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INVESTIGAÇÃO FENOMENOLÓGICA DO DIREITO

2 DIREITO ENQUANTO CIÊNCIA E DIREITO ENQUANTO OBJETO:

2.2 INVESTIGAÇÃO FENOMENOLÓGICA DO DIREITO

Após a breve análise dos diversos significados do Direito assumidos durante toda sua história, ou seja, Direito como relação jurídica, Direito como valor, Direito como faculdade de agir ou direito subjetivo, Direito como Ordenamento Jurídico ou objeto e Direito como ciência, passemos agora, com mais detalhes, à investigação fenomenológica do Direito a fim de compreendermos melhor o que é fenômeno jurídico enquanto objeto e sua essência.

A Fenomenologia foi desenvolvida como método de investigação filosófica a partir do conceito de fenômeno posto por Kant e do dualismo contido em seus estudos entre fenômeno e consciência, depois continuado por Hegel (2000)34 e, mais tarde, aprofundado por Franz Brentano (1944)35 e Edmund Husserl (2006), Martin Heidegger (2011). Husserl, herdeiro direto dessa filosofia da consciência enquanto estrutura transcendental possibilitadora do conhecimento, nos mostra através de suas obras, sobretudo Investigações Lógicas e Ideias para uma Fenomenologia Pura, que Fenomenologia é, nesse sentido, busca e revelação da essência do fenômeno através da redução eidética ou epoqué.36

A preocupação inicial de Husserl era combater as ideias do psicologismo de tendência naturalista, que não enxergava essa condição a priori da consciência e que, de maneira radical, anulava o dualismo sujeito-objeto, ao afirmar que a realidade é uma só, ou seja, a natureza. Desse modo, a consciência é resultado de eventos fisiológicos ocorridos no cérebro, não aceitando a possibilidade da existência das condições transcendentais da mente humana.

Nesse sentido, Husserl compreendia que o psicologismo impossibilitava o próprio conhecimento científico por não aceitar a apoditicidade da verdade. Para a Fenomenologia, a consciência é uma estrutura transcendental que está além do

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Hegel foi o primeiro filósofo a usar a palavra fenomenologia para indicar o conhecimento que a consciência tem de si mesma no momento da percepção do objeto postado em sua presença, mostrando, dessa maneira, conforme Hegel (2000), que consciência é sempre a consciência de algo do mundo.

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Vide também: CHISHOLM, Roderick M.; SIMONS, Peter. Brentano, Franz Clemens. In: Edward Craig (ed.). Routledge Encyclopedia of Philosophy. London: Routledge, 1998.

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Com outras palavras pode-se dizer que Fenomenologia é a descrição da estrutura específica do fenômeno.

empirismo psicológico, que percebe algo fora de si não como realidade própria, como entendia a metafísica da tradição, mas a partir da idealidade das significações lógicas do sujeito transcendental. Desse modo, Husserl afirmava que o fenômeno não é coisa, mas sim a própria consciência manifestada como intencionalidade, um fluxo temporal de vivências imanentes que modula o objeto diante de si pelo significado e o conhece;37 concluindo, assim, que tudo não passa de fenômeno e que a coisa em si não existe, ao contrário do que pensava Kant.

Dessa maneira, passou-se a entender que fenômeno não só são os objetos naturais, passíveis de serem estudados pelas ciências da natureza (KANT, 1980); mas, também, as coisas imaginadas criativamente pela consciência, isto é, os objetos irreais, imateriais, ideais, tais como o número, as figuras geométricas, o conceito de universalidade, singularidade, entre outros; inclusive as coisas criadas pela práxis humana como as artes, as instituições sociais, as instituições políticas, o valores, a normatividade ética e jurídica, entre outras. Em outras palavras, tudo quanto o homem cria através da ação dotada de sentido e validade e que está na história, portanto, cultura, são fenômenos ou objetos intencionais38 que podem ser

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Nesse ponto vejamos nas palavras de Husserl a relação entre vivências, significado e

conhecimento: “Nesse círculo, consideraremos primeiramente a relação da unidade estática onde o

pensamento que confere a significação é fundado na intuição e se relaciona, por meio dela, a seu objeto. Por exemplo, falo do meu tinteiro e ao mesmo tempo, o próprio tinteiro está na minha

frente, eu o vejo. O nome nomeia o objeto da percepção e o faz por meio de um ato significativo, estampado, em forma e espécie, na forma de nome [esse ato é semelhante e simultâneo ao ato da ‘apreensão’ do objeto, que dá sentido objetivo à percepção].

“[...] Esse caráter de ato faz com que o objeto, no caso, este tinteiro, nos apareça ao modo da percepção. E de maneira semelhante, naturalmente, a palavra que aparece se constitui no ato da percepção, ou da representação na fantasia.

“Portanto, não são a palavra e o tinteiro os que entram em relação, e sim as descritas vivências de ato em que eles aparecem, sem que nelas sejam coisa alguma [sic]. Mas, como pode ser isto? Que é que unifica os atos? A resposta parece clara. Enquanto nomeia, esta relação é mediatizada não somente pelos atos do significar, mas também pelos atos do conhecer, que aqui, aliás, são atos de classificação. O objeto percebido vem a ser conhecido como tinteiro e, na medida em que a expressão significativa é unificada de uma maneira particularmente íntima com o ato classificatório, e na media em que esse ato é por sua vez unificado, enquanto conhecer do objeto percebido, com o ato da percepção, a expressão aparece como que aplicada à coisa, como se fora sua vestimenta [sic]”. (grifos do autor). (HUSSERL, Edmund. Investigações Lógicas: Sexta Investigação: Elementos de uma Elucidação Fenomenológica do Conhecimento. Tradução de Zeljko Loparic e Andréa Maria Altino de Campos Loparic. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 24-25. (Coleção os Pensadores). 38

(BRENTANO, 1944) desenvolveu considerações lógicas interessantes e complexas sobre sua noção de objetos intencionais. Ele tinha o entendimento de que o marco distintivo do fenômeno mental era a inclusão intencional de um objeto em si mesmo, sendo que esse objeto intencional poderia ou não se referir a uma realidade material, física; contudo, a experiência mental desse objeto se mostra para a consciência como um fenômeno real. De qualquer sorte, esta noção de objeto intencional imaterial aparece na psicanálise de Freud (mas não se sabe se Freud aproveitou, nesse sentido, as ideias de Brentano), quando ele considera que alguns traumas da infância podem ter

conhecidos cientificamente, agora não pelas ciências da natureza, mas pelas ciências culturais ou do espírito.

A ampliação do conceito de fenômeno por Husserl revelou que estes possuem diferentes tipos de essências e que elas são significações39produzidas pela consciência enquanto doadora universal de sentido do mundo. Quer dizer, se a consciência é a consciência de algo (MENESES, 1992), o fenômeno, por sua vez, então, é fenômeno para a consciência, ou seja, um não existindo sem o outro. Isso nos revela que os objetos culturais são fenômenos criados pelo homem e para o homem com valores especificamente humanos.

Desse modo, a Fenomenologia40 é a descrição de todos os fenômenos e suas diferentes essências e diversas realidades situadas em lugares tidos como regiões do ser, tais como região Consciência, região Arte, região Lógica, região Matemática, região Ética, região Política, região Jurídica, entre outras, criando assim as ontologias regionais.

Assim sendo, é possível uma Ciência do Direito: primeiro, por ser uma Ciência do Espírito; segundo, por ter especificamente um objeto cultural próprio que é o fenômeno jurídico. Nesse caso, as sentenças da Ciência do Direito buscam conhecer (através da metodológica própria das ciências humanas, o método histórico-compreensivo) o Direito como objeto; enquanto o Direito objeto é feito de sentenças de natureza normativa, que não objetiva conhecer, mas sim regular, orientar.

origem em fatos reais ou imaginários, mas que, do ponto de vista psicológico, são reais. Assim, podemos concluir, a partir daqui, que os objetos intencionais imateriais funcionam como ponto de partida para a existência dos fenômenos culturais, já que esses são tidos como objetos criados pela imaginação criadora da mente; nesse caso, especificamente, o Direito é um objeto cultural imaterial de natureza prática.

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Idem, ibidem, p. 18: “Sem dúvida seria possível dizer que a objeção prova apenas que a

significação é insensível a tais diferenças entre percepções singulares; a significação residiria precisamente em algo comum que cada um dos múltiplos atos de percepção relativos a um mesmo objeto traz em si”. (grifos do autor).

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As sentenças da Ciência Jurídica conhecem, não regulam;41 explicam/compreendem, não orientam. E esse é o ponto de Arquimedes da fenomenologia do Direito, ou seja, é a identificação do fenômeno jurídico como objeto intencional e o como ele se manifesta no mundo perante a consciência.

Compreender o Direito42 como fenômeno jurídico é uma tarefa filosófica complexa, como, aliás, são todos os fenômenos culturais, pelo fato de nós fazermos parte do próprio objeto a ser estudado, o que dificulta a visão crítica. E nesse sentido, no entendimento de Gadamer, para se compor uma atitude reflexiva sobre os objetos culturais, faz-se necessário exercitar a dialética da participação e distanciamento, isto é, perto e longe, dentro e fora do objeto.43 Portanto, para compreender o Direito é preciso, na verdade, viver o Direito; senti-lo, ao mesmo tempo em que o observa e é observado. Seria o mesmo que, mutatis mutandis, sentir a dor, o medo, o prazer, enquanto desempenha uma atitude reflexiva sobre essa dor, esse medo, esse prazer; para, então, poder falar criticamente sobre esses sentimentos e dizer o que eles são, quais suas essências.44

Nesse sentido, o Direito como objeto cultural é resultado de nossa experiência social e histórica; se revela no mundo da vida45 como realidade humana que permeia nossas vivências de maneira tão forte e intensamente presente que poderíamos afirma: onde há o homem há o Direito. Sendo o Direito, então, tão atuante em nossas vidas, de que modo ele nos aparece? Como ele se mostra a

41 REALE, Miguel. Op. cit., p. 508: “A expressão regula é de uma clareza extraordinária, não só porque conserva a antiga raiz – reg, que determina a idéia de enlace ou comando -, como também porque lembra a idéia de medida e de medida em concreção.

“Em português, temos duas palavras que se originam de regulam: - uma é regra; a outra é régua.

Régua, segmento de direção, no plano físico; regra, sentido de direção no plano ético, linha de

comportamento”. (grifos do autor). 42

Doravante, para facilitar o entendimento do uso da palavra direito em nosso trabalho, quando quisermos citar Direito como objeto, fenômeno, norma, Ordenamento Jurídico, sistema de normas, entre outros termos correlatos, utilizaremos simplesmente o termo Direito. Por outro lado, quando nos referirmos ao Direito enquanto ciência, o indicaremos somente através dos termos: Ciência do Direito ou Ciência Jurídica.

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Sobre esse assunto, voltaremos a abordá-lo no capítulo oitavo desta tese.

44REALE, Miguel. Op. cit., p. 367: “É nesse amplo sentido que consideramos de real alcance a análise fenomenológica no plano da Filosofia Jurídica, reconhecendo, no entanto, que as intuições são pontos de partida para a compreensão total, que só poderá ser alcançada graças à reflexão histórico- axiológica ou, o que vem a dar no mesmo, em virtude do conhecimento da realidade jurídica como um processo dialético que integra em unidade viva os interesses ou valores que se implicam e se polarizam na experiência social”.

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Sobre o conceito de mundo da vida, consultar HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-Metafísico: Estudos Filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, p. 88.

todos no dia-a-dia? Para o filósofo brasileiro Miguel Reale (2002), o Direito é antes de tudo experiência social, posto que é fato humano que só existe porque o homem vive em sociedade a relacionar-se com o outro, sempre; daí a bilateralidade do Direito defendida por Del Vecchio. Mas, somente isso não basta para identificar o Direito. Se o Direito é fato social, é, então, cultural. E sendo cultural, toda e qualquer conduta humana é carrega de valor que qualifica as experiências sociais em diferentes tipos, tais como religiosas, éticas, políticas, econômicas, entre outras. Sendo, ainda, esses valores bens matérias e imateriais que devem ser protegidos por uma ordem normativa de acordo com os interesses e subjetividades de cada membro da sociedade em equilíbrio com os interesses da coletividade; nascendo, assim, o valor jurídico, pois não existe sociedade civil, como já postulara Hobbes e Rousseau, sem garantia e proteção do Estado normatizando a conduta de cada um. Senão, viveríamos ainda no estado de natureza, selvagens, sem lei e sem ordem, todos contra todos (sem se pensar, para este momento, se o homem era bom ou mau antes de viver em sociedade). O fato é que, para defender-se de si mesmo, portanto, o homem cria, através do Estado, regras de conduta que passam a regular a convivência social, com intuito de proteger bens jurídicos e garantir direitos.46 Eis, enfim, respondendo às duas indagações formuladas, o Direito como fato, valor e

norma; a tridimensionalidade objetiva do fenômeno jurídico.47

46 Dessa mesma maneira RADBRUCH, Gustav. Op. cit., p. 162: “O ordenamento jurídico e as normas jurídicas são conceitos diretamente referidos a um valor, fatos reais que, segundo seu sentido, estão a serviço da justiça; a vida jurídica e os fatos jurídicos são conceitos indiretamente referidos a um valor, fatos que, segundo seu sentido, devem corresponder ao ordenamento, às normas jurídicas, que, por sua vez se orientam pela idéia de justiça”.

47Idem, ibidem, p. 509: “Eis aí, portanto, através de estudo sumário da experiência das estimativas históricas, como os significados da palavra Direito se delinearam segundo três elementos fundamentais: - o elemento valor, como intuição primordial; o elemento norma, como medida de concreção do valioso no plano da conduta social; e, finalmente, o elemento fato, como condição da conduta, base empírica da ligação intersubjetiva, coincidindo a análise histórica com a da realidade jurídica fenomenologicamente [grifo nosso] observada.

“Encontraremos sempre estes três elementos, onde quer que se encontre a experiência jurídica: - fato, valor e norma.

“[...]

“Esta discriminação assinala, todavia, apenas um predomínio ou prevalência de sentido, e não uma tripartição rígida e hermética de campos de pesquisa. A norma, por exemplo, representa para o jurista uma integração de fatos segundo valores, ou, por outras palavras, é expressão de valores que vão se concretizando na condicionalidade dos fatos histórico-sociais”. (grifos do autor).

Desse mesmo modo conclui Reale:

A análise fenomenológica da experiência jurídica, confirmada pelos dados históricos sucintamente lembrados, demonstra que a estrutura do Direito é tridimensional, visto como o elemento normativo, que disciplina os comportamentos individuais e coletivos, pressupõe sempre uma dada

situação de fato, referida a valores determinados. (grifos do autor).48

Para Miguel Reale, todavia, essa realidade trivalente do Direito não quer dizer que ele seja repartido em três momentos distintos; pelo contrário, são eles segmentos intestinais do Direito, dele fazendo parte de forma unitária e concreta. O Direito é, nesse sentido, ser e dever-ser,49 na medida em que não há fato jurídico sem norma e valor, como, também, não haveria norma e valor sem a concretude dos fatos; recorrendo-se, assim, aos ensinamentos de Max Scheler e Nicolai Hartmann na compreensão dessa essencialidade dinâmica do Direito revelada através do enlace entre fato, valor e normatividade jurídica. E tudo isso se mostra, sobretudo, de maneira mais evidente, na realidade jurídica de nossos dias, onde o concreto e o abstrato (fato e valor) se encontram no momento normativo da aplicação dos princípios constitucionais, conforme tem sido amplamente defendido pelos teóricos do Direito Constitucional alemão, com destaque para as propostas concretista de Friedrich Müller, Konrad Hesse e Peter Häberle.

Porém, a compreensão desse dinamismo tridimensional do Direito, defendido por Reale, não era uma teoria pacificamente aceita por todos os juristas do início do século passado, ao ponto de Kelsen afirmar que o aspecto normativo do Direito é o essencialmente jurídico. A Teoria Pura do Direito coloca em relevo somente o caráter operacional e instrumental do Direito, que deve ser organizado pelo Estado

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REALE, Miguel. Op. cit. p. 511. 49

Nesse ponto, REALE, Miguel. Op. Cit., p. 469, assim declara: “Na segunda fase do pensamento kelseniano, o dever ser como que perde seu caráter de estrutura lógica pura, para adquirir certo sentido dinâmico de cunho metodológico funcional. Aquilo que deve ser não paira mais no plano puramente lógico, mas tende a converter-se em realidade pragmática, em momento de vida social. Estamos, aliás, de acordo em reconhecer o valor desta concepção. Desde os nossos primeiros estudos sobre a matéria, em 1934, mostramos a impossibilidade de uma separação rígida entre o mundo do ser e do dever ser, concebidos como categorias ontológicas radicalmente distintas. Ora, é impossível focalizar-se o problema da funcionalidade de dever ser e ser, como assunto de Teoria do Direito, sem necessariamente se ultrapassar a esfera da Lógica Jurídica, ou seja, sem se correlacionar o que está prescrito na norma jurídica in abstracto com o que ela efetivamente representa no plano concreto dos comportamentos humanos”. (grifos do autor).

através de uma arquitetônica hierárquica, coerente e lógico-dedutiva, cujo fundamento se apoia em uma norma hipotética fundamental que dá validade normativa e integra o sistema.50 O eminentemente jurídico não deve estar preocupado com o conteúdo axiológico da norma, mas sim com a consequência lógica de sua imputação que é a sanção jurídica. O sujeito pode até agir em conformidade com a norma por motivos éticos, mas isso não interessa ao Direito. Para Kelsen, assim como no mundo do ser (reino da necessidade), o princípio é a causalidade, no mundo do dever-ser (reino da liberdade), o princípio é o da imputabilidade; ou seja, respectivamente: se é A tem de ser B (natureza); se é A deve ser B (sociedade).

Nesse sentido, a fundamentação do Direito vigente, de natureza exclusivamente formal, é feita a partir da norma hipotética fundamental, como se a Ordem Jurídica fosse um sistema matemático. A essência do fenômeno jurídico, assim, é a normatividade representada por um formalismo de base kantiana.

Mas, sabe-se que na atual fase pós-positivista do Direito, novos rumos foram tomados e o antigo esquema exageradamente formal está totalmente superado.

A velha dicotomia, Direito Natural e Direito Positivo, que tantos embates jurídicos forcejou no passado, hoje está ultrapassada, pois o Direito Natural fora revestido de Direito Humano desde a Revolução Francesa, e, atualmente, faz parte do Direito Positivo através dos direitos fundamentais que se tornaram a finalidade do Direito, reaproximando, sem contravolta, o Direito da Moral.51 Com isso, mudou toda a arquitetônica do Direito Positivo, que se lança para o mundo da vida carregado de

50 REALE, Miguel. Op. cit. p. 466: “Como neokantiano, Hans Kelsen concebera, inicialmente, as normas como esquemas de interpretação da experiência social possível, experiência que só é propriamente jurídica enquanto referida a normas de Direito, cuja validez não resulta de sua correspondência aos fatos, nem do conteúdo que possam ter, mas tão-somente de sua situação no interior do sistema, ligando-se uma norma à superior, por nexos puramente lógicos, e assim sucessivamente, até se alcançar a norma fundamental recebida como pressuposto da ordem jurídica positiva, ou ‘fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a um mesmo ordenamento”. (grifos do autor).

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Nesse sentido, Dreier apud Habermas (1997a) afirma que o Direito tem que ser justificado eticamente. (Aqui Dreier, segundo Habermas, emprega a expressão Ética no mesmo sentido de Moral).

Diferentemente, Weber apud Habermas (1997b) entende que o Direito possui uma racionalidade própria e não depende da Moral para fundamentar essa racionalidade. Concepção já superada em Habermas, Apel, Alexy, Dreier, dentre outros).

valores através dos princípios constitucionais. E nesse caso, onde muda a estrutura, a infra-estrutura forçosamente também muda, sob pena, de mais cedo ou mais tarde, essa nova arquitetônica jurídica ruir por estar fundada num alicerce filosófico inadequado que é a Filosofia da Subjetividade em Kant. Ou seja, se o fenômeno jurídico é alterado em face das inúmeras transformações ocorridas por todo o século passado, a partir do embate jurídico Kelsen-Schmitt e do materialismo jurídico surgido Pós-Segunda Guerra Mundial, colocando o Direito Constitucional como centro irradiante do Ordenamento Jurídico; faz-se necessário, portanto, repensar o fundamento do Direito. Se a realidade jurídica mudou, seu fundamento, também, deve ser mudado. Dessa maneira, qualquer proposta de fundamentação do Direito atual deve levar em conta a essência do Direito justo, que deixa de ser feita exclusivamente de formalismo normativo para se aproximar muito mais do tridimensionalismo dinâmico de Reale.

Nesse caso, a velha estrutura do Direito fundada nos preceitos filosóficos da Filosofia kantiana não mais dá conta desse novo Direito que se mostra agora como forma e conteúdo (moral), como bem reconhece Robert Alexy, em sua proposta de Direito Moral.

Assim sendo, nossa proposta de fundamentação do Direito leva em conta toda essa mudança fenomenológica do Direito, como, também, a influência da Tópica Jurídica de Viehweg e a reinserção da dialética no mundo jurídico, que o tornou nuclearmente argumentativo; adéqua-a, ainda, aos avanços tidos na