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Aplicabilidade do Preâmbulo da Constituição

2 DIREITO ENQUANTO CIÊNCIA E DIREITO ENQUANTO OBJETO:

6.4 APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

6.4.4 Aplicabilidade do Preâmbulo da Constituição

No tocante aos preâmbulos das Constituições, inclusive da brasileira, a doutrina se divide, quanto à sua força normativa, em três teses jurídicas: a) a tese de que eles contêm força normativa como qualquer norma constitucional; b) a tese contrária, de que os preâmbulos não têm relevância jurídica, mas somente importância política e/ou histórica; e c) uma terceira tese, sintética, que afirma existir relevância jurídica indireta dos preâmbulos, não se confundindo preâmbulo e preceitos constitucionais.

Por fim, importa destacar que a aplicabilidade das normas constitucionais, a partir do que se convencional ser pós-positivismo, tornou-se preocupação corrente na doutrina e nos tribunais constitucionais europeus, sobretudo no da Alemanha, devido ao crescimento da importância política das Constituições, provocada pelas alterações sociais ocorridas por todo século XX. As Constituições contemporâneas estão carregadas de valores que refletem os anseios dos povos que vivem organizados em sociedades pluralistas e que precisam, cada vez mais, de um documento jurídico capaz de fazer valer concretamente as conquistas individuais, sociais e fraternais da raça humana, representadas pelas sucessivas gerações ou dimensões dos direitos fundamentais. Foi, nesse sentido, que o formalismo jurídico não foi capaz de atender às expectativas das mudanças ocorridas que alteraram profundamente o Constitucionalismo existente nos dias atuais.

7 FORMAÇÃO IDEOLÓGICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

7.1EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A dignidade humana é a raiz fundamentante220 de todos os direitos fundamentais, porque abrange não somente os direitos individuais, mas, também, os sociais, econômicos, políticos e culturais.221

Atualmente, a concepção que se tem sobre direitos fundamentais não passa somente pelo respeito à vida, no seu aspecto biológico, ou seja, estar vivo, singelamente, mas sim pelo respeito à vida com todo o complexo aspecto de sua existência, que, para Hannah Arendt, corresponde às três atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação (vita activa).222Juntas são responsáveis pelas condições básicas mediante as quais a vida foi dada ao homem na Terra.223 Com suas Palavras:

220

CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., P. 378. 221

Neste mesmo sentido, (SARMENTO, Daniel. Direito Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p.137), destaca: “[...] numa reação natural contra os horrores do Holocausto, toda a atenção dos juristas germânicos voltava-se para o estudo dos direitos humanos, que haviam galgado o pedestal axiológico na nova ordem constitucional daquele país, a qual tinha como epicentro o princípio da dignidade da pessoa humana [...]”. (grifos nossos).

Para FOMMERS, Donald (Apud SARMENTO, Daniel, op. cit., p. 141-142) o Tribunal Constitucional Alemão assenta: “É igualmente verdadeiro, no entanto, que a Lei fundamental não é um documento axiologicamente neutro. Sua seção de direitos fundamentais estabelece uma ordem de valores, e esta ordem reforça o poder efetivo destes direitos fundamentais. Este sistema de valores, que se centra na dignidade da pessoa humana, em livre desenvolvimento dentro da

comunidade social, deve ser considerado como uma decisão constitucional fundamental, que afeta

todas as esferas do direito público e privado”. (Grifos nossos).

ROBLES, Gregório. Los Derechos Fundamentales e la Ética en Sociedad Actual. Madri: Civitas, 1995.

222 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 15: “Com a expressão vita activa, pretendo designar três atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação. Trata-se de atividades fundamentais porque a cada uma delas corresponde uma das condições básicas mediante as quais a vida foi dada ao homem na Terra.

“O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano, cujos crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana do labor é a própria vida.

“O trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, existência esta não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie, e cuja mortalidade não é compensada por este último. O trabalho produz um mundo ‘artificial’ de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro de suas fronteiras habita cada vida individual, embora este mundo se destine a sobreviver e a transcender todas as vidas individuais. A condição humana do trabalho é a mundanidade”.

223

A condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi dada ao homem. Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência. O mundo no qual transcorre a vita activa consiste em coisas produzidas pelas atividades humanas [...].224

Mas, na história dos direitos fundamentais, que se confunde com a própria história do Constitucionalismo, esse respeito nem sempre existiu, sendo privilégio de poucas pessoas viverem dignamente, sobretudo, porque a exploração do homem pelo homem sempre colocou a maioria em estado de miséria e escravidão, por ser tratada simplesmente como coisa. Na Grécia antiga, fora bem clara essa servidão, bastando recordar Platão e Aristóteles, que consideravam o estatuto da escravidão como algo natural.225

Em Aristóteles, o homem livre era o senhor de sua família, assim como o rei era senhor para seus súditos. Era uma das funções do senhor, além de comandar, prover a atividade econômica da família, que, naquela época, não passava da simples atividade de subsistência e, para tanto, era necessário ter instrumentos próprios para o exercício dessa atividade doméstica. Nesse sentido, o escravo era um simples instrumento animado.226

Porém, esse pensamento não era uniforme na Grécia antiga, pois os sofistas227 pregavam a igualdade natural entre homens. Deus os criou para serem

224

Idem, ibidem, p. 17.

Encontra-se aqui, em Hannah Arendt, a justificação da evolução dos direitos fundamentais, representadas pelas quatro gerações, haja vista esses direitos corresponderem às conquistas humanas. Para Arendt (2001), tudo aquilo com o qual o homem entra em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência na Terra com dignidade.

225

ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 3 e 9: “A principal sociedade natural, que é a família, formou-se, portanto, da dupla reunião do homem e da mulher, do senhor e

do escravo [grifos nossos].

“[...]

“Chamaremos de despotismo o poder do senhor sobre o escravo; marital, o do marido sobre a mulher; paternal, o do pai sobre os filhos [...]”. (grifos do autor).

226

Idem, ibidem, p. 10-11: “Um bem é um instrumento de existência; as propriedades são uma reunião de instrumentos e o escravo, uma propriedade instrumental animada [...].

“[...]

“O homem que, por natureza, não pertence a si mesmo, mas a um outro, é escravo por natureza: é uma posse e um instrumento para agir separadamente e sob as ordens de seu senhor”. (Grifos nossos).

227

Sofistas eram mestres do conhecimento que pertencia à Sofística. Para os filósofos gregos, ela não era uma escola filosófica, mas sim uma denominação genérica, dada a profissionais gregos portadores de uma cultura geral, mestres da retórica, cujo conhecimento era reduzido à opinião. Para Aristóteles a Sofística era a sabedoria aparente, e não real.

livres, sem nenhuma condição de escravo (neste sentido, o próprio Aristóteles admitia a dissidência).228O Estoicismo229 também pregava em sua doutrina a igualdade entre os homens, porém, de forma universal, isto é, não somente limitada à polis.

Na Idade Média, a Igreja Católica, através do Cristianismo, foi a grande responsável por uma nova visão do homem, agora uma pessoa com valor em si, diferentemente do que ocorrera na polis grega, onde inexistia liberdade fora do Estado, não se concebendo o homem (cidadão) na sua individualidade, pois era absorvido pela dimensão da comunidade política.

Para o Cristianismo, a pessoa é criada à imagem e semelhança de Deus e todos os homens são seus filhos, dotados de igual dignidade. Foi a partir dessa concepção, notadamente do Direito Natural tomista, que se vislumbrou uma certa supremacia de normas jurídicas naturais sobre as positivas, baseadas na própria natureza do homem.

Portanto, foi com a colaboração dessa doutrina cristã e da tradição inglesa de respeito aos direitos individuais, limitando sempre que possível o poder do soberano, através de documentos declaratórios de direitos, que, mais tarde, na Modernidade, deu-se o surgimento da Filosofia da Subjetividade, que mudaria em definitivo o cenário político, jurídico, econômico, cultural do pensamento ocidental e, certamente, a própria historiografia dos direitos fundamentais.230

228

Conforme H. Welzel (apud CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 381).

ARISTÓTELES (op. cit., p. 10) assevera: “[...] outros consideram que o poder senhorial não tem nenhum fundamento na natureza e pretendem que esta nos criou a todos livres, e a escravidão só foi introduzida pela lei do mais forte e é, por si mesma, injusta como um puro efeito da violência”. Aristóteles não cita diretamente quem são esses outros, porém, conclui-se ser os sofistas, pois os estóicos, que, também pregavam a igualdade, agora universal entre os homens, somente surgiram após sua morte.

229

Estoicismo foi uma escola filosófica fundada por volta do ano 300 a.C., por Zenon de Citio, que pregava, em linhas gerais, a primazia dos problemas morais sobre os problemas teóricos. Era dividida em três partes: Lógica, Física e Ética, sendo considerada, juntamente com a filosofia aristotélica, a doutrina filosófica clássica de maior influência na história do pensamento ocidental.

230

Para Canotilho (2003), foi a partir da secularização dos direitos naturais pela teoria dos valores objetivos da escolástica espanhola que surgiu a concepção de Direito Natural, mais tarde desenvolvida por pensadores como Grotius, Pufendorf e Locke.

Com isso, o documento que a maioria dos autores considera o antecedente mais diretamente ligado às declarações de direitos é a Magna Carta inglesa de 1215. Dalmo Dallari sobre o assunto assim declara:

Na realidade, não se pode dizer que as normas da Magna Carta constituam uma afirmação de caráter universal, de direitos inerentes à pessoa humana e oponíveis a qualquer governo. O que ela consagrou, de fato, foram os direitos dos barões e prelados ingleses, restringindo o poder absoluto do monarca. Todavia, essa afirmação de direitos, feita em caráter geral e obrigando o rei da Inglaterra no seu relacionamento com os súditos, representou um avanço, tendo fixado alguns princípios que iriam ganhar amplo desenvolvimento, obtendo consagração universal.231

No corrente dessas declarações inglesas, outras cartas foram de suma importância para a consagração universal dos direitos humanos, tais como a Petition of Rights (1628); o Habeas Corpus Amendment Act (1679); e o Bill of Rights (1688).232 Nesse sentido, Dallari continua:

E na própria Inglaterra, no século XVII, ocorreriam várias reafirmações de direitos, sempre em detrimento do monarca e a favor de seus súditos, mas através da afirmação de preceitos gerais, que iriam servir de exemplo e estímulo para a criação de uma concepção geral de direitos humanos, invioláveis pelo governo ou mesmo pela própria lei.233

Segundo José Afonso da silva, “[...] a primeira declaração de direitos fundamentais, em sentido moderno, foi a Declaração de Direitos do bom Povo de Virgínia”234

(grifos nossos) de 12 de janeiro de 1776, portanto, seis meses antes da Declaração de Independência dos Estados Unidos, que ocorrera em 4 de julho de 1776.

231

DALLARI, Dalmo. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p.206. 232

A Petition of Rights é um documento redigido pelo parlamento inglês dirigido ao monarca onde é solicitado o reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os súditos de sua majestade. O

Habeas Corpus Amendment Act reforçou as reivindicações de liberdade, tornando-se a mais sólida

garantia de liberdade individual e protegendo o cidadão contra as prisões arbitrárias dos déspotas. E, por fim, a Bill of Rights, que decorreu da Revolução Gloriosa de 1688, firmou a supremacia do parlamento, dando inicio à monarquia constitucional. Este documento foi de fundamental importância para as revoluções francesa e americana.

LOCKE, John. Carta da Tolerância; Segundo Tratado sobre o Governo; Ensaio acerca do Entendimento Humano. In:______. John Locke. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Escritos Políticos. In:______. Nicolau Maquiavel. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social; Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. In:______. Jean-Jacques Rousseau. São Paulo: Abril Cultural, 1973. 233

DALLARI, Dalmo. Op. cit., p. 207. 234

A Declaração de Virgínia e das outras ex-colônias americanas, que culminaram com a Declaração de Independência, apesar de estarem preocupadas com suas situações particulares, tiveram grande repercussão política no velho mundo, notadamente em França, que vinha sendo preparada pela burguesia para propagar a sua revolta (já que as teorias filosóficas que forjaram o pensamento liberal emergente eram de origem europeia).235

Foi, portanto, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que os direitos fundamentais inauguraram de forma conceitual, sua primeira dimensão ou geração, ou seja, os direitos individuais (vida, liberdade, segurança e propriedade).

Com os socialistas utópicos Saint-Simon, Owen e outros, e, depois, com os socialistas científicos Marx e Engels, esse pensamento abstrato das liberdades públicas, como se referem os franceses aos direitos individuais, sofreu severas críticas, porque, apesar do movimento industrial do século XIX, que proporcionou o acúmulo de capital e aumento da riqueza, a massa proletária não tinha mais do que sua força de trabalho.

Nesse sentido, o Manifesto Comunista de 1848, de Marx e Engels,236 foi o documento político de maior influência na crítica socialista ao regime liberal-burguês, que acabou influenciando o aparecimento de outras correntes e documentos, como as encíclicas papais, notadamente a Rerum Novarum de 1891, do papa Leão XIII.

Por essa altura, os direitos fundamentais não podiam mais se ater somente aos direitos individuais, sendo os direitos sociais reivindicações cada vez mais recorrentes, o que acabaria por influenciar as Constituições mexicana de 1917, e a alemã de Weimar de 1919.237

235

CASTRO. Flávia Lages de. História do Direito: Geral e Brasil. 8. ed. Rio de janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.

236

Para saber mais sobre essa teoria socialista consultar MARX, Karl. Manuscritos Econômico-

Filosóficos e outros Textos Escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os Pensadores,

XXXV). 237

Para Dalmo Dallari (2005), o movimento industrial do século XIX, ao mesmo tempo em que procurava levar às últimas consequências os princípios individualistas do Liberalismo, promovera a concentração dos indivíduos que nada mais possuíam do que a força de trabalho. Com isso, iria

O homem proletário, na fase aguda do liberalismo do século dezenove, necessitava de melhores condições de trabalho (melhores salários, descanso remunerado, diminuição da jornada de trabalho, férias, dentre outros direitos), até mesmo para ter acesso aos próprios bens que produzia, pois, em assim continuando, vendendo sua força de trabalho para gerar mais-valia para o crescimento do Capitalismo, sem a devida participação na divisão da riqueza produzida, tinha-se uma versão contemporânea do homem-instrumento, de Aristóteles.

E isso já fora uma preocupação em Kant, quando ele afirmava ser o homem um fim em si mesmo. O homo faber cria suas utilidades e não é justo que aqueles que participam do processo não tenham acesso a elas. Para Hannah Arendt, essa exploração do homem pelo homem invariavelmente ocorre na História sempre que o homo faber dita os critérios da sociedade sem uma moral que lhe coloque freios, isto é, sem peias e sem orientação. Nas palavras dessa filósofa:

O utilitarismo antropocêntrico do homo faber encontrou sua mais alta expressão na fórmula de Kant: nenhum homem deve jamais tornar-se um meio para um fim; todo ser humano é um fim em si mesmo. Antes de Kant – por exemplo, na insistência de Locke em que não se deve permitir que um homem seja dono do corpo de outro ou use a força do seu corpo – encontramos certa percepção das funestas conseqüências que o raciocínio em termos de meios e fins, sem peias e sem orientação, invariavelmente tem na esfera política; mas é somente em Kant que a filosofia das primeiras fases da era moderna liberta-se inteiramente das trivialidades do bom senso, encontradas sempre que o homo faber dita os critérios da sociedade.238

deixar muito evidente a existência de desníveis sociais brutalmente injustos e favorecer a organização do proletariado como força política. Além disso, patenteou aos intelectuais e aos líderes não condicionados por interesses econômicos a necessidade imperiosa de se implantar uma nova ordem social, em que todos os homens recebessem proteção e tivessem meios de acesso aos bens sociais. Com a Revolução Russa de outubro de 1917, abriu-se caminho para os Estados socialistas e despertou a consciência do mundo para a necessidade de assegurar aos trabalhadores um nível de vida compatível com a dignidade humana. Surge, então, a partir de então a convicção de que os indivíduos que não têm direitos a conservar são os que mais precisam do Estado.

238

ARENDT, Hannah. Op. cit., p. 168-167.

No tocante a essa responsabilidade que o homo faber tem perante a sociedade pelo fato de ter o poder de ditar seus critérios, como pronuncia Arendt, Apel (2000b) levanta uma questão mais profunda sobre a necessidade de uma macro-ética, universal, que atenda à expansão de possibilidades tecnocientíficas provocada pelo homo faber globalizado, e que, sem dúvida, terá implicação direta nos direitos fundamentais.

Para (APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II: o a priori da Comunidade de Comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2000b, p. 407-409): “Quem reflete sobre a relação entre ciência e ética na sociedade industrial moderna e global, vê-se, a meu ver, diante de uma situação paradoxal. Pois, de um lado, a carência de uma ética universal, ou seja, de uma ética obrigatória para a sociedade humana como um todo, jamais foi tão urgente quanto em nossa era de uma civilização unificada,

Portanto, diante dessa concepção de homo faber há, também, o de homem social, que tem direito à proteção tanto dos valores individuas relativos ao homem natural, quanto dos valores coletivos (trabalho, previdência, saúde, educação, entre outros), inerentes ao homem histórico que produz suas condições de social. A condição humana “[...] compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi dada ao homem,”239 ou seja, além dessas condições ditas naturais “[...] e, até certo

ponto, a partir delas, os homens constantemente criam as suas próprias condições que, a despeito de sua variabilidade e sua origem humana, possuem a força condicionante das coisas naturais”.240

planetária e criada pelas conseqüências tecnológicas da ciência. Por outro lado, a tarefa filosófica de uma fundamentação racional da ética universal jamais pareceu tão difícil e tão sem perspectiva quanto na era da ciência; e isso porque nessa mesma era, a idéia da validade subjetiva, está igualmente prejulgada pela ciência: ou seja, pela idéia cientificista da ‘objetividade’ normalmente neutra ou isenta de valores.

“Consideremos inicialmente um dos lados dessa situação paradoxal: a carência atual de uma ética universal (quero dizer: de uma macro-ética da humanidade que está sobre o planeta terra, dentro de seus limites). Hoje em dia, as conseqüências tecnológicas da ciência proporcionaram um tal escopo e um tal alcance às ações e omissões humanas, que já não é mais possível contentar-se com normas morais que regulem a convivência humana em pequenos grupos e que releguem as relações entre os grupos à luta pela existência, em sentido darwiniano. Se estiver correta a suposição dos etólogos de que até mesmo o canibalismo praticado entre os seres humanos primitivos deve ser entendido como uma conseqüência da invenção do tacape, ou seja, como efeito da perturbação do equilíbrio entre os instrumentos de agressão disponíveis e os instintos inibitórios análogos à moral (essa perturbação é constitutiva do homo faber, a propósito), então essa desproporção teria sido intensificada ‘ad infinitum’ através do desenvolvimento moderno dos sistemas de armamentos. A isso vem acrescer-se, no presente, que as morais de grupo (cujas raízes estão muito freqüentemente em instituições e tradições arcaicas) não logram mais compensar aquela perturbação de equilíbrio constitutiva do homo faber. Pois é provável que não haja exemplo mais típico de ‘assincronia’ entre setores culturais humanos do que o mal-entendido entre a expansão de possibilidades tecnocientíficas e a tendência inercial de morais próprias a grupos específicos.

“Caso se levem em conta os efeitos possíveis das ações humanas hoje em dia, para se distinguir entre um micro-campo (família, casamento, vizinhança), um meso-campo (plano da política nacional) e um macro-campo (o destino da humanidade), então se evidencia que as normas morais efetivas em todos os povos estão concentradas até hoje predominantemente no campo da intimidade (sobretudo