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EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA E A FORMAÇÃO DOCENTE

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A Educação Estatística pode se referir a um campo de investigação como também à formação dos sujeitos, como cidadãos, para a utilização desses conhecimentos na atuação social em qualquer que seja a dimensão ou esfera da sociedade (LOPES, 2008).

O reconhecimento da importância dessa formação está posto nos principais documentos oficiais que norteiam os currículos da escola básica em todo o mundo. Ao compreendermos a Educação Estatística como uma necessidade formativa da sociedade atual e, ao mesmo tempo, como um conjunto de saberes presentes no currículo da Educação Básica, olhamos, agora, para outra dimensão: a Educação Estatística como um campo de pesquisa.

A década de 80 do século XX foi um marco importante para entendermos o desenvolvimento da Educação Matemática nos últimos 30 anos. A publicação do documento

“Agenda para ação” do National Council Teachers of Mathematics (NCTM)106 foi um fator que impulsionou mudanças no currículo norte-americano. Esse documento também influenciou discussões curriculares em muitos outros países. Com as mudanças no currículo, veio a necessidade de pesquisas e de compreensão teórica do que se propunha para o ensino de Matemática. Com isso, a Educação Matemática passou a ganhar destaque e se consolidar como campo científico. De maneira semelhante, o referido documento influenciou estudos que se preocupavam com os processos de ensino e aprendizagem na Educação Estatística, pois, presente no documento, estava também a sugestão de ampliação de conteúdos relacionados à Estatística, Probabilidade e Combinatória (BORBA et al., 2011).

Ao tratar da Educação Estatística como campo de pesquisa, Lopes (2010) destaca que ela se ocupa em investigar problemas relacionados com os processos de ensino e aprendizagem ligados a saberes referentes à área da Estatística, da Probabilidade e da Combinatória e os tipos de raciocínios ligados a essas áreas de estudo. Para a autora, a natureza desses saberes implica a interseção da Educação Estatística com a Educação Matemática, o que justifica a presença desses saberes no currículo de matemática na Educação Básica.

Esse aspecto de ligação entre a Educação Estatística e a Educação Matemática é reforçado por Régnier (2005), para quem a Educação Estatística mobiliza uma parte significativa de conceitos desenvolvidos no campo da Didática da Matemática. Assim, a formação de professores que ensinam Matemática, objeto da Educação Matemática, conforme profere Kilpatrick (1996), Fiorentini e Lorezanto (2009) e outros, e a Educação Estatística resguardam interfaces que se cruzam: a formação para o ensino dos saberes que compõem a Educação Estatística. Sobre essa formação, Lopes (2008, p.70) destaca que:

A formação dos professores, atualmente, não incorpora um trabalho sistemático sobre estocástica, dificultando a possibilidade desses profissionais desenvolverem um trabalho significativo com essa temática nas salas de aula da educação básica.

Para a autora, os futuros professores precisam experimentar de forma sistemática situações de formação que envolvam a estocástica107 não só como conteúdo da formação, mas também como ferramenta para analisar situações ligadas a sua prática profissional.

O fato é que desde então a situação ainda merece destaque. A formação de professores que irão lecionar os temas ligados a Estatística e Probabilidade, mas também nos cursos de graduação de modo geral continuam a apresentar deficiências:

106 Conselho Nacional de Professores de Matemática (CNPM)

Não apenas os alunos da licenciatura em matemática se sentem despreparados para abordar a estatística nas aulas de matemática da educação básica, mas a ausência de material didático que subsidie o trabalho docente é ampla. O mesmo ocorre com livros -textos de ensino superior, que, em sua maioria, são traduzidos de outros países, pois a produção nacional ainda não tem se dedicado a publicações específicas para o curso de licenciatura em matemática. (LOPES, 2013, p. 903)

Lacunas como a produção de livros-texto específicos para licenciatura em Matemática pode ser um dos fatores que contribuem para os entraves destacados por Lopes (2013).

A natureza da Estatística e da Probabilidade é muito diferente da natureza determinista da Matemática. A evidência dessa diferença está, do ponto visto filosófico, em discussões sobre o uso de noções como probabilidade e aleatoriedade, o que não ocorre frequentemente com a álgebra e a geometria. (BATANERO, 2001).

De modo semelhante, Régnier (2005) assevera que, para o desenvolvimento do espírito estatístico, é necessária uma renúncia sistemática do conceito de verdade, como comumente o utilizamos.

Como apontamos na seção 1.2, o ensino de probabilidade na formação docente demanda esforços e reflexões. Da mesma maneira que o reflexo dessa formação é sentido também na Educação Básica, pensamos que a pesquisa em Educação Estatística cumpre um papel importante no sentido de apontar caminhos para melhoria do ensino de probabilidade na formação docente.

Os pesquisadores a que temos recorrido para discutir a Educação Estatística e o ensino de Probabilidade fazem parte de uma comunidade que tem trazido importantes resultados na área. Todos os anos eventos ao redor do mundo apontam caminhos e discussões sobre o ensino e a aprendizagem envolvendo conceitos de estatística e probabilidade. No entanto, como em muitas áreas da pesquisa em Educação, os resultados e os desdobramentos dessa produção são inseridos no cotidiano das instituições de ensino paulatinamente.

É com esse argumento que pensamos que nossa pesquisa poderá contribuir também para a construção desse corpo de conhecimentos. Trabalhos como o de Wozniak (2005), Chevallard e Wozniak (2011), Vhu nu (2009) mostram que, mesmo em países onde o ensino de Estatística e de Probabilidade passou por reformas mais expressivas, ainda há problemas como a falta de infraestrutura epistemológica para que as devidas ligações entre Estatística e Probabilidade possam ser efetivas. No caso brasileiro, Coutinho (1994), Cazorla (2009), Lopes (2010), dentre outros, têm mostrado o quão significativa tem sido a produção na área, embora, como aponta Lopes, Coutinho e Almouloud (2010), ainda haja dificuldades a serem superadas. Dentre essas

dificuldades, podemos citar, como exemplo, a questão do livro didático para a Educação Básica que traz características que remente à década de 50 do século XX:

No Brasil os conceitos estatísticos entraram no currículo da escola básica pela primeira vez no livro publicado por Osvaldo Sangiorgi, pela Companhia Editora Nacional, destinado aos alunos do então Curso Magistério, na década de 50 do século XX. Esse livro limitava-se a uma apresentação absolutamente centrada nos cálculos e caracterizada pela ausência quase total de contextos que pudessem conduzir o aluno à análise e a interpretação de dados. Vale destacar que esse tipo de abordagem prevalece ainda hoje em muitos de nossos livros didáticos (LOPES; COUTINHO; ALMOULOUD, 2010, p. 12).

A questão dos livros didáticos relativos ao ensino de Estatística e de Probabilidade é somente um dos muitos aspectos a serem considerados no âmbito da Educação Estatística. De fato, como veremos em Almeida e Farias (2016), as dificuldades apontadas por Lopes, Coutinho e Almouloud (2010), ainda persistem nos livros didáticos:

Podemos observar um consenso nos livros didáticos quanto à apresentação do conceito de Probabilidade e sob um enfoque epistemológico, verificamos uma incompletude praxeológica na diferença do que é proposto pelos PCN ao que é colocado pelos livros didáticos. O estudo do conceito de Probabilidade nos livros didáticos é o primeiro passo na criação de um modelo epistemológico de referência para a construção de sequencias didáticas que visam auxiliar os alunos no processo de aprendizagem de Probabilidade no ensino médio (ALMEIDA; FARIAS, 2016, p. 11).

Como vimos na problematização, existem ainda questões relativas a formação docente, a construção de dispositivos didáticos para o ensino de conceitos ligados à Estatística e a Probabilidade, dentre outras temáticas.

Para formação de professores, Bezerra (2015) destaca que a presença obrigatória dos conteúdos relativos à Estatística e Probabilidade, no entanto, ainda são poucas as ementas e projetos políticos das licenciaturas em Matemática que trazem, explicitamente no discurso institucional, um tratamento desses conteúdos que leve em consideração as recomendações das pesquisas na área de Educação Estatística (BEZERRA, 2015).

Fato este é que as pesquisas em Educação Estatística têm destacado que, no que tange à formação docente, o que se observa é que a maioria deles ou dos futuros professores tem algum conhecimento sobre Estatística e Probabilidade, no entanto, as questões didáticas e seu uso, especialmente na Educação Básica, são um desafio ainda maior (BATANERO; GARFIELD, et al., 2000; BATANERO; GODINO; ROA, 2004; LOPES; COUTINHO; ALMOULOUD, 2010).

Outro ponto fundamental que está relacionado com a nossa pesquisa diz respeito às peculiaridades do conhecimento probabilístico. Os conhecimentos ligados à Probabilidade vão de encontro à lógica determinista presente no modelo mais usual do ensino de Matemática. A compreensão da incerteza e da aleatoriedade é base dos estudos em Probabilidade. Em nosso cotidiano, frequentemente somos confrontados com situações que envolvem a tomada de decisões onde a incerteza está presente, portanto, se faz necessário um trabalho sistemático que ajude os cidadãos, desde os primeiros anos da Educação Básica, a lidar com esse tipo de atividade (BATANERO, 2001).

A problemática que estamos levantando diz respeito à importância da Educação Estatística como campo de pesquisa emergente e suas contribuições para a formação docente, mas também às dificuldades em consolidar seu ensino na Educação Básica e na formação de professores. Esse é, de fato, um desafio que atinge não só o ensino no Brasil, mas também em outros países, mesmo aqueles que iniciaram as reformas há mais tempo que nós, como o caso dos Estados Unidos da América:

A implementação curricular da Estatística e da Probabilidade, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, ainda depende de um investimento significativo dos educadores matemáticos estatísticos no que se refere à formação inicial e contínua de professores, à elaboração de livros didáticos e outras publicações que subsidiem o trabalho docente do professor da educação básica. Além disso, é importante incentivar e orientar projetos de pesquisa, na iniciação científica, no mestrado e no doutorado, que tenham como foco a Educação Estatística na Educação Básica. (LOPES, 2010b, p. 61).

O argumento apresentado por Lopes (2010b) abrange de certa forma o papel e as demandas da Educação Estatística, bem como suas relações diretas com a formação de professores. A autora, ao tratar dos desafios da formação como uma problemática internacional, destaca a necessidade de congraçamento entre os diversos setores que atuam com a temática da Educação Estatística. Assim, agentes da noosfera, pesquisadores, autores, gestores públicos precisam se envolver e colaborar nessa empreitada.

A partir dessa reflexão, situamos a discussão que segue em cinco eixos: 1. Discussão sobre probabilidade e suas concepções; 2. Análise do currículo prescrito da instituição onde desenvolvemos o estudo empírico; 3. Análise praxeológica e análise das expectativas institucionais; 4. localização da Probabilidade em relação aos níveis de codeterminação didática presentes em livros textos indicados oficialmente pela instituição; 5. Proposição de um modelo epistemológico de referência para formação de professores em relação à Probabilidade.

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