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M USEU E TNOLÓGICO P ORTUGUÊS

No documento Os museus em Portugal durante a 1ª República (páginas 180-198)

«… desempenhou, digna e brilhantemente, as suas altas funções e a sua missão dentro das concepções museológicas epocais: fazer ciência e divulgação do saber, realizar obra educativa e patriótica, articular a cultura portuguesa com a estrangeira, integrando diligente e prestigiosamente Portugal no movimento científico internacional.»358

Antecedentes: um museu central de Arqueologia, Etnografia e Antropologia

As conclusões da Comissão de 1875 para organizar os Serviços de Património, as visitas de estrangeiros ao nosso país, o aumento das intervenções arqueológicas e o patriotismo pós-Ultimato consciencializaram para a necessidade de criar um museu nacional dos elementos que permitissem reconstituir a vida humana em solo português, desde os primórdios359. Com este propósito, no início de 1893 José Leite de Vasconcelos (JLV)360 procurou o Ministro das Obras Públicas, Bernardino Machado, que em março seguinte o incitava a encontrar-se com ele na Secretaria do Ministério, depois de jantar, para entre aquele espaço e a casa do Governante conversarem sobre o museu361.

358 Cf. MACHADO, João L. Saavedra, «Subsídios para a História do Museu Etnológico do D.or Leite de

Vasconcelos», in O Arqueologo Português, Lisboa, Nova Série, Tomo 5, n.º 1, p. 227.

359 Cf. VASCONCELLOS, José Leite de, Historia do Museu Etnologico Português: 1893-1914, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1915, p. 121: «tipos físicos, trajos, industrias, costumes, crenças, habitações, arranjo

doméstico, gôstos artisticos, folganças, a sobreposição das civilizações, pré-romana, romana, visigótica, arábica, e posteriores; tudo o que defina caracteristicamente o nosso povo».

360 José Leite de Vasconcelos (Mondim da Beira, Tarouca, 7/7/1858 – Lisboa, 17/5/1941) começou ainda

na sua terra natal a desenvolver estudos etnográficos, tendo como objeto os costumes da Beira Alta. Foi aí que através da imprensa local começou a publicar os seus primeiros estudos e curiosidades literárias. A sua mudança para o Porto em 1876 e a frequência do curso de Medicina entre 1881 e 1886, em que desenvolveu métodos minuciosos e analíticos precisos, contribuíram para o alargamento dos seus horizontes intelectuais à Poesia, à Etnografia moderna e à Filologia. Na década de 1880 iniciou o seu interesse pelos museus e pelos temas da História nacional, tendo visitado os museus Azuaga em Gaia (1882), Cenáculo em Évora (1888), e começado a colaborar com Martins Sarmento para o enriquecimento do museu da SMS. O crescente interesse pela Arqueologia levou-o a publicar, com Mont‟alverne de Sequeira, a revista quinzenal Pantheon (1880-1881), versando temas de Arqueologia, Mitologia, Religiões e Tradições Populares. Em 1882 foi a vez da Bibliotheca Ethnographica

Portuguesa, dedicada aos estudos de Folclore e das tradições populares portuguesas em comparação com

as estrangeiras. Em 1887 deu início à publicação da Revista Lusitana, que se manteria até 1941 e se revelou significativa para o avanço dos estudos filológicos e etnológicos portugueses, em sintonia com um discurso patriótico e nacionalista. A sua entrada para a Biblioteca Nacional como Conservador em dezembro de 1887 e o início da lecionação da cadeira de Numismática em 1888-89 fizeram-no desenvolver o seu interesse pelos museus, avançando com propostas de organização, desenvolvimento e conservação da coleção de Numismática da instituição, ao mesmo tempo que passou a ser patrocinado nas suas investigações arqueológicas, que sucederam às iniciadas a título particular, quando da sua colocação como clínico no Cadaval. A sua transferência para Lisboa coincidiu, pois, com o início da sua atividade museológica. Cf. GOUVEIA, Henrique Coutinho, Museologia e Etnologia em Portugal, instituições e

personalidades, Ob. Cit., pp. 100-139.

361 O bilhete de Bernardino Machado para José Leite de Vasconcelos foi publicado pelo segundo na sua

A 20 de dezembro foi promulgado o Decreto criando o Museu Etnográfico Português362. Nas considerações iniciais do diploma, os Ministros dos Negócios do Reino, João Ferreira Franco Pinto Castelo Branco, e das Obras Públicas Comércio e Indústria, Bernardino Machado Guimarães, aludiam às vantagens de um museu do género para os portugueses: a Educação; o conhecimento da própria História e das relações com os outros; um sentimento de nacionalidade com o fito do progresso363; o aperfeiçoamento das artes, incluindo as industriais. O museu fazia todo o sentido pois havia materiais ilustrativos das sucessivas ocupações do território português, dispersos por vários organismos do Estado e de outras entidades, ou ainda por recuperar do solo. Por outro lado, servia como complemento ao museu antropológico da Comissão Geológica instalado no edifício da Academia das Ciências, onde aliás também se instalou provisoriamente o novo museu, ficando criadas as condições para reunir num espaço único os objetos dispersos por várias instituições estatais, que não fossem parte integrante das suas coleções (exemplo do Museu do Algarve, depositado na Academia de Belas Artes), e para estimular futuras aquisições. O decreto estipulou: a divisão do museu em duas secções (Arqueológica, com objetos da Pré-História ao séc. XVIII; e Moderna), passíveis de se subdividirem nas subsecções pertinentes; a elaboração de um catálogo ilustrado para divulgar as coleções e atrair visitantes; o envolvimento das instituições do Estado e das autoridades municipais, administrativas, eclesiásticas e militares no crescimento do museu; o estabelecimento de um regulamento, de dotação própria e de uma Direção competente, não remunerada.

Dando cumprimento a esta última cláusula, no mesmo dia foi publicado um despacho nomeando JLV para dirigir o museu, o que fez até 5 de março de 1929. Neste ano, três dias antes da cessação das suas atividades, foi promulgado o Decreto n.º 16653, colocando um limite de idade na ocupação de funções públicas e obrigando JLV a abandonar o cargo. Era chegado o momento de homenagear o verdadeiro criador do museu e todo o serviço que ele prestara à pátria: o Decreto n.º 16624 de 18 de março de 1929 atribuiu ao museu a designação de Museu Etnológico do Dr. José Leite de Vasconcelos e em simultâneo a Direção Honorária sem qualquer remuneração ao homenageado.

362 Cf. Decreto de 20 de dezembro de 1893 publicado no Diário do Governo n.º 289 de 21 de dezembro

de 1893, in Collecção Official de Legislação Portugueza, Anno de 1893, Imprensa Nacional, Lisboa, 1894, p. 992.

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O Museu Etnográfico Português ficou anexado à Direção dos Trabalhos Geológicos, dependente da Repartição dos Serviços Técnicos de Minas e da Indústria, do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria. Instalou-se em 1894364 numa sala da Comissão Geológica, constituindo-se inicialmente pelas coleções de Estácio da Veiga e de JLV, e em breve receberia outras do Estado e objetos obtidos por compra e doação. O espaço tornou-se insuficiente num instante, tendo sido ocupada nova sala, e em 1897 foi necessário acomodar a secção lapidar numa ala dos claustros do Convento de Jesus. Aquele ano marcou também a mudança de nome para Museu Etnológico Português (MEP), por Decreto de 26 de junho.

Por seu turno, um decreto de 23 de dezembro de 1899365 veio dar nova organização ao museu, agregando-o ao Conselho Superior dos Monumentos Nacionais, a quem caberia o seu enriquecimento. O museu viu reforçado o seu papel educativo, reorganizando-se em três secções nacionais com as respetivas subsecções comparativas estrangeiras, nos domínios da Arqueologia Pré-Histórica e Histórica, da Etnografia Moderna e da Antropologia Antiga e Moderna. O diploma introduziu também uma série de disposições favoráveis ao MEP: o direito exclusivo de proceder a escavações

364 Também nesse ano de 1894 surgiu o principal órgão do MEP – O Archeologo Português – cujo

primeiro fascículo data de 1895.

365 Cf. Decreto de 23 de dezembro de 1899, in Collecção Official de Legislação Portugueza, Anno de

1899, Imprensa Nacional, Lisboa, 1900, pp. 876 e 877.

Fig. 21 – O Dr. José Leite de Vasconcelos.

arqueológicas em estações localizadas em terrenos do Estado, em montes, caminhos, matas, campos, etc.366; a proteção policial aos agentes encarregados das escavações; a gratuidade do transporte em vias-férreas, marítimas e fluviais do Estado, de todos os objetos com destino ao museu. Previa-se, à semelhança do que foi instituído com o decreto de criação, a edição de um catálogo impresso e admitia-se a publicação de monografias sobre determinados objetos, a fim de os divulgar e cativar o público. As entidades do Estado e os supervisores de obras públicas são responsabilizados a comunicar ao museu todas as notícias sobre a existência ou achamento de bens arqueológicos. Ao Diretor passou a ser feita uma retribuição de 500$000 réis anuais. A auxiliá-lo, determinou o diploma que tivesse dois adjuntos do quadro de condutores de obras públicas e minas, um escriturário e dois guardas ou serventes367.

Na sequência da extinção do Museu Agrícola e Florestal de Lisboa368, e por despacho de 21 de novembro de 1900, o MEP foi transferido para o Mosteiro dos

366

As estações arqueológicas consideradas eram castros, dolmens, grutas naturais e artificiais, minas antigas, necrópoles ou sepulturas isoladas. O direito de exploração podia ser cedido a diretores de outros museus públicos, mediante parecer favorável do Conselho Superior dos Monumentos Nacionais.

367 O decreto definiu que os lugares de escriturário e guardas do MEP fossem ocupados pelos funcionários

com as mesmas funções nos extintos museu agrícola e industriais e comerciais, tendo a mesma remuneração. Importa aqui frisar que no mesmo dia 23 de dezembro de 1899 foi publicado um decreto que extinguiu os museus industriais e comerciais de Lisboa e do Porto, por terem sido considerados ineficazes no cumprimento das metas que lhes foram imputadas. Para além da extinção, aquele decreto definia que os funcionários dos museus passariam a desempenhar as suas funções nas Comissões de Exposições Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto criadas pelo mesmo decreto ou na Direção Geral do Comércio e Indústria, e caso não aceitassem seriam demitidos. De notar que, sendo da mesma data que o decreto que agregou o MEP ao Conselho Superior de Monumentos Nacionais, o decreto que extingue os museus industriais não prevê a transferência de qualquer dos seus funcionários para aquele museu. Cf. Decreto n.º 1 de 23 de dezembro de 1899, in Collecção Official de Legislação Portugueza Anno de 1899, Imprensa Nacional, Lisboa, 1900, pp. 817-818.

368 O Museu Agrícola e Florestal de Lisboa foi criado por Decreto de 5 de novembro de 1888,

regulamentado por decreto de 27 de dezembro de 1889 e inaugurado em junho de 1891, tendo-se instalado primeiramente no Palácio dos Condes de Almada ao Rossio e posteriormente transferido para os Jerónimos, extinguindo-se em 1900. A sua existência deveu-se a Elvino de Brito (1851-1902), que para além de Ministro das Obras Públicas Comércio e Indústria – onde aliás trabalhou grande parte da sua vida –, foi Diretor Geral da Agricultura, cargo em que procurou reorganizar, modernizar e desenvolver os serviços agronómicos, florestais e pecuários; reestruturar e promover o ensino agrícola e veterinário; promover os produtos nacionais no estrangeiro. Esperava-se do Museu Agrícola e Florestal que apoiasse o progresso das ciências agronómicas, assumindo um papel complementar ao ensino dessas ciências, como repositório de elementos de estudo e expositor dos produtos regionais e meios de produção. Cf. SEVERO, Ricardo, «Noticias: O Museu Agricola e Florestal de Lisboa», in Revista de Sciencias

Naturaes e Sociaes, Publ. da Sociedade Carlos Ribeiro, Typographia Occidental, Porto, 1893, vol. II, pp.

138 e 139; GOUVEIA, Henrique Coutinho, «Museu etnológico português (1893-1914). Um projecto nacional e uma tentativa de conjugação disciplinar», in Revista da Faculdade de Ciências Sociais e

Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1992, n.º 6, pp. 197-209; MARTINS, Conceição

Andrade, «Biografia do MOPCI Elvino de Brito», in Academia.edu - http://lisboa.academia.edu/Concei%C3%A7%C3%A3oAndrademartins/Papers/1481742/Biografia_do_M OPCI_Elvino_de_Brito (consulta efetuada no dia 4 de agosto de 2012).

Jerónimos. A mudança para as novas instalações só se efetivou a partir de 1902369, estando concluída em 1903.

Em 1901 o MEP sofreu nova reforma, quer do ponto de vista institucional, quer organizacional, pelo Decreto de 24 de dezembro370. Institucionalmente passou a estar diretamente subordinado à Direção Geral das Obras Públicas e Minas. Em termos organizacionais, dispondo de mais espaço nos Jerónimos371, compreende-se que lhe tenham sido atribuídas novas valências. Além das salas de exposição, o museu passou a dispor de biblioteca privativa, um gabinete de fotografia e desenho, uma oficina de conservação e restauro, orçamento próprio, um quadro de pessoal alargado (oficial de museu; um ou dois condutores; um escriturário ou apontador; um fotógrafo-desenhador; dois guardas; três serventes; dois coletores preparadores). O cargo de Diretor do museu passou a ser ocupado por nomeação vitalícia, recaindo sobre JLV. Por fim, determinou que o MEP abrisse definitivamente ao público, o que só aconteceu em 22 de abril de 1906, por ocasião do Congresso de Medicina.

369 Cf. JLV, «O Museu de Estacio da Veiga», in O Archeologo Português, MEP, Lisboa, junho de 1902,

S. 1, vol. 7, n.º 6: «Esta collecção [de Estácio da Veiga], no seu conjuncto, esteve já exposta no edificio

da Academia das Sciencias, onde primeiro se installou o Museu Ethnologico; actualmente anda sendo transportada, com o resto do Museu, para o edificio dos Jeronymos (Belem)».

370

Cf. Collecção Official de Legislação Portugueza Anno de 1901, Imprensa Nacional, Lisboa, 1901, pp. 1360 e 1361.

371 Em 17 de fevereiro de 1903, o espaço do MEP era aumentado pela publicação de uma Portaria que

conferia ao museu as salas e a mobília do extinto museu industrial. Cf. JLV, Historia do Museu

Etnologico Português, Ob. Cit., p. 4.

Fig. 22 – Postal ilustrado, representando a entrada poente do Mosteiro dos Jerónimos, onde se alojou o Museu Etnológico Português, a partir de 1903. Legenda: «Portugal – Lisboa – Museu

Ethnologico Português – Este museu, destinado a concorrer para o conhecimento das origens, evolução e caracteres do povo português, foi creado em 1893 pelo Sr. ministro Bernardino Machado; melhorado em 1899 pelo Sr. ministro Elvino de Brito; amplamente reorganizado em 1901 pelo Sr. ministro M.F. de Vargas, que em 1903 o dotou do bello edificio que hoje occupa. Consta de tres secções: archeologia, ethnographia moderna e anthropologia.»

MACHADO, João L. Saavedra (1965),

Na República

A 1.ª República impulsionou uma viragem significativa na história do MEP a partir do momento em que, pela promulgação do Decreto n.º 1 de 26 de maio de 1911, passou a estar subordinado ao CAA1, trazendo-lhe repercussões negativas. O quadro de pessoal foi reduzido significativamente, extinguindo-se os lugares de fotógrafo-desenhador, escriturário e de condutores. O decreto valorizou sobretudo os museus de arte, entendidos como complemento ao ensino artístico e elemento primacial da educação em geral, e colocou o museu subordinado a um Conselho, que em termos científicos ignorava as disciplinas de Etnografia e de Antropologia, quando era evidente que o MEP prosseguia objetivos científicos que extravasavam os domínios da Arte e da Arqueologia, colocando esta segunda em íntima complementaridade com as duas primeiras. A situação de isolamento de JLV no CAA1 precipitaria os esforços no sentido de autonomizar o museu, como veremos no rescaldo do assunto seguinte.

Um aspeto determinante para perceber a história futura do MEP e a sua situação nos primeiros anos da República foi a Sindicância de que foi alvo, efetuada entre março e junho de 1913, e enquadrada num período de crise para a instituição. Para entendermos a questão na sua plenitude, torna-se necessário regressar ao ano de 1911, em que o museu passou a ter nova tutela e um quadro de pessoal menor. Da diminuição de funcionários resultou um avolumar das obrigações dos restantes e, consequentemente, uma deterioração das relações com o Diretor, acusado de grande exigência, de estar longos períodos ausente e de acumular funções que impediam o bom cumprimento das que lhe competiam no museu. A instabilidade das relações levou à instauração de vários processos disciplinares que resultaram, em 1912, na substituição da quase totalidade dos funcionários. Com este quadro relaciona-se o episódio das medidas disciplinares tomadas contra um funcionário do museu – Carlos Amorim Vassinon –, que depois de ser submetido a um processo em 22 de setembro de 1909, acabou por ser suspenso de funções várias vezes, até que em 30 de setembro de 1910 foi proposta a sua demissão definitiva, que se concretizou em outubro. O funcionário foi outro motor para uma acesa crítica a JLV nas páginas dos jornais republicanos, a cujo credo se juntou o dito funcionário, quando se inscreveu no Centro Republicano São Carlos, acusando o seu antigo Superior hierárquico de tendências reacionárias e déspotas.

O início político da crise teve lugar na sessão noturna da Câmara dos Deputados de 26 de dezembro de 1911, em que o deputado Fernão Boto Machado denunciou a

situação de dois guardas do MEP, a braços com um número excessivo de horas de trabalho consecutivas, percebendo um vencimento inferior ao dos seus colegas. Expostos os factos, propôs que se aumentasse o vencimento de 260 para 300 mil réis, lhes fosse fornecido um uniforme de trabalho e reduzido o número de horas de serviço. As sugestões foram consideradas impossíveis de satisfazer, por não estarem previstas em orçamento, sendo o deputado convidado a apresentar uma nova proposta em janeiro seguinte. Aproveitando o mote da discussão, o deputado Eduardo de Almeida aludiu à ilegalidade dos 500 mil réis de gratificação recebidos pelo Diretor, reportando-se ao decreto de fundação do museu. Ainda que reconhecesse que tal cargo devia ser remunerado, considerava-o ilegal por não estar previsto em orçamento. O Ministro do Interior – Silvestre Falcão – rematou a questão dizendo que o Diretor do museu em debate era JLV, e que o mesmo recebia a gratificação pelos serviços prestados como bibliotecário372.

Mal soube do sucedido, JLV escreveu ao seu detrator, salientando o trabalho árduo que vinha desenvolvendo no museu, deslocando-se por todo o país em busca de objetos para as coleções sem auferir de qualquer gratificação, e de que resultou uma soma de mais de 20 mil objetos compilados. Seguidamente informou o deputado de que começou a receber uma gratificação pelos serviços prestados, em troca da que havia perdido por deixar de ser professor do Liceu de Lisboa e informando que a mesma retribuição havia sido sucessivamente legalizada pelos decretos de 23 de dezembro de 1899, de 24 de dezembro de 1901 e de 26 de maio de 1911. Por fim, diz acreditar que as acusações imputadas se deviam à ação de António Mesquita de Figueiredo, que por despeito terá envenenado políticos e alguns órgãos da Imprensa. Para cercear mal-entendidos, convidava o deputado a visitar o museu, para que pudesse testemunhar o fruto do seu trabalho e concluir como era digno de retribuição pecuniária373. Entretanto, sucediam-se novos processos disciplinares e o afastamento de quatro funcionários do museu (abril de 1912), por se revelarem pouco assíduos e pouco preparados para o desempenho das suas funções, o que se avolumava com a insuficiência de pessoal, gerando ainda mais instabilidade. Para suprir este problema foi criado, em 23 de dezembro do mesmo ano, o Regulamento Provisório dos Guardas, assinado por JLV e pelos dois guardas – João Ricardo Florindo Rodrigues e Basílio

372 Cf. Diário da Câmara dos Deputados, 19.ª Sessão (Nocturna), em 26 de Dezembro de 1911, pp. 4, 10

e 11 www.debates.parlamento.pt/page.aspx?cid:r1.cd – consulta efetuada no dia 11 de julho de 2012).

373 Cf. JLV, «Defensão do Museu Etnologico Português contra as Argüições Que um Sr. Deputado lhe fez

Augusto Viana – que substituíram Herculano Pinto e Joaquim Paixão374, texto em que se privilegiava um bom atendimento aos visitantes, a vigilância da limpeza e segurança, a estatística de visitantes e os cuidados a ter na hora de encerramento do museu375.

Se o problema do vencimento que recebia mexeu com JLV, muito mais o afrontou a questão despoletada, ao limite376, na sessão da Câmara dos Deputados de 12 de março de 1913, com o deputado Eduardo de Almeida a voltar a colocar em cima da mesa algumas questões que atingiam diretamente a atuação de JLV377. Em suma, o deputado acusava-o: de não ter providenciado um inventário do museu e organizado livros de contas correntes; de guardar sem autorização superior, em dependências do museu, baús e caixas pertencentes a particulares; de ter conflitos com o pessoal, exercendo demasiada exigência sobre ele; de utilizar madeiras, o serviço do carpinteiro do museu e o dinheiro da venda de um Plano Summario do Museu Etnologico Português (publicado em 1906) para usufruto pessoal (peculato); de interditar aos visitantes a feitura de cópias e notas sobre os objetos; de não ter aberta ao público uma

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