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C APÍTULO 6: A LEGISLAÇÃO ANTICLERICAL

A Lei de 20 de abril de 1911, conhecida como Lei da Separação do Estado das Igrejas, é incontornável na abordagem aos museus e ao património histórico e artístico109. De forma drástica, foi colocada à disposição do Estado uma imensidão de bens móveis e imóveis que urgia administrar. Muitos bens móveis da Igreja foram entregues às Juntas de Paróquia, que ficavam encarregadas de zelar pelo cumprimento da lei e pela verificação dos inventários das corporações encarregadas do culto, em nome do Ministério da Justiça. A este era atribuído o poder de, por utilidade pública, expropriar os bens imóveis aplicados ao culto, a partir de 1 de julho de 1911, mesmo não pertencentes ao Estado ou aos corpos administrativos, e autorizar a sua alienação.

A Lei da Separação foi uma grande machadada na ordem religiosa vigente e completou o que a Monarquia Constitucional iniciou com a extinção das ordens religiosas em 1833-1834, imediata no caso das masculinas e progressiva no caso das femininas. Por outro lado, somam-se aos diplomas imediatos à proclamação da República:

109 Cf. Lei da separação do Estado das igrejas, in Diário do Govêrno, n.º 91, I Série, de 21 de abril de

1910, pp. 1619-1624, disponível no sítio de internet do Diário da República, em http://dre.pt/pdf1sdip/1911/04/09200/16191624.pdf

Fig. 5 – Afonso Costa, Ministro da Justiça do Governo Provisório da 1.ª República, responsável pelas leis anti-congregacionistas e da Separação.

Occidente, 20/10/1910, n.º 1144-45.

- o Decreto com Força de Lei de 8 de outubro de 1910: restaurando as leis antijesuíticas de 3 de setembro de 1759 e de 28 de agosto de 1767, e o Decreto de 28 de maio de 1834, que extinguiu as ordens religiosas em Portugal continental, insular e domínios ultramarinos; anulando o Decreto de 18 de abril de 1901, que reabilitou algumas congregações religiosas, sob pretexto de instrução, beneficência e missionação; expulsando imediatamente do país todos os Jesuítas e os membros das restantes ordens que não fossem portugueses de nascença; nacionalizando imediatamente os bens móveis e imóveis da Companhia de Jesus; mandando arrolar e avaliar os bens das restantes congregações110;

- a Portaria de 27 de dezembro de 1910: criando a Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas, encarregue de administrar, arrolar, averiguar a posse e distribuir os bens das corporações extintas pelo Decreto de 8 de outubro111.

- o DFL de 31 de dezembro de 1910: regulando a guarda ou posse, pelo Estado, dos bens das congregações religiosas extintas; possibilitando a afetação dos bens a iniciativas de utilidade pública; permitindo a reclamação graciosa dos bens por terceiros, sob as condições expressas no diploma112.

110 Cf. Diário do Govêrno, I Série, n.º 4, de 10 de outubro de 1910, pp. 17 e 18, disponível no sítio de

internet do Diário da República, em http://dre.pt/pdf1sdip/1910/10/00400/00170018.pdf.

111 O Decreto de 6 de abril de 1911 definiu as novas atribuições da CJBECR. Cf. DG, n.º 80, I Série, de 7

de abril de 1911, pp. 1459 e 1460, disponível em http://dre.pt/pdf1sdip/1911/04/08000/14591460.pdf.

112 Cf. Diário do Govêrno, I Série, n.º 1, de 3 de janeiro de 1910, pp. 3 e 4, disponível no sítio de internet

do Diário da República, em http://dre.pt/pdf1sdip/1911/01/00100/00030004.pdf.

Fig. 6 – Expulsão dos congregados religiosos, poucos dias depois da instauração da República.

Occidente, 20/11/1910, n.º 1148

Entre as disposições da Lei da Separação têm realce alguns artigos estreitamente ligados com a realidade dos museus. O primeiro artigo que destacamos é o 62.º, determinando a passagem para a posse do Estado e dos corpos administrativos, de todos os bens móveis e imóveis aplicados ao culto católico ou para usufruto dos párocos e outros funcionários da Igreja Católica, excetuando os que tivessem proprietários bem definidos. Outrossim dispunha que os bens transferidos fossem arrolados e inventariados sem avaliação prévia e também que os móveis em risco de extravio fossem entregues «provisoriamente á guarda das juntas de paróquia ou remetendo-se para os depósitos públicos ou para os museus»113. Ficaram incumbidas do inventário comissões concelhias (CCI), compostas por administradores dos concelhos ou bairros, pelos escrivães da fazenda, em pessoa ou representados por empregados da sua confiança, e por um membro das juntas de paróquia respetivas. Estas comissões, cujo trabalho se iniciou a 23 de maio, estavam dependentes de uma Comissão Central de Execução da Lei de Separação, criada junto do Ministério da Justiça.

A Comissão Central de Execução da Lei da Separação (CCELS) foi instalada em sessão de 20 de maio de 1911, numa sala do Ministério da Justiça, tendo como membros Francisco José de Medeiros (Presidente), Alberto Aureliano da Silveira Costa Santos, Daniel José Rodrigues, Artur Augusto da Costa (Secretário) e José de Castro114.

A CCELS teve um importante papel no processo de crescimento das coleções dos museus, autorizando ou ordenando a entrega de objetos com valor histórico e artístico. As suas atribuições foram promulgadas em 22 de agosto de 1911 no «Regulamento interno da Comissão Central de Execução da Lei da Separação e das comissões concelhias de administração dos bens que por virtude daquela lei pertencem ao Estado»115. Constavam de dirigir o processo de arrolamento ou inventariação dos bens cultuais católicos que passaram para a propriedade do Estado; guardar, conservar e

113 Cf. Collecção Official de Legislação Portuguesa Anno de 1911, Lisboa, Imprensa Nacional, 1912, p.

701.

114 Cf. «Acta da Instalação», in Actas (1911-1916), Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças,

Processo ACMF/Arquivo/CJBC/ACTAS/001, fl. 1 verso. Por portaria de 24 de agosto de 1911 foram nomeados como vogais da Comissão José da Encarnação Granado e José Augusto Abrantes Diniz Belém (cf. «Acta da Sessão de 28-8.º-1911», Ibidem, fl. 4 frente). Por portaria de 10 de maio de 1912, foi nomeado para ocupar o cargo de Presidente da Comissão, Artur Rodrigues Almeida Ribeiro (Cf. «Acta de 13-5.º-1912», Ibidem, fl. 4 verso e «Acta de 15-5.º-1912, Ibidem), por falecimento do primeiro Presidente – Dr. Francisco José de Medeiros. Em despacho de 18 de janeiro de 1913 foi nomeado Presidente da Comissão o juiz de direito Bernardo Nunes Garcia, em substituição do 2.º Presidente, que desempenhava então o cargo de Ministro das Colónias (Cf. «Acta da sessão extraordinaria do dia 20 de Janeiro de 1913»,

Ibidem, fl. 16 verso). Em Junho de 1914, Almeida Ribeiro regressa à presidência da Comissão (Cf. «Acta

da sessão ordinaria de nove de junho de 1914», Ibidem, fl. 20 verso.

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administrar esses bens, até que fossem transferidos para o Ministério das Finanças e incorporados nos próprios da Fazenda Nacional; e recensear todos os ministros das várias religiões, em exercício no país. O conjunto de bens que à CCELS cumpria gerir e administrar incluía todos os que não fossem entregues à administração de outras entidades. Entre eles: os edifícios (igrejas, capelas, etc.) desnecessários à prática do culto e aqueles em que não se constituíram corporações encarregadas do culto até ao fim do ano de 1912; mobiliário e alfaias de culto desnecessários; os templos dos Jesuítas aplicados ao culto até à implantação da República; as partes dos paços episcopais, presbitérios e residências paroquiais desnecessários à residência dos prelados em exercício ou que não fossem destinados ao ensino da Teologia e os bens rústicos (quintas, passais, cercas, entre outros) anexos; títulos de dívida pública e bens móveis e imóveis consignados aos prelados, mitras, cabidos, colegiadas, entre outras entidades.

As Juntas de Paróquia receberam provisoriamente o depósito de muitos bens históricos e artísticos, até ser cumprido o artigo 76.º da lei em análise, que previa a organização de «museus de arte regionais». Para estes serem viáveis, a própria lei no seu artigo 90.º determinava que os imóveis antigamente destinados ao culto católico e que tinham deixado de ser necessários fossem usados para fins de beneficência, educação e instrução. Ora, entre os estabelecimentos de instrução figuram os museus e não foi obra do acaso a ocupação de antigos paços episcopais, seminários ou igrejas por museus, como os de Machado de Castro, Évora, Grão Vasco, Elvas, Portalegre, Bragança, Leiria, Faro, Lamego, etc.

Como prólogo à Lei de Separação foi publicado o DFL de 21 de janeiro de 1911, extinguindo o culto religioso na capela da Universidade de Coimbra, considerando-a monumento nacional e constituindo um museu de arte sacra com o seu tesouro, dirigido pelo Diretor do Arquivo da Universidade, secretariado pelo capelão-tesoureiro e mantido e vigiado pelo moço do órgão116.

Mal se instalou, a CCELS começou a emitir algumas circulares para sanar dúvidas e confusões a respeito do texto da Lei de Separação. A primeira, datada de 23 de maio de 1911, foi enviada aos Governadores Civis, instruindo-os para que no âmbito das suas competências recomendassem aos Administradores dos Concelhos a rápida

116 Cf. Diário do Govêrno, I Série, n.º 18, de 23 de janeiro de 1911, disponível no sítio de internet do

indicação dos membros das comissões de arrolamento117, trabalho que deveria ser feito num prazo de três meses. Ficavam excluídas desse inventário as capelas pertencentes a particulares e salvaguardados, ainda que inventariados, os bens necessários ao culto, colocados provisoriamente à guarda das Juntas de Freguesia até serem entregues às corporações encarregadas dos ministérios cultuais ou a um museu. Para efeitos do culto católico, a circular requeria que o Administrador do Concelho obtivesse dos párocos a indicação de que corporações de beneficência ou assistência ficariam encarregadas de o praticar, a partir do primeiro dia de julho. Uma segunda circular, datada de 4 de junho seguinte, esclarecia que ficavam excluídos de arrolamento os bens móveis e imóveis que comprovadamente pertencessem às misericórdias, ordens terceiras, irmandades, confrarias e outras associações congéneres, legalmente constituídas e com estatutos adaptados à recente lei (destacando-se a obrigatoriedade de não utilizarem, no exercício do culto, mais de 1/3 dos seus rendimentos), assegurando a sua existência ou a sua criação. Esta circular parece-nos importante para compreender o desenvolvimento ou a criação de alguns museus de instituições de pendor religioso: a Irmandade do Santíssimo Sacramento de S. Nicolau criou em Lisboa, em 1915, um museu nas dependências da sacristia da igreja do mesmo nome, em plena baixa pombalina; a Misericórdia de Lisboa manteve e desenvolveu o Museu de S. Roque, sobretudo a partir da década de 1930; a Irmandade da Rainha Santa Mafalda, criada em 10 de julho de 1886, conseguiu autorização do governo pela Portaria n.º 1219 de 8 de fevereiro de 1918 para levantar dos seus fundos de esmola a importância de 1395$00 a aplicar nas obras de instalação de um museu de arte sacra na sala do capítulo do extinto Convento de Arouca. Pensada em 1917, a iniciativa beneficiou do contexto da República Sidonista instaurada em dezembro do ano anterior, mas foi adiada por questões financeiras e concretizada só em 1933, no piso superior da ala norte118.

117 Uma circular n.º 4, datada de 21 de junho de 1911 especificava que também deviam ser arrolados os

bens móveis e imóveis dos cabidos e colegiadas.

118 Cf. Portaria n.º 1219 de 8 de fevereiro de 1918, in Diário do Govêrno, n.º 26, I Série, de 9 de fevereiro

de 1918, in http://dre.pt/pdf1sdip/1918/02/02600/00850085.pdf (Sítio de internet do DR). O Museu de Arouca é um caso de sucesso no contexto derivado da extinção dos conventos, pois grande parte do tesouro do mosteiro resistiu à centralização dos bens nas principais cidades do país, à cobiça de antiquários e particulares e beneficiou da proteção, primeiro das monjas, e depois dos habitantes da localidade, sonegando os bens, escondendo parte deles, inviabilizando a sua saída. Graças a essa salvaguarda, à proteção dos Monumentos Nacionais e aos esforços de alguns habitantes de Arouca, como Simões Júnior e Alberto Brito, o Museu Regional de Arte Sacra inaugurou em dezembro de 1933, com uma rica coleção de artes decorativas, especialmente de Ourivesaria e Tapeçaria. Ainda que só inaugurado naquele ano, as suas raízes remontam à Portaria atrás referida. Cf. VITORINO, Pedro,

Mosteiro de Arouca: o Museu, Tipografia Popular, Figueira da Foz, 1937. Cf. COSTA, António Manuel

Tem particular importância para o nosso estudo a circular n.º 11 de 13 de setembro de 1913, porque nos ajuda a enquadrar o destino dado a tantos objetos da Igreja. Foi enviada aos administradores dos concelhos para que organizassem o inventário especial dos bens cultuais de interesse histórico e artístico e dos edifícios religiosos que pelo seu valor artístico, histórico ou documental merecessem o classificativo de monumento nacional119.

Facilmente se depreende que a Lei da Separação gerou grandes protestos entre as comunidades católicas mais fervorosas e entre os padres encarregues de gerir o culto, porque muitas igrejas tradicionalmente frequentadas pelos crentes foram secularizadas, a maioria dos objetos cultuais seguiu o mesmo caminho e passou para as mãos do Estado, convertendo-os em meras obras de arte nos seus museus, e muitos ministros da religião, considerados como a base do conforto espiritual de muitos portugueses, foram afastados das suas atividades. Paralelamente, crescia o descrédito pelo novo regime político, incapaz de resolver os maiores problemas do país: o económico e social. A Guerra Mundial fazia subir de tom os protestos e abriu caminho ao consulado de Sidónio Pais, que chegou ao poder com a revolução de 5 de dezembro de 1917.

Durante o Sidonismo (dezembro de 1917 – dezembro de 1918), regime presidencialista e antiparlamentar, ganharam relevo os valores do Integralismo Lusitano, não apostado em regressar à Monarquia, mas voltado para os valores do país como um todo, cuja história passada deveria ser valorizada na mesma medida do presente. A instabilidade política permanente e a grave crise económica e financeira, intensificadas com a entrada de Portugal na I Guerra Mundial, foram aproveitadas pela «Nova República». Assim, ensaiou-se a primeira grande tentativa de acalmar o radicalismo republicano, o que não foi muito difícil, face à instabilidade vigente. Destacamos a promulgação da nova Lei da Separação, também conhecida como “Decreto Moura Pinto”, Ministro da Justiça e dos Cultos do Governo de Sidónio. Falamos do Decreto n.º 3856 de 22 de fevereiro de 1918120. A introdução ao diploma reconhecia a necessidade de se fazer uma apreciação rigorosa à anterior lei, nomeadamente para combater «preceitos violentos, contendo um excesso de defesa, atentatórios da liberdade de consciência e do pensamento», impróprios de uma

museografia, Tese de Doutoramento em Letras, área de História, especialidade de Museologia e

Património Cultural, orientada pelos Doutores José Manuel dos Santos Encarnação e José Maria Amado Mendes, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2011, pp. 147-149.

119 Cf. Circular n.º 11 (minuta impressa), de 13 de setembro de 1913, do Presidente da CCELS (Bernardo

Nunes Garcia) para os Administradores dos Concelhos. ACMF/CJCB/CIRCU/003, p. 9.

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República que se afirmava laica e neutral em questões religiosas121. A atitude intolerante granjeara ao Regime perturbações e contestação por parte dos adversários, pelo que o novo decreto reconhece total liberdade de culto aos católicos, podendo reunir livremente e escolher a entidade que dirige o seu culto, sob mera fiscalização do Estado. Por outro lado, anuiu-se entregar os templos e objetos necessários ao culto, ao mesmo tempo que o prazo para reverterem para a fazenda pública os imóveis sem uso cultual passou a ser igual ou superior a três anos. Também no ensino de Teologia, o Estado passou a ser mero fiscalizador, entregando a escolha dos livros e dos professores e a organização dos programas às autoridades eclesiásticas, e cedendo gratuitamente os edifícios ainda não ocupados com outros serviços públicos. Quanto à propriedade dos bens cultuais, é aberto um novo prazo de reclamação de três meses às entidades responsáveis pelo culto122. Tendo-se racionalizado o olhar sobre as contestações à Lei da Separação primitiva e concluído que muitos padres católicos se manifestaram, não contra o novo regime político, mas sim contra o radicalismo do Decreto, com o novo diploma os próprios padres vão ser compensados, sendo-lhes restituídas as funções anteriormente ocupadas e os direitos de auxílio do Estado em caso de necessidade. A partir de 10 de julho de 1918, o reatamento das relações com a Santa Sé comprometeria a aplicação da Lei da Separação, cuja influência, no que toca à questão da tutela dos bens eclesiásticos, não voltaria a ser a mesma dos anos 1911 a 1917, porque mesmo com o assassinato de Sidónio Pais, o regime restabelecido reiterou as relações de «bom entendimento» entre o Estado e a Igreja e «o respeito recíproco das duas instituições»123.

121 Decreto n.º 3856 de 22 de fevereiro de 1919, in DG, I Série, n.º 34, de 23 de fevereiro de 1918, p. 128.

(https://dre.pt/application/file/405054).

122 Um exemplo destas solicitações foi o cónego José Duarte Dias de Andrade, que em 1918 reivindicou a

entrega dos bens cultuais e do tesouro da Sé de Coimbra.

123

Apud. Discurso do Presidente da República Canto e Castro de abril de 1919, na cerimónia em que o novo Núncio Apostólico, Achilles Locatelli, entregou as suas credenciais ao Chefe de Estado português. Cf. LEAL, Ernesto Castro, «República portuguesa, secularização e novos símbolos (1910-1926)», in

Revista da Faculdade de Letras – HISTÓRIA, FLUP, Porto, 2010, III Série, vol. 11, p. 124,

Apesar deste aligeirar do Anticlericalismo, os anos mais radicais da República veicularam a transferência para os museus, dos tesouros artísticos à guarda das mais variadas igrejas e corporações religiosas, situação que tenderia a inverter-se a partir da instauração da Ditadura Militar e do Estado Novo. A restituição de alguns tesouros às anteriores tutelas, condicionada pela sua utilização no culto e sugerida pelo Decreto n.º 11887 de 6 de julho de 1926 acabou por suscitar a criação de novos museus, tutelados pelas corporações religiosas.

Houve casos em que, apesar de nacionalizados, face à contestação de bispos e parócos que defendiam o valor sagrado e religioso dos tesouros das igrejas acima do valor histórico e artístico, aqueles se mantiveram nos seus locais de origem até serem reunidas condições para a sua musealização. Tratou-se de uma estratégia republicana para, de forma contemporizadora, economicamente viável e que supria a falta de espaço, se criarem museus especiais: os museus de catedral ou tesouros de arte sacra, anexos aos museus do Estado, e entregues à responsabilidade de clérigos esclarecidos,

Fluxograma 1: O percurso dos bens nacionalizados segundo a legislação anticlerical. Legenda de siglas: Ministério Público (MP); Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas (CJBECR); Comissão Central de Execução da Lei de Separação (CCELS); Comissão Concelhia de Inventário (CCI); Comissão Concelhia de Administração dos Bens do Estado (CCABE).

Ministério das Finanças

Próprios Nacionais CCELS CCI Corporações Religiosas Ministério da Justiça CJBECR MP Igreja Católica CCABE Juntas de Paróquia Cultuais Museus

chamados a ser vogais auxiliares dos Conselhos de Arte e Arqueologia124. Exemplos desta situação, encontramo-los nos Tesouros das Sés de Lisboa, Braga, Évora e Viseu.

No tocante ao Tesouro da Sé de Lisboa, para cuja inventariação havia sido nomeado Columbano Bordalo Pinheiro em sessão do Conselho de Arte e Arqueologia da 1.ª Circunscrição (CAA1) de 10 de julho de 1911, a CCELS resolveu entregá-lo com a respetiva casa-forte em 2 de junho de 1914 ao Museu Nacional de Arte Antiga e requisitar provisoriamente dois guardas, até o Diretor daquele museu aceitar a cedência125. Por sua vez, em reunião do CAA1 de 18 de junho, José de Figueiredo defendia a necessidade de definir as condições em que aquele Conselho aceitava a guarda e fiscalização do tesouro, propondo uma visita prévia, que foi aprovada. Com o apoio de Veloso Salgado e José Pessanha, era também da opinião que o tesouro se mantivesse na Sé, com exceção de uma cruz esmaltada de finais do século XVI, conhecida como Cruz dos Filipes, que devia ser entregue ao Convento de Cristo de Tomar, sua procedência original, ou a título de depósito ao MNAA, na inexistência de condições de segurança naquele local. O próprio JF pôs o Presidente da CCELS a par da sua posição em ofício de 24 de junho de 1914, que consistiu em informar os outros membros do CAA sobre não se responsabilizar pela receção do tesouro e que depois de avaliadas as condições de segurança na Sé no dia seguinte, seriam tomadas a diligências