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M USEU N ACIONAL DE A RTE A NTIGA

No documento Os museus em Portugal durante a 1ª República (páginas 147-180)

«O Museu Nacional de Arte Antiga, com a sua actual vocação, nasce em 1911, com a divisão das colecções, a definição da sua cronologia e a acção

modernizante de um director: José de Figueiredo»272

Antecedentes: Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia

Apesar de só em 1884 ter sido formalmente inaugurado o Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia, a sua constituição teve início após a extinção das ordens religiosas masculinas, quando começou a transferência dos bens históricos e artísticos existentes nos conventos e mosteiros para a sede da Academia de Belas Artes, no Convento de S. Francisco da Cidade, onde em 1869 abriu ao público a Galeria Nacional. O edifício que a acolhia carecia, contudo, de melhoramentos urgentes para prover à boa conservação do acervo coligido, que continha muitos «quadros que pedião algum arranjo, e ameaçavão total ruína se não se lhes acudisse»273. O mesmo acontecia com a coleção de estampas (cerca de mil segundo Holstein, sem contar com as estampas de Paris, que ascendiam a três milhões de provas, ainda que com poucas escolas representadas) e gravuras, em mau estado de conservação e acondicionamento, e sem uma sala digna para as expor. As razões acima enunciadas procuravam justificar o facto de, antes de 1869, não se disponibilizar ao público de forma regular a visita às coleções. A fraca dotação para aquisição de obras de arte era outro obstáculo apontado. As coleções formaram-se sobretudo com pinturas portuguesas, de Vasco Fernandes, Vieira Lusitano, Pedro Alexandrino, entre outros, e esculturas274, secção pouco desenvolvida e com peças pouco significativas, apesar de existirem ainda muitas disseminadas por diversos locais, que urgia coligir antes da sua perda.

Além das peças resultantes da nacionalização dos bens congreganistas, a Academia recebeu também doações e outros depósitos, como a coleção de cerca de mil desenhos originais da Imprensa Régia, em depósito desde 1844 na Academia e que por Portaria de 10 de Março de 1863 passaram a ser propriedade sua. Outras foram compradas de coleções particulares, como a da rainha Carlota Joaquina.

272 Cf. PORFÍRIO, José Luís Gordo, «O Museu – Espaços e Exposição», in Museu Nacional de Arte

Antiga Lisboa, As Grandes Colecções, Hirmer Verlag, Munique, Alemanha, 1999, p. 39.

273 Relatorio do Ex.mº Vice-Inspector, Marquez de Souza Holstein, dirigido ao Ex.mº Ministro do Reino,

em 29 de Fevereiro de 1864, […] Doc. cit., p. 4.

274 Cf. Novo Guia do Viajante em Lisboa e seus arredores, Cintra, Collares, e Mafra, ornado com

Um documento precioso para acompanhar o movimento de entradas na Galeria intitula-se Registo, das ofertas, legados, depositos, e incorporações, de objetos de arte, de que a Academia de Belas Artes de Lisboa, foi depositaria275, cobrindo o período de 1838 a 1898. Traça um percurso contínuo de ofertas e alguns depósitos. Na lista de benfeitores encontramos, como vultos mais importantes da sociedade, o próprio rei D. Luís e seu pai, o rei D. Fernando II. Outro importante benemérito foi o Conde de Carvalhido, Luís Augusto Ferreira de Almeida, a quem a Academia tem a agradecer a oferta de inúmeros quadros.

Em 12 de junho de 1884, na sequência da Exposição de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola realizada em 1882, inaugurou no Palácio dos Condes de Alvor, à Rua das Janelas Verdes, o Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia. Segundo José de Figueiredo, embora tenham sido adquiridas muitas obras de arte para o museu, este acabou por usufruir muito menos do que seria desejável das coleções expostas dois anos antes no certame ibérico. Graças ao Legado Valmor276, e não obstante a sua maior aplicação à aquisição de obras para o Museu Nacional de Arte Contemporânea, sempre foi conseguindo adquirir obras importantes, como grande parte da coleção Aragão. O museu continuou a coligir muitos objetos, fruto não só de doações, legados, ofertas e depósitos, mas também de compra e como proteção legal dos objetos pertencentes à Igreja, que foram nacionalizados com a Lei de Separação de 20 de abril de 1911.

Na República: Museu Nacional de Arte Antiga

O Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) resultou da divisão do Museu Nacional de Belas Artes, instituída pelo Decreto n.º 1 de 26 de maio de 1911, que originou também o Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC). Os moldes do desdobramento foram delineados na sessão de 10 de julho de 1911, da Comissão Executiva do CAA1, estabelecendo-se que no MNAA ficassem as obras de arte

275 Cf. Registo, das ofertas, legados, depositos, e incorporações, de objetos de arte, de que a Academia de

Belas Artes de Lisboa, foi depositaria e que pelas sucessivas reformas dos serviços artisticos e nomeadamente pela de 1912, couberam, em partilha, ao Museu Nacional de Arte Antiga, excetuando os provenientes do deposito dos extintos conventos de frades, em 1833, e os dos conventos de freiras, que, natural e subsequentemente se foram extinguindo, objetos que constam de uma relação especial, MNAA,

Arquivo do Dr. José de Figueiredo, Caixa 4, Pasta 2, Doc. 17. Ver Doc. 12 em Apêndice Documental.

276 O Decreto de 4 de junho de 1901 determinou a aceitação do legado do Visconde de Valmor para o

Museu Nacional de Belas Artes (70.000$000 réis), para constituição de um fundo permanente aplicado à aquisição de obras de arte nacionais e estrangeiras, e para a Academia Real de Belas Artes de Lisboa (50:000$000 réis), para subsidiar estudantes e artistas em deslocações de estudo e aperfeiçoamento no estrangeiro. Cf. Collecção Official de Legislação Portugueza, Anno de 1901, Imprensa Nacional, Lisboa, 1902, p. 176. Também disponível em http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/86/133/p209.

produzidas até 1850, apesar de Carlos Reis, designado para dirigir o MNAC, ter previamente avançado a proposta de no museu a seu cargo serem reunidas as obras a partir de início do século XIX. Esta proposta não vingou dada a perspetiva diferente de José de Figueiredo (JF), que argumentou referindo que artistas como Domingos Sequeira eram artistas do século XVIII, mas se mantiveram no ativo até meados do século seguinte, e que não conviria, portanto, separar as suas produções277.

Concordamos com Jorge Custódio, segundo o qual estamos perante um museu novo, pelas coleções e organização, fazendo dele a primeira experiência museológica científica portuguesa, graças à iniciativa de José de Figueiredo, seu primeiro Diretor278. Jurista que cedo trocou o Direito pela História e Crítica de Arte, JF manteve-se à frente dos destinos do museu entre 1911279 e 1937, quando foi substituído por João Couto280.

277 Cf. Actas da Comissão Executiva do Conselho de Arte e Arqueologia da 1.ª Circunscrição 1911-1917

(Livro 1), p. 1, Cópia do ANTT disponível em http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=4611681.

278

Cf. CUSTÓDIO, Jorge Manuel Raimundo Custódio, Ob. Cit., pp. 916 e 917.

279 José de Figueiredo (n. / m. Porto, 21/12/1872 – 18/12/1937). Estudou em Coimbra entre 1888 e 1893,

obtendo o grau de Bacharel em Direito. Entre 1895 e 1901 viveu em Paris, cidade onde desenvolveu o seu amor pela Pintura Antiga e obteve os seus conhecimentos sobre História, Estética e Crítica de Arte, em cursos livres de Arqueologia e História da Arte na Escola do Louvre criada em 1881 para formar os conservadores dos museus franceses, em ateliers de artistas como Rodin, em leituras, por intermédio dos convívios com artistas simbolistas, historiadores de Arte e conservadores de museus como Salomon Reinach. Casado em 1901 com Ana Beatriz Fonseca, descendente de uma família abastada do Porto, entrou em contacto com pessoas influentes da Governação, ascendendo a cargos que iriam permitir a sua atuação no domínio da Cultura. Por influência de António Cândido, tornou-se 1.º Oficial da Direção Geral da Instrução Pública em 24 de novembro de 1901. Em 1902 tornou-se membro da Sociedade Nacional de Belas Artes e vogal do Conselho Superior dos Monumentos Nacionais (dezembro). Em dezembro de 1903 foi aceite como Académico de Mérito da Academia Real de Belas Artes, devido às suas relações com os Ministérios do Reino e das Obras Públicas. Nas sessões daquela última começou a revelar as suas preocupações no âmbito da Conservação Preventiva, defendendo a estabilização da temperatura nas salas de exposição de pintura sobre tábua e o registo fotográfico antes, durante e depois do restauro, e juntamente com Luciano Martins Freire conseguiu criar no Convento de S. Francisco uma pequena oficina de restauro de pinturas. Em finais de 1909, integrou juntamente com Lopes de Mendonça, Alfredo da Cunha, José Pessanha e Michel‟angelo Lambertini a Liga de Educação Estética, que não teve continuidade durante a República. A José de Figueiredo se deveu o reconhecimento internacional de uma Escola Portuguesa, especialmente através da sua obra Arte Portugueza Primitiva: o

Pintor Nuno Gonçalves (1910), publicada em simultâneo com a exibição dos Painéis de S. Vicente em

uma das salas da Academia (maio de 1910). Foi nomeado para o cargo de Diretor do MNAA por Decreto de 29 de maio de 1911, tomando posse no dia 13 de junho seguinte. Cf. PONTES, Teresa, Museologia da

Arte [Texto Policopiado]: conceitos e práticas de José de Figueiredo, Tese de Mestrado em Museologia e

Património, Universidade Nova da Lisboa, 1999, pp. 16-35. Vide também BAIÃO, Joana Margarida Gregório (2014), Ob. Cit.

280

Precederam José de Figueiredo na Direção os pintores António Tomás da Fonseca (1884-1894), António José Nunes (1894-1904) e Carlos Reis (1905-1911). Este último foi, de acordo com José de Figueiredo, completamente inapto para o cargo, havendo uma troca de acusações entre ambos em alguns artigos de jornais nacionais da época. A escolha de Carlos Reis, contrariamente ao que devia ter acontecido, não foi feita pela Comissão Executiva da Academia de Belas Artes, que havia escolhido o escultor Simões de Almeida, mas diretamente pelo Governo, gerando desde logo o desagrado dos membros da Academia. João Couto iniciou as suas funções no MNAA como Conservador Estagiário em 1924, em 1928 tornou-se Conservador Adjunto, passando a efetivo em 1932, destacando-se fundamentalmente nas atividades de extensão escolar. Em 1938 tornou-se Diretor do museu. Sobre o assunto, ver as teses já citadas de Teresa Pontes e Joana Baião.

O artigo 30.º do Decreto n.º 1 descrimina o pessoal do museu. Para além do Diretor havia três Conservadores, um Secretário, um Chefe de Pessoal Menor, um Porteiro, cinco Guardas Efetivos, nove Guardas Auxiliares e um Jardineiro.

Apesar dos esforços de José Luís Monteiro, Luciano Freire e Veloso Salgado em 1901, para selecionar as obras de valor e ocultar as insignificantes, ao tomar posse como Diretor em 1911, José de Figueiredo deparou-se com «um verdadeiro deposito em que a obra de arte autentica desaparecia apagada e perdida entre banalidades ou verdadeiros horrores»281. A falta de critério dos Diretores António José Nunes e Carlos Reis, seus antecessores, refletiu-se a vários níveis: as salas de pintura «continuavam pejadas de quadros […] até à cimalha e sem os cuidados de conservação indispensaveis»282. Nas outras secções os cuidados não eram melhores, com vitrinas repletas de objetos, sem qualquer seleção, ou esculturas sucedendo-se em plintos, muito próximos uns dos outros, pondo em causa a integridade dos objetos, mas também o interesse do público e o prestígio do museu, com um fraco caráter instrutivo. Acrescia a estes factos a impossibilidade de expor alguns quadros adquiridos havia pouco tempo pelo Legado Valmor.

A primeira preocupação de José de Figueiredo foi tratar das obras mais degradadas283 com o auxílio de Luciano Freire, trabalho francamente favorecido pelo legado de Bento da Rocha Cabral (abril de 1921), no valor de 5000$00, para restauro de

281

Cf. FIGUEIREDO, José de, «O Museu Nacional de Arte Antiga, de Lisboa», in Atlantida: Mensário

Artistico, Literario e Social para Portugal e Brazil, Imprensa Libanio da Silva, Lisboa, Ano I [1915], vol.

I, n.º 2, p. 150.

282 Ibidem.

283 No seio da ARBAL, D. José Pessanha lançou as bases para a inventariação das obras de arte (1 de

março de 1910) e foi nomeada a Comissão de Inventário e Beneficiação da Pintura Antiga em Portugal (aprovada por Despacho Ministerial de 15 de abril de 1910), composta por Ramalho Ortigão, José de Figueiredo, José Pessanha, Manuel Macedo Pereira Coutinho e Luciano Martins Freire. Esta comissão manteve-se até ao final dos trabalhos de que estava encarregada, segundo o art. 55.º do DFL n.º 1 de 26 de maio de 1911. Cf. BAIÃO, Joana (2014), Ob. Cit., pp. 167 e 168.

Fig. 15 – O Dr. José de Figueiredo, Diretor do Museu Nacional de Arte Antiga entre 1911 e 1937.

quadros. Depois veio a transformação das salas e a reorganização das exposições, passando pela reconstituição da vida palaciana para que o edifício remetia e pela necessidade de ampliar as instalações, contando para o efeito com a colaboração do arquiteto Adães Bermudes e José Luís Monteiro, logo em 1911.

Neste ano chegou a idealizar a construção de um edifício de raiz no Parque Eduardo VII, mas consciente da magreza orçamental do Estado e da prioridade de outras infraestruturas no campo da instrução, como os liceus, José de Figueiredo contentou-se com o palácio das Janelas Verdes, dadas a carga simbólica do edifício que acolhera a Exposição de Arte Ornamental e o Museu Nacional de Belas Artes, a solidez geológica da zona em que se encontrava construído, resistindo ao Terramoto de 1755, e a possibilidade de expandir o museu à igreja do antigo Convento de Santo Alberto284. Para conceber um autêntico museu, e não mais um depósito de objetos artísticos de valor artístico pouco coerente, José de Figueiredo viajou pela França, Alemanha, Holanda e Espanha, entre outubro e dezembro de 1911.

Em paralelo, preocupou-se em organizar os serviços de inventário, catalogação e investigação, em especial o registo de entradas, inexistente até então285, por estar consciente de que a conjuntura era propícia para o grande número de depósitos e incorporações, o que aliás explica também os atrasos do processo. Para a execução daqueles trabalhos, e «a fim de estudar, em arquivos e colecções de arte, […] pontos

284

Cf. COUTO, João, «Notas para a história da ampliação do Museu das Janelas Verdes», in Boletim dos

Museus Nacionais de Arte Antiga, Lisboa, 1939, vol. I, n.º 1, p. 45. Ver também BAIÃO, Joana (2014), Ob. Cit., p. 426.

285 Cf. PINTO, Augusto Cardoso, «Relatório acerca dos Inventários do Museu das Janelas Verdes

(1939)», in Boletim dos Museus Nacionais de Arte Antiga, Lisboa, 1944, vol. III, p. 47.

Fig. 16 – Sala dos Primitivos Portugueses. Um dos méritos de José de Figueiredo enquanto crítico de arte foi o reconhecimento de uma Escola Portuguesa de pintura, reconhecida internacionalmente.

obscuros da nossa história artística»286, foi publicada a Portaria do Ministério do Interior de 27 de abril de 1912, autorizando José de Figueiredo a deslocar-se em serviço a Madrid, num período de oito dias, sem qualquer encargo para o Estado e sem quaisquer prejuízos para o serviço do museu. Data de 7 de junho desse ano uma nota de JF enviada ao CAA1, dando conta do estado de inventário do museu, na qual são distinguidos os núcleos pré-existentes e outros objetos entrados, dos procedentes dos espólios das corporações religiosas, sendo precisamente estes últimos que se encontravam simplesmente «arrolados e inventariados tecnicamente, para base de catalogo»287.

Para auxiliar o estudo e a produção de informação sistematizada sobre as coleções, em 1913 JF conseguiu apetrechar uma biblioteca privativa e especializada em Arte, que gradualmente foi contando com a boa vontade de variados beneméritos ou com a ginástica financeira e diplomática que o resiliente Diretor implementava. O sistema documental de José de Figueiredo enformou desde cedo um arquivo fotográfico, também ele privativo, contendo exemplares exteriores ao museu, mas onde tinham relevo todas as peças que respeitavam ao trabalho interno, desde as fotografias que acompanhavam o restauro de determinada peça às que testemunhavam os vários espaços museológicos ou objetos das coleções, para efeitos de divulgação. Nestes últimos casos, o MNAA contou sobretudo com trabalhos dos fotógrafos João Carlos Coutinho e Octávio Bobone288.

A criação dos Serviços Administrativos, ao abrigo da Lei Orçamental do Ministério do Interior, de 30 de junho de 1913, foi outra achega ao esforço de desenvolver o sistema documental289. Porém, os planos de inventariação traçados, que constavam de 23 livros de registo (4 de entradas gerais e 18 divididos por 11 secções tipológicas de peças) parecem ter-se resumido ao «livro de fundo da Pintura e três folhas do livro 1 das Artes Industriais […] todos os mais estão virgens de qualquer lançamento e conservam as suas páginas imaculadas como na hora em que saíram do prelo»290. Em 1917 JF decidiu abrir um único livro geral de entradas. Abriu também

286 Cf. Diário do Govêrno, I Série, n.º 100, de 29 de abril de 1912, p. 1545. Disponível no sítio de internet

do Diário da República em http://dre.pt/pdfgratis/1912/04/10000.pdf.

287

Nota anexa a ofício de José de Figueiredo para o CAA1, de 7 de junho de 1912. Copiador de

Correspondência Remetida 1905-1917. Apud BAIÃO, Joana Margarida Gregório (2014), Ob. Cit., pp. 494-495.

288 Cf. BAIÃO, Joana Margarida Gregório (2014), Ob. Cit., pp. 496-500. 289 Cf. Diário do Govêrno, Suplemento, I Série, n.º 150, de 30 de junho de 1913,

http://dre.pt/pdf1sdip/1913/06/15001/00010002.pdf.

290

quatro livros para distinguir a forma de entrada dos objetos: um de incorporações, um de legados e ofertas, um de aquisições onerosas (acrescentado por um livro de registo de faturas aberto em 1914) e um de depósitos.

A partir de 1924, sob proposta de João Couto, ao serviço como Conservador Estagiário, foram empregues novos modelos de verbetes, impressos, uns mais pormenorizados em formato A4 (complementados sempre que necessário por outros com bibliografia, informações e fotografias dos objetos) e outros sumários, em dimensões menores.

A publicação de um catálogo do museu, cuja inexistência chegou a ser criticada, quer por detratores, quer por amigos de JF, foi protelada pelo próprio com a justificação de as constantes incorporações de bens provenientes dos paços reais e da Igreja dificultarem o andamento dos estudos prévios e rigorosos das coleções e a conclusão dos trabalhos de reorganização do museu291. Em março de 1936 ficou pronto o primeiro catálogo-guia do museu, mas por falta de verbas só em 1937 José de Figueiredo resolveu publicar a primeira parte desse trabalho, intitulado Algumas obras de arte do Museu das Janelas Verdes. Em 1938, já sob a Direção de João Couto, foi publicado o Catálogo-Guia do Museu das Janelas Verdes. Este atraso não invalidou, como é óbvio, a divulgação do museu mediante a publicação de estudos mais orientados para determinado objeto ou de artigos em obras como o Guia de Portugal dirigido por Raul Proença, datado de 1924, que voltaremos a referir.

Para JF, a solução programática do museu passava pela criação de ambientes típicos de um palácio seiscentista, dispondo as obras em função do espaço existente, junto das suas contemporâneas, colmatando a impossibilidade de as colocar no seu ambiente próprio, tendência que era seguida nos países mais desenvolvidos, económica e culturalmente. Era o abandono do museu-galeria típico do século XVII e o mise-en-scène das obras, em ambientes simulados para lembrar realidades possíveis292.

Na entrevista a António Cobeira, já citada, publicada na Occidente de 30 de novembro de 1912, JF traça as linhas mestras seguidas na organização das exposições. O tradicional e caótico amontoamento de obras foi substituído por um método resultante

291 Cf. BAIÃO (2014), Ob. Cit., pp. 529-532.

292 Cf. ROQUE, Maria Isabel, «Museologia oitocentista do património religioso em Portugal», in Idearte

– Revista de Teorias e Ciências da Arte, Lisboa, novembro de 2010, nº 6, p. 137. A autora cita José de

Figueiredo, no título O Museu Nacional de Arte Antiga, Separata da Revista Atlântida, Lisboa, s.d. [1915], p. 152: «a obra de arte é apresentada no seu ambiente proprio, colocada entre as suas

contemporaneas e disposta, entre elas, no local que o seu primitivo destino lhes teria presumivelmente dado […] em que as obras expostas, representativas de todos os tempos desde os mais remotos até hoje, se exhibem em compartimentos onde tudo, desde o pavimento ao tecto, nos falla a mesma linguagem».

da súmula de dois critérios, para cativar os espíritos mais eruditos, mas também os visitantes sem qualquer conhecimento estético e artístico: o científico – que respeitava à evolução histórica e aos centros de produção – e o artístico – relativo aos aspectos físicos, materiais, dimensionais e cromáticos das obras, em suma, a dimensão estética.

No documento Os museus em Portugal durante a 1ª República (páginas 147-180)