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C APÍTULO 1: O S PIONEIROS

A necessidade de classificar e proteger o património histórico e artístico nacional encontrou os seus precursores na Academia Real de História (8 de dezembro de 1720) e no Alvará de 20 de agosto do ano seguinte, incumbindo a Academia e as Câmaras Municipais daquelas tarefas. Destas iniciativas terá resultado o primeiro museu de Arqueologia nacional, que não resistiu à viragem para a 2.ª metade do século.

As viagens de estrangeiros a Portugal, como James Murphy e William Beckford1, na segunda metade do séc. XVIII também tiveram o seu papel para despertar as consciências nacionais para a premência da preservação da memória histórica.

Coleções, havia-as entre os membros das ordens sociais privilegiadas, que cultivavam um colecionismo ostentatório e eclético de bens artísticos, arqueológicos, espécimes de História Natural e curiosidades, constituindo gabinetes privados em que Arte e Natureza conviviam, com a finalidade utópica de reconstruir o universo em espaços exíguos, e que só a partir do Pombalismo começaram a servir mais amplamente finalidades científicas e a abrir-se ao público2. A partir do seu património pessoal, D. Pedro José de Noronha (3.º Marquês de Angeja) promoveu um jardim botânico no Parque do Monteiro Mor em meados do século XVIII e projetou um museu de História Natural (1782-1785) para o complementar, iniciativas orientadas por Domingos Vandelli, responsável pelas experiências museológicas pombalinas3.

Outro importante cultor de antiguidades e naturalia foi Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas4, Bispo de Beja, que em 1791 inaugurou o Museu Sesinando Cenáculo Pacence, com coleções arqueológicas, de História Natural, Numismática e Medalhística.

1 Para pequenas biografias de James Murphy e William Beckford, consultar o sítio de internet do

Mosteiro da Batalha, respetivamente em http://www.mosteirobatalha.pt/pt/index.php?s=white&pid=255 e http://www.mosteirobatalha.pt/pt/index.php?s=white&pid=256 .

2

Cf. BRIGOLA, João Carlos Pires, Colecções, gabinetes e museus em Portugal no século XVIII [Texto Policopiado], Tese de Doutoramento em História, Universidade de Évora, 2000, 1.º vol, pp. 60-65.

3 João Brigola chega a sugerir a hipótese de Angeja ser o fundador do primeiro espaço museológico

português ainda existente, caso se comprovasse que a criação do Jardim Botânico do Parque do Monteiro Mor ao Lumiar datasse da década de 50 de setecentos. Idem, p. 411. Sobre o museu do Marquês instalado no seu palácio da Junqueira, Ibidem, p. 420.

4 Frei Manuel do Cenáculo começou a colecionar muito cedo. Em Lisboa reuniu as primeiras pinturas e

medalhas. Em Beja, cujo Bispado lhe foi entregue em 1777 (até 1802), alargou as suas coleções à História Natural, reunindo espécimes zoológicos, botânicos e minerais, e foi o grande responsável por coligir antiguidades artísticas e arqueológicas dispersas no Distrito, que deram forma ao Museu Sisenando

Cenaculano Pacense. Em março de 1802, Cenáculo foi nomeado Arcebispo de Évora, transferindo para

esta cidade os mais valiosos exemplares das suas coleções, reunidas quer no seu gabinete da Sé de Beja, quer no Museu Sesinando, suscetíveis de serem transportados. Ibidem, pp. 472-486.

A transferência de Frei Cenáculo para Évora em 1802 conduziu à dissolução do museu bejense e à inauguração, em março de 1805, do Novo Museu Cenáculo junto da Biblioteca Eclesiástica Pública, anexos ao Paço Arquiepiscopal, no Colégio dos Meninos do Coro da Sé. Ao longo do século XIX e primeiras décadas do XX, arqueólogos como José Leite de Vasconcelos, Emile Hübner, Filipe Simões e Abel Viana, procurariam o paradeiro dos objetos de lapidária e de maiores dimensões que não foram conduzidos para Évora por Cenáculo, sendo distribuídos pelos museus municipal de Beja (fundado em 1892) e de Évora.

Em termos estatais, os primeiros museus devem-se ao Marquês de Pombal, responsável pela criação do Real Museu da Ajuda em 17685. Seguiu-se-lhe em 1772 o Museu de História Natural da Universidade de Coimbra. Ambos os museus constituíram complexos multidisciplinares, tendo os métodos empírico e experimental adotados no ensino desempenhado especial papel no domínio da História Natural, da Química, da Física e da Botânica6. Alargavam-se os públicos, estabeleciam-se horários regulares de visitas, dotavam-se financeira, material e humanamente os novos espaços. Ambos os complexos museológicos mostravam futuros promissores, mercê das viagens filosóficas dos naturalistas (Alexandre Rodrigues Ferreira, João da Silva Feijó, etc.), das relações de permuta com os seus congéneres nacionais e internacionais e da colaboração dos Governadores das Colónias e dos Embaixadores portugueses. Ao principal ministro de D. José I se deveu também a publicação do Aviso de 25 de janeiro de 1777, mandando guardar na Casa da Moeda, uma coleção de todas as moedas e medalhas cunhadas ou a cunhar, portuguesas e estrangeiras, e que se tornou o embrião do Museu Numismático e Filatélico daquela instituição, que abordaremos em devido tempo7.

Facilmente se infere a grandeza do Museu da Ajuda se recordarmos o “saque” que o naturalista Geoffroy de Saint Hilaire lhe fez em junho e agosto de 18088. A

5

Cf. VANDELLI, Domingos, Relação da origem, e estado presente do Real Jardim Botanico,

Laboratório Chymico, Museo de Historia Natural e Caza do Rysco, ANTT, Maço 444, Caixa 555.

6 Cf. Estatutos da Universidade de Coimbra, vol. III – Cursos das Sciencias Naturaes e Filosóficas,

Coimbra, 1772, p. 229, disponível em http://bdigital.sib.uc.pt/bg1/UCBG-R-44-3_3/UCBG-R-44- 3_3_master/UCBG-R-44-5/UCBG-R-44-5_item1/P288.html.

7 INCM, Matriz 19, Boletim Interno, INCM, S.A., março, 2013, p. 4: Apud Aviso de 25 de janeiro de

1777: «huma moeda de cada cunho, e qualidade de metal, que se puderem hir achando, não só deste

Reino, mas geralmente de todas as partes do Mundo: E semelhantemente tambem huma Medalha tambem de todas as qualidades de metaes, que for possivel alcançar se, assim antigas como modernas para com o decurso do tempo se poder formar huma collecção dellas, que hajão de servir à utilidade publica, e noticia geral».

8 Cf. Relação dos productos naturaes que por ordem do General Junot levou d‟este Real Museu M.r

mesma sorte teve o museu de Cenáculo em Évora. À usurpação francesa juntaram-se outros fatores potenciadores da destruição e dispersão de coleções: cataclismos naturais; especulação e comércio de bens móveis; situação política; extinção das Ordens Religiosas.

A criação da Academia Real das Ciências em 24 de dezembro de 17799 constituiu um novo fôlego para a Museologia portuguesa. À sua sombra nasceu um museu de História Natural e Etnografia e um Gabinete de Física, antepassados do que viria a ser o Museu Nacional10. Por sua vez, no Convento de Jesus, da Ordem Terceira de S. Francisco, o Padre José Mayne criava um museu de História Natural, com medalheiro e uma pinacoteca (1792)11.

de Diversos, doc. 16. Vários espécimes de mamíferos, aves, répteis, peixes, insetos, crustáceos, herbários, fósseis, rochas e minerais foram escolhidos para ir enriquecer o Museu de História Natural de Paris.

9 A Academia foi fundada por iniciativa do segundo Duque de Lafões e do Abade Correia da Serra,

apoiados por Domingos Vandelli e pelo Visconde de Barbacena. Dividiu-se em duas classes, a das Letras e a das Ciências.

10 Em 27 de agosto de 1836 o Museu da Ajuda foi transferido para a Academia, e seria progressivamente

enriquecido pelas coleções de História Natural de D. Pedro V e D. Luís I.

11 Em 1833, o Museu Maynense foi confiado à Academia Real de Ciências, o que foi confirmado pela