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PRAXEOLOGIAS: MODELIZAÇÃO DAS PRÁTICAS HUMANAS

No documento Download/Open (páginas 129-152)

A modelização que expusemos até então é rica no detalhamento do fenômeno do conhecimento sob um ponto de vista antropológico, no entanto, para analisar as práticas que ocorrem a partir das relações entre sujeitos e objetos em um sistema didático em uma dada Instituição, foi preciso estabelecer ferramentas apropriadas.

A praxeologia na TAD pressupõe um método para analisar as práticas que ocorrem no interior das Instituições, tanto pela sua descrição, quanto pelas condições em que estas ocorrem. A organização praxeológica diz respeito, portanto, ao modo como as práticas instituições são propostas (discurso) e efetivadas (prática).

A natureza antropológica da análise assume a hipótese de que é necessário romper as inúmeras fronteiras institucionais pelas quais estamos acostumados a transitar, visto que uma análise praxeológica é sempre um recorte do mundo social. Nesse recorte, é preciso se distanciar do que é dado como certo ou natural: “o postulado básico da TAD violenta essa visão particularista do mundo social: admite-se, de fato, que toda atividade humana realizada

regularmente pode ser incluída em um modelo único que se resume aqui à palavra praxeologia77” (CHEVALLARD, 1999, p.1, tradução nossa).

Segundo Bosch e Chevallard (1999), a noção de praxeologia está assentada em três postulados básicos:

1. Toda prática institucional pode ser analisada de diferentes pontos de vista e de diferentes maneiras por meio de um sistema de tarefas relativamente bem circunscritas que são realizadas no fluxo das práticas sociais.

2. A realização de toda tarefa resulta da aplicação de uma técnica. 3. Supomos que, para existir em uma instituição, uma técnica deve aparecer compreensível, legível e justificada.78 (BOSCH e CHEVALLARD, 1999, p. 84-86, tradução nossa).

A partir desses postulados, os primeiros objetos a serem definidos na noção de praxeologia são as tarefas (t) e os tipos de tarefas (T). Geralmente, a tarefa está associada à ação a ser cumprida em relação a um objeto relativamente preciso. Por exemplo, resolver a equação x2 – 6x = 0 em R pode ser considerado uma tarefa, assim como são tarefas subir determinada escada, executar uma partitura de canção específica, escrever um texto que atenda às exigências de certo gênero, escovar os dentes. Observamos que as tarefas têm um sentido amplo, porém determinam precisamente o que se espera que seja cumprido (CHEVALLARD, 1999).

Quando temos um conjunto de tarefas semelhantes, podemos agrupá-las em um tipo de tarefa (T), de modo que pode se escrever que t ∈ T. Assim, resolver uma equação quadrática em R corresponde a um tipo de tarefa, pois a esse tipo podemos agrupar várias tarefas semelhantes. Geralmente, tanto as tarefas quanto os tipos de tarefas são designadas por um verbo, por exemplo, calcular, subir, escovar, medir, determinar. Esses verbos correspondem ao gênero da tarefa.

Outra observação em relação às tarefas, tipos de tarefas e seus gêneros é que as elas são criações, isto é, são artefatos, obras, produtos institucionais.

O postulado 2 garante que, para a realização de uma tarefa, podemos recorrer a uma ou mais técnicas (τ). Assim, uma praxeologia em relação a um tipo de tarefa T tem ao menos uma

77 Le postulat de base de la TAD fait violence à cette vision particulariste du monde social : on y admet en effet

que toute activité humaine régulièrement accomplie peut être subsumée sous un modèle unique, que résume ici le mot de praxéologie

78 1. Toute pratique institutionnelle se laisse analyser, de différents points de vue et de différentes façons, en un

système de tâches relativement bien circonscrites, qui se découpent dans le flux de la pratique. 2. L´accomplissement de toute tâche résulte de la mise en œuvre d´une technique.

3. Pour pouvoir exister dans une institution, une technique doit apparaître comme un tant soit peu compréhensible,

τ. O bloco formado pelos tipos de tarefa e a técnica são denominados de bloco prático-técnico [T/ τ], ou simplesmente, saber-fazer.

A natureza prática da técnica permite a coexistência de várias técnicas para uma mesma tarefa, por exemplo, no caso da realização de t: resolver a equação x2 – 6x = 0 em R, podemos empregar algumas dessas técnicas:

Quadro 3 – Exemplo aplicação de técnicas.

t: resolver a equação x2 – 6x = 0 em R. Técnica 1 (τ1) 𝑠𝑒𝑔𝑢𝑖𝑛𝑑𝑜 𝑜 𝑝𝑟𝑖𝑛𝑐í𝑝𝑖𝑜 𝑎𝑑𝑖𝑡𝑖𝑣𝑜 𝑑𝑎𝑠 𝑒𝑞𝑢𝑎çõ𝑒𝑠 𝑝𝑜𝑙𝑖𝑛𝑜𝑚𝑖𝑎𝑖𝑠 𝑑𝑒 1º 𝑔𝑟𝑎𝑢 𝑓𝑎𝑧𝑒𝑚𝑜𝑠 𝑥2 − 6𝑥 + 6𝑥 = 0 + 6𝑥 𝑜𝑏𝑡𝑒𝑚𝑜𝑠 𝑒𝑛𝑡ã𝑜 𝑥2 = 6𝑥 𝑟𝑒𝑑𝑢𝑧𝑖𝑛𝑑𝑜 𝑎 𝑒𝑞𝑢𝑎çã𝑜 𝑎𝑜 𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑖𝑟𝑜 𝑔𝑟𝑎𝑢 𝑥2 𝑥 = 6𝑥 𝑥 𝑒𝑛𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑚𝑜𝑠 𝑥 = 6, 𝑐𝑜𝑚𝑜 𝑠𝑜𝑙𝑢çã𝑜 𝑑𝑎 𝑒𝑞𝑢𝑎çã𝑜. ∗ 𝑁𝑜𝑡𝑒𝑚𝑜𝑠 𝑞𝑢𝑒 0 𝑡𝑎𝑚𝑏é𝑚 é 𝑢𝑚𝑎 𝑠𝑜𝑙𝑢çã𝑜 𝑑𝑎 𝑒𝑞𝑢𝑎çã𝑜 Técnica 2 (τ2) 𝑈𝑡𝑖𝑙𝑖𝑧𝑎𝑛𝑑𝑜 𝑜 𝑝𝑟𝑖𝑛𝑐í𝑝𝑖𝑜 𝑑𝑎 𝑑𝑒𝑐𝑜𝑚𝑝𝑜𝑠𝑖çã𝑜 𝑑𝑒 𝑝𝑜𝑙𝑖𝑛ô𝑚𝑖𝑜𝑠 𝑝𝑜𝑑𝑒𝑚𝑜𝑠 𝑒𝑠𝑐𝑟𝑒𝑣𝑒𝑟 𝑥2− 6𝑥 = 0 𝑐𝑜𝑚𝑜 𝑥 (𝑥 − 6) = 0 𝐴𝑛𝑎𝑙𝑖𝑠𝑎𝑛𝑑𝑜 𝑎 𝑒𝑥𝑝𝑟𝑒𝑠𝑠ã𝑜 𝑐𝑜𝑛𝑐𝑙𝑢í𝑚𝑜𝑠 𝑞𝑢𝑒: 𝑠𝑒 𝑥(𝑥 − 6) = 0 𝑒𝑛𝑡ã𝑜 𝑥 = 0 𝑜𝑢 𝑥 − 6 = 0 𝑑𝑒𝑠𝑠𝑎 𝑐𝑜𝑛𝑐𝑙𝑢𝑠ã𝑜 𝑡𝑒𝑚𝑜𝑠 𝑞𝑢𝑒 𝑎𝑠 𝑟𝑎í𝑧𝑒𝑠 𝑠ã𝑜 0 𝑒 6. Técnica 3 (τ3) 𝐼𝑑𝑒𝑛𝑡𝑖𝑓𝑖𝑐𝑎𝑛𝑑𝑜 𝑜𝑠 𝑐𝑜𝑒𝑓𝑖𝑐𝑖𝑒𝑛𝑡𝑒𝑠 𝑑𝑎 𝑒𝑞𝑢𝑎çã𝑜 𝑡𝑒𝑚𝑜𝑠 𝑎 = 1, 𝑏 = −6 𝑒 𝑐 = 0𝑠 𝐴𝑝𝑙𝑖𝑐𝑎𝑛𝑑𝑜 𝑎 𝑓ó𝑟𝑚𝑢𝑙𝑎 𝑥 =−𝑏 ± √𝑏 2− 4𝑎𝑐 2𝑎 𝑡𝑒𝑟𝑒𝑚𝑜𝑠 𝑥 =−(−6) ± √−6 2− 4.1.0 2.1 ∴ 𝑥 = 6 ± 6 2 , 𝑙𝑜𝑔𝑜 𝑥 = 0 𝑜𝑢 𝑥 = 6.

Fonte: próprio autor (2018).

A dinâmica entre as técnicas merece algumas considerações. A primeira delas é que a natureza das técnicas nem sempre é algorítmica, ou seja, é plausível pensarmos em técnicas que não seguem um tipo de sequência lógica convencional. Basta pensarmos que existem tarefas

em determinadas instituições cujo cumprimento pressupõe soluções criativas (CHEVALLARD, 1999).

Outra consideração diz respeito à abrangência das técnicas. Para determinados tipos de tarefas, muitas vezes, uma determinada técnicas só consegue dar conta de algumas casos específicos. É o caso de τ1 e τ1 em comparação a τ3. No entanto, observamos que, se comparadas com τ3 as técnicas τ1 e τ1 aparecem como bem mais econômicas, para o caso em que a equação é do ax2+bx=0.

Chevallard (1999) destaca que, em uma instituição, é bem possível que existam técnicas dominantes ou até mesmo uma única técnica que seja considerada como válida, de modo que outras técnicas sejam secundárias ou mesmo inaceitáveis naquele contexto institucional. Nesse fato, residem questões ligadas aos processos de transposição institucional.

O terceiro postulado preconiza que toda técnica para existir no seio de uma instituição, e assim constituir-se como parte das práticas institucionais, necessita de uma justificativa que garanta sua validade. Essas ferramentas que justificam e explicam as técnicas são chamadas de tecnologia (θ).

As tecnologias cumprem, segundo Chevallard (1999), a tripla função de justificar o porquê do emprego da técnica, de explicar seu funcionamento, mas também a possibilidade de sua produção, através da ampliação, ou até mesmo a modificação das técnicas. De fato, as práticas institucionais dificilmente são tomadas como complexos não problemáticos, pelo contrário, são dinâmicos:

Pode-se imaginar um mundo institucional em que as atividades humanas estivessem regidas por praxeologias bem adaptadas que permitem realizar todas as tarefas desejadas de uma maneira de eficaz, segura e inteligível. Mas esse mundo não existe: como foi sugerido, as instituições são atravessadas por toda uma dinâmica praxeológica79 (CHEVALLARD, 1999, p.6, tradução nossa).

Chevallard (1999) afirma que o aspecto problemático faz parte dos interesses de estudo nas praxeologias institucionais. O olhar problematizador sobre as praxeológias abre espaço para a análise de diversos fenômenos. Um deles é o envelhecimento, o desaparecimento ou a transformação de determinadas práticas institucionais.

Para tanto, é preciso inserir um novo elemento ao complexo praxeológico que é a Teoria (Θ). Enquanto as tecnologias cumprem a função de justificar/explicar/produzir as técnicas, as

79 On peut imaginer un monde institutionnel dans lequel les activités humaines seraient régies par des praxéologies

bien adaptées permettant d’accomplir toutes les tâches voulues d’une manière à la fois efficace, sûre et intelligible. Mais un tel monde n’existe pas : comme on l’a suggéré, les institutions sont parcourues par toute une dynamique praxéologique

Figura 8 – Complexo praxeológico.

Teorias têm esse mesma funcionalidade frente às tecnologias. No caso de τ3 no exemplo que apresentamos no quadro 03, seria natural perguntarmos: o que garante a existência dessa fórmula? O que explica seu funcionamento? Por que, inicialmente, identificamos os coeficientes? Qual o papel do discriminante Δ na obtenção das raízes? Essas perguntas são respondidas por uma determinada tecnologia que está associada a um quadro teórico que garante a todo complexo que se segue para conferir validade institucional.

A análise do sistema [T, τ θ, Θ] compõe uma praxeologia. Esses quatro componentes articulam dois blocos. O bloco saber-fazer [T, τ] e o bloco tecnológico-teórico, “saber”, [θ, Θ], de modo que o primeiro corresponde a praxis e o segundo ao logos. É importante destacarmos que uma praxeologia corresponde ao próprio saber, mas também partes dele de modo que não se deve classificar um ou outro bloco como mais importante, ou seja, a prática e a teoria que a explicam têm igual relevância para a investigação de uma dada realidade institucional (CHEVALLARD, 1999).

Chevallard (1999) ainda destaca que as praxeologias em torno de um saber podem ser organizadas por complexos praxeológicos, que ele chama de pontuais, locais, regionais e globais. As praxeologias pontuais são aquelas que se organizam em torno de um único tipo de tarefa [T///]. Quando agregamos várias praxeologias pontuais, isto é, vários tipos de tarefas e técnicas em torno de uma tecnologia, formamos uma organização local [Ti/i//]. Nessa organização, a centralidade está na . Quando são organizadas várias tecnologias em torno de uma teoria, teremos uma organização regional [Tij/ij/j/], onde  assume o papel principal. A reunião de várias organizações regionais correspondem a uma praxeologia global [Tijk/ijk/jk/k].

Fonte: próprio autor.

Matheron (2000) destaca que as praxeologias e seu estudo, como uma abordagem ecológica, revelam as estruturas organizacionais que permitem a vida, ou não, de determinado objetos do saber em uma dada instituição, mas também em instituições distintas, para o caso de objetos comuns:

As organizações praxeológicas permitem estudar uma mesma noção matemática designada com mesmo nome, mas com organização matemática de naturezas diferentes, se desenvolvidas no seio de instituições diferentes. Esse ponto de vista ressalta o aspecto ecológico relativo a um objeto O, quer dizer, o aspecto do questionamento da existência real ou da inexistência desse objeto na instituição onde vive uma dada organização matemática. Essa dimensão ecológica nos permite questionar: como é ensinado um dado objeto identificado num livro didático? Que tipo de exercícios (tarefas) a realizar e com que tipo de técnicas disponíveis (ou não)? Qual é a organização matemática, e por consequência, que tipo de progressão considerar?80 (MATHERON, 2000, p. 52).

O estudo desses complexos praxeológicos pode revelar as práticas institucionais e a ecologia que permite a vida dos saberes em certo contexto institucional. Estudos, como os de (FONSECA, 2004), Lucas, Fonseca, Gascón e Casas (2014), demonstraram que os estudos praxeológicos no ensino secundário (equivalente ao nosso ensino médio) podem revelar fenômenos didáticos que estão intimamente ligados às práticas desenvolvidas nas escolas.

Dentre esses fenômenos, Lucas et al (2014) destacaram a atomização, a rigidez e a incompletude das praxeologias matemáticas presentes nessa etapa da escolarização tanto em escolas portuguesas quanto espanholas. A atomização se refere à concentração das práticas escolares no bloco saber-fazer, isto é, nas práticas institucionais das escolas, a discussão de elementos do bloco saber é ausente. Em relação à rigidez, destaca-se o privilégio de determinadas técnicas como única via para o confronto de certos tipos de tarefas. Já a incompletude diz respeito à abordagem fragmentária dessas praxeologias matemáticas.

Ainda sobre o estudo de Lucas et al (2014), os autores apresentam esses fenômenos como institucionais, porque não dependem dos professores ou alunos, enquanto sujeitos institucionais. Para nós, essa asserção revela dois aspectos. O primeiro deles é a característica dos estudos desenvolvidos no âmbito da TAD, que focam nos fenômenos didáticos de um ponto de vista da ecologia dos saberes. Esses estudos têm um forte viés didático e epistemológico. Em nosso trabalho, ao levantarmos a hipótese de que essas análises à luz da TAD podem revelar algo mais no que tange à dimensão cognitiva dos sujeitos engajados nessas instituições, estamos

80 Les organisations praxéologiques relatives aux activités mathématiques étant alors nommées des organisations

mathématiques et, partant, montrer dans un deuxième temps en quoi il permet d'étudier une même notion mathématique désignée du même nom, mais prise à l'intérieur d'organisations mathématiques de natures différentes car, déployées au sein d'institutions différentes. Ce dernier point relève ainsi de la prise en compte de l'écologie relative à un objet, c'est-à-dire du questionnement du réel existant ou n'existant pas à propos de cet objet, dans une institution où vit une organisation mathématique donnée. Il veut montrer que cette dimension écologique permet de poser des questions telles que: pour un objet identifié dans les programmes comme étant à enseigner, quels types de tâches, accomplies avec quelles techniques, disponibles ou pas, enseigner et être en droit d'exiger des élèves? Quelle organisation mathématique et, par conséquent, quelle progression mettre en place?

defendendo que os resultados nos revelam aspectos da instituição como agentes na cognição dos sujeitos. Embora concordemos com os autores com o fato de os fenômenos da atomização, da rigidez e da incompletude das praxeologias matemáticas estarem ligados ao contexto institucional, acrescentamos que esses fenômenos afetam R(X,O). Se em dadas instituições as tarefas são resolvidas sempre com um tipo de técnica majoritária, podemos pensar que as pessoas que vivenciam esse contexto podem acreditar nessa técnica como sendo a única forma de cumprir determinada tarefa matemática. Em outros termos, pode-se também perguntar; quais as influências desses fenômenos no comportamento de professores e alunos?

Essa é uma inquietação latente para nós, mas também para os autores do estudo que acabamos de discutir:

Temos a intenção de apenas mostrar em que medida os resultados do questionário reforçam e são coerentes com os dados obtidos a partir da análise dos manuais, em relação aos tipos de tarefas matemáticas que predominam na atividade matemática escolar e, até que ponto, o fenômeno de rigidez e de atomização que estamos a estudar é um fenômeno que tem uma origem institucional, na estrutura das praxeologias matemáticas escolares, refletindo- se posteriormente no comportamento dos alunos perante as tarefas matemáticas. (LUCAS; FONSECA, et al., 2014, p. 21)

A problemática das organizações praxeológicas nas instituições de ensino nos leva a assumir outras noções no contexto da TAD.

No caso dessas instituições, podemos destacar duas organizações distintas, porém imbricadas, que são as organizações praxeológicas matemáticas (relativas à praxeologia dos objetos matemáticos que vivem em uma dada instituição) e as organizações praxeológicas didáticas (relativas às práticas desenvolvidas na instituição para que os objetos sejam ensinados). Assim, o professor de Matemática em uma escola, ao realizar uma atividade de planejamento, lida concomitantemente com organizações matemáticas e didáticas.

De modo geral, as organizações didáticas (OD) revelam as escolhas feitas pelo professor para que seus alunos possam construir ou reconstruir determinadas organizações matemáticas (OM) previstas no currículo. Para Araya-Chacón (2008), as OD correspondem “às formas possíveis de cumprir esta tarefa, ou seja, para organizar o processo de estudo em uma dada instituição81” (ibid. p. 63, tradução nossa).

O estudo das OD passa pela identificação dos momentos de estudo destacados no quadro 4:

81 Les formes possibles pour accomplir cette tâche, c’est-à-dire, pour organiser le processus de l´étude dans une

Quadro 4 – Descrição dos momentos de estudo.

Momentos de estudo 1º Momento Primeiro encontro

Corresponde ao primeiro encontro com a organização matemática que se pretende estudar. Ele geralmente é organizado e pode ocorrer de diversas maneiras. Esse encontro pode ser inédito, mas também um reencontro com determinado tipo de tarefa.

2º Momento Elaboração do tipo de tarefa e de um tipo de técnica

É o momento em que, ao se defrontar com a situação problemática oferecida por certo tipo de tarefa, há a busca pela construção dos rudimentos de uma técnica que possa solucioná-la. Nesse momento, ocorre a dialética em que o estudo dos problemas é meio para criar técnicas.

3º Momento Constituição do ambiente tecnológico-teórico

Este é um momento que perpassa os demais, pois, mesmo no primeiro encontro com um tipo de tarefa, há sempre componentes do bloco [θ, Θ] em jogo, conhecido ou ainda por criar.

4º Momento Trabalho com a técnica

Nesse momento do estudo, os estudantes trabalham com a técnica, o que culmina com seu aperfeiçoamento.

5º Momento Institucionalização

Tem a finalidade de apresentar com clareza a organização matemática que se está estudando. É um momento de refinamento dos elementos utilizados no processo de estudo.

6º Momento Avaliação

Articulado com o momento de institucionalização, parte-se do pressuposto da existência de relações institucionais que transcendem a pessoas. Logo, a relação institucional exige um exame do que foi ou está sendo de fato produzida.

Fonte: próprio autor, baseado em Chevallard (1999).

A respeito das OD e os momentos de estudo que elas suscitam, são necessárias algumas observações. A primeira delas remete ao fato de os momentos estarem mais próximos da ideia de dimensão, do que de temporalidade ou sequência, embora também faça uso dessa faceta (DELGADO, 2006). A noção de estudo, como já foi dito anteriormente, assume na TAD um caráter bastante amplo. Assim os momentos de estudo aqui descritos correspondem às dimensões desse processo, ou seja, seria plausível dizer que um sujeito que estuda uma determinada obra O, em uma dada instituição, vivencia alguns desses momentos de forma concomitante.

A segunda observação diz respeito à função das OD para o professor e para quem pretende analisá-la, o que implica em uma reflexão sobre a natureza das OD.

Em relação a sua função, Chevallard (1999) destaca que os momentos de estudo têm duas funcionalidades. A primeira é permitir um modelo de análise dos processos didáticos em uma instituição, perguntas do tipo: como organizar um primeiro encontro? são importantes para a reflexão docente, mas também para quem observa determinada prática. A segunda funcionalidade permite enxergar, tanto da posição do professor que organiza o estudo, quanto de quem analisa essa prática, o problema da realização dos momentos de estudo. Para Chevallard (1999), as perguntas que podem surgir ao professor na construção de um ambiente para a realização dos momentos de estudos podem ser sintetizadas em uma asserção geral: “criando situações didáticas adequadas”82 (Ibid, p. 23, tradução nossa).

A natureza das OD comporta três características: empírica, espontâneas e relativa ao professor. Essas características são suficientes para dizer, segundo aos autores, que existe uma praxeologia didática do professor. Essa praxeologia está condicionada aos meios que a instituição oferece para que essa prática seja efetivada. Então, para que possamos analisar essas OD como didáticas institucionais, é necessário olhar para a OD dominante em uma determinada instituição, estas entendidas como as condições e restrições para que a OD se desenvolva (BOSCH; GASCÓN, 2002).

As OD são apresentadas em modelo dividido em dois níveis. No primeiro nível, unidimensional, destacam-se três eixos que correspondem às OD tecnicistas, teoricistas, modernistas. Esses eixos estão relação aos momentos de estudo: momento do tecnológico- teórico, centrado no bloco [θ, Θ], o momento do trabalho com as técnicas, cuja ênfase é no bloco [T, τ], e o momento de exploratório (Ex) (GASCÓN, 2003).

Cada um desses momentos destaca um perfil de OD. Enquanto nas OD tecnicistas há um privilégio do ensino das técnicas para resolver os tipos de tarefas correspondentes; nas OD teoricistas, o ensino coincide com aprender sobre tecnologias e teorias. Já nas OD modernistas, as atividades matemática de resolução de problemas são centrais, e aprender é um processo de descoberta indutiva e autônoma (ARAYA-CHACÓN, 2008).

Em um segundo nível, estão as OD clássicas que combinam os eixos teoricistas- tecnicistas, OD empiristas combinando os eixos tecnicistas-modernistas e as OD construtivistas que combinam os eixos teoricistas-modernistas, conforme figura:

Fonte: Adaptado de ARAYA-CHACÓN, (2008, p.64)

Assim, as OD clássicas tendem a pormenorizar as atividades de resolução de problemas, já que o seu foco está nos blocos saber e saber-fazer. Já nas OD empiristas, o trabalho matemática está relacionado à prática da resolução de problemas. Nas OD construtivistas, ao considerarem a aprendizagem como um processo ativo de construção de conhecimentos, repousam suas ações entre o bloco saber e a resolução de determinados tipos de problemas.

Em relação às OD e aos momentos de estudo, fazemos uma última observação, no que diz respeito à participação dos sujeitos. Ao destacar a caracterização das OD, Gascón (2003) frisa o papel da instituição no seu condicionamento, no entanto, os sujeitos que participam dos momentos de estudo estão, durante a atividade de estudo, desenvolvendo uma prática. Diante de restrições impostas pela instituição, somos levados a pensar que os professores podem vir a buscar soluções criativas que farão parte da sua praxeologia didática espontânea, ou seja, se as sujeições institucionais acabam por influenciar na constituição da pessoa, quando esse pessoa é sujeito de uma instituição é que se manifestam características da prática coletiva, mas também da sua ação individual. Essa impressão vem das palavras de Chevallard (1999) que destaca o

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