupõe componentes públicos

e privados.

Ocorre com/na prática.

Ato de

Aprender Relacional, mudança na relação R(X,O) Relacional, fenômeno social, em dialética com a ação dos sujeitos Didático Está em toda intenção de ensinar,

maior interesse por instituições de ensino. Situações não-escolares são

consideradas um problema aberto.

O interesse maior é em situações não formais de ensino, mas não se nega a utilidade da teoria para

pensar questões escolares. Instituição Central como agente que age

diretamente na formação das pessoas e na cognição. Tem um sentido amplo. Uma CP pode se configurar

como uma instituição

Comunidades de práticas são comunidades onde há sujeitos engajados em um compromisso comum. Certas instituições não

se caracterizam como CP Pessoa Fruto das sujeições institucionais Ser histórico-social Sujeitos em

situação de ensino

Movimento das posições assumidas pelos sujeitos.

Sujeito transita em diversas instituições

Sujeito ocupa posições

periféricas e não depende só do momento do engajamento, mas das suas vivências em outras situações interferem no processo Dialética

Mundo- escola

Níveis de codeterminação As situações de aprendizagem envolvem um emaranhado de

relações de poder Sala de

aula

Instituição onde funcionam os sistemas didáticos.

Revela o cotidiano de um atividade social Contrato

didático Necessário para funcionamento dos sistema didáticos, onde ocorrem negociações e rupturas.

Nas comunidades de práticas e seus contextos se configuram arenas de disputas entre agentes.

Fonte: próprio autor.

Durante a fase de qualificação da pesquisa havíamos apresentado o quadro 06 como um exercício de síntese. Esse quadro é retomado no capítulo 7 onde retomamos a discussão final de nossa Tese.

Por fim, para nós, o estudo teórico indicou que a dimensão psicológica, seja ela de um ponto de vista antropológico, assumindo a cognição como ato social e não mentalista, mas respeitando a dimensão individual, seja assumindo algumas características do paradigma cognitivista, como abordagem vigotiskiana, é passível de análise a partir dos quadros da TAD. Para isso é preciso que se aceite que o conjunto de explicações sobre a ecologia dos saberes nos fornecem um instrumental relacional importante sobre a vida desses saberes nas instituições, mas cujo foco não é na ação dos sujeitos, logo existe um terreno a ser explorado

As ferramentas da TAD tem centralidade na ecologia que permite a difusão dos saberes. O resultado disso é a aparente negação da dimensão psicológica. Temos pensado nessa negação como uma questão ligada à própria compreensão das finalidades da TAD. A teoria por si só não pode querer dar conta de todos os fenômenos ligados à difusão dos saberes. Assim, é preciso reconhecer que outras explicações são necessárias, inclusive com o aprimoramento de ferramentas, já que a essência da evolução da ciência é a problematização, como já dizia Gastón Bachelard.

4 ASPECTOS METODOLÓGICOS Caminhada Caminhar é preciso o resultado ninguém conhece Caminhar é preciso um passo por vez nem sempre para frente Caminhar é preciso honestidade traça a rota incerta e torta é a reta Caminhar é preciso cada qual do seu jeito mas todos caminham Caminhar é preciso

questionar(se) é da natureza e a natureza é incerta Caminhar é preciso rigorosamente Com desejo de chegar.

Neste capítulo nos propomos a debater os percursos e escolhas metodológicas que fizemos durante nossa Tese. Por se tratar de um estudo que majoritariamente teórico, mas que resguarda aspectos empíricos no que tange a utilização da TAD para observar o funcionamento do sistema didático em torno da probabilidade no âmbito institucional da Licenciatura em Matemática, buscamos apresentar aos leitores os detalhes de cada uma das etapas e instrumentos utilizamos, com o intento fornecer subsídios para reflexão sobre o rigor metodológico com que nos dispusemos na construção desse estudo.

Tendo em vista que nossa proposta de pesquisa se insere nos quadros teóricos da Didática da Matemática, e que seu principal objetivo é caracterizar o lugar do sujeito cognitivo na TAD a partir de uma perspectiva da cognição como um fenômeno situado no contexto institucional, quando se forma um sistema didático em torno do ensino de probabilidade na licenciatura em Matemática. Pensamos que para fazer esse processo de análise, necessitamos de um desenho metodológico que nos coloque em contato direto e aprofundado com o objeto de estudo.

Esse contato direto implica um mergulho teórico nas referências que já apresentamos nos capítulos anteriores, bem como, pressupõe a interpretação dos fenômenos que ocorrem no seio da instituição onde se estabelece o sistema didático analisado.

Partindo do pressuposto de que cada pessoa traz consigo experiências e vivências institucionais diferentes e diversas, escolhemos traçar um percurso partindo de uma abordagem qualitativa.

Essa escolha passou pelo entendimento de que em tais moldes a pesquisa pode proporcionar uma compreensão mais ampla e profunda da realidade investigada, isto é, a pesquisa qualitativa pode proporcionar um olhar mais acurado sobre as experiências vividas pelos sujeitos envolvidos, de modo que, nesse processo de formação, não sejam vistas como variáveis estanques, representadas de forma estática.

De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p. 48), nesse tipo de pesquisas, “os dados recolhidos, podem ser advindos das mais variadas fontes, como análise de textos pessoais dos sujeitos da pesquisa, entrevistas, manuais e documentos oficiais, atividades produzidas na sala de aula entre outros”. Em nossa pesquisa, o foco está na compreensão da natureza teórica da dimensão cognitiva na TAD, com exercício de reflexões em torno do processo vivido pelos sujeitos do sistema didático estudado.

Tendo em vista a nossa questão norteadora e as hipóteses levantadas, compreendemos que nossa pesquisa tem uma natureza teórica, mas também etnográfica, aproximando-se da ideia de observação participante, nesse aspecto, que “é chamada de participante porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado” (ANDRE, 2007, p. 25).

Ainda sobre a observação participante, Fiorentini e Lorenzato (2009, p. 108) destacam que:

A observação participante é uma estratégia que envolve não só a observação direta, mas todo um conjunto de técnicas metodológicas (incluindo entrevistas, consulta de materiais etc), pressupondo um grande envolvimento do pesquisador na situação estudada. Das anotações obtidas das observações, devem constar a descrição dos locais, dos sujeitos, dos acontecimentos mais importante e das atividades, além da reconstrução dos diálogos e do comportamento do observador.

Em nosso estudo, o funcionamento do sistema didático envolveu um trabalho análise teórica e de observação que foi complementado com entrevistas, questionários, análise documental, que tinham a finalidade de contextualizar as experiências vividas pelos sujeitos na realidade institucional. Sobre esse processo, apoiamo-nos novamente em André (2007, p. 25) que afirma:

As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os problemas observados. Os documentos são usados no sentido de contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais profundas e completar as informações coletadas através de outras fontes.

Ainda sobre o processo etnográfico, retomamos as ideias de Lave (2011)101, que destaca que, nesse processo, o pesquisador e a realidade pesquisada estão sempre em uma interação dialética, de modo que a pesquisa sobre a aprendizagem é também uma aprendizagem como pesquisa, nas palavras da própria autora: “Assim, a pesquisa sobre aprendizagem (através do aprendizado) e a pesquisa como aprendizagem (através de práticas etnográficas críticas) são cada uma e em conjunto práticas empíricas-teóricas”102 (LAVE, 2011).

Esclarecidos esses posicionamentos, passaremos a descrever à caracterização dos sujeitos envolvidos em nossa pesquisa, as etapas do estudo, o desenho da observação do sistema didático e as categorias de análise estabelecidas a priori.

No documento Download/Open (páginas 161-168)