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2 DIREITO ENQUANTO CIÊNCIA E DIREITO ENQUANTO OBJETO:

2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLISSEMIA DA PALAVRA DIREITO

2.1.4 Direito Enquanto Ordenamento Jurídico

Se perguntássemos às pessoas leigas em Direito, de visão comum, de conhecimento vulgar e não científico o que para elas seria o Direito, parte dessas pessoas diria que Direito é lei; outra parte responderia que Direito é justiça; também teriam aquelas pessoas que diriam que Direito é ciência; e uma quarta parte diria que Direito é correção, ou seja, é agir corretamente, é vivência ou viver conforme as virtudes.22 Nesse caso, é comum ouvir as pessoas dizerem que agir dessa ou daquela maneira é ou não é direito, no sentido de ser ou não virtuoso. Isso ocorre, conforme já exposto, devido ao multifacetado sentido desse fenômeno cultural que é o Direito.23 De acordo com Miguel Reale (2002), o fenômeno jurídico é fato, valor e norma; um objeto de estrutura tridimensional, complexo por natureza, que pode ser estudado por diversas ciências a depender do enfoque observado, tais como a Sociologia, a Filosofia, a História, a Psicologia, a Ciência do Direito, entre outras. Por esse aspecto, a complexidade do fenômeno jurídico sempre foi motivo de muitos debates doutrinários com finalidade de se saber qual é a essência desse fenômeno que o torna jurídico. É o fato, o valor ou a norma? O que torna uma conduta humana ou relação social numa relação jurídica é a incidência normativa, ou seja, é a existência de uma Ordem Jurídica dentro da Ordem Social24 que qualifica o fato

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Sobre direitos fundamentais, dedicamos o sétimo capítulo desta tese estudo específico. 22

LÉVY-BRUBL, Henri. Sociologia do Direito. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 3: “A palavra ‘direito’, em francês (como em inglês, right; em alemão

Recht; em italiano, diritto, etc.), liga-se a uma metáfora na qual uma figura geométrica assumiu um

sentido moral e depois jurídico: o direito é a linha reta, que se opõe à curva, ou à oblíqua, e aparenta- se às noções de retidão, de franqueza, de lealdade nas relações humanas”. (grifos do autor). 23 REALE, Miguel. Op. cit., p. 497: “Quando passamos, porém, para as ciências sociais ou humanas, encontramos palavras que albergam uma multiplicidade de sentidos, razão pela qual Bergson já nos disse que as palavras são prisões capazes de receber múltiplos conteúdos. É preciso, às vezes, partir tais esquemas e estruturas formais, para penetrarmos na riqueza de seus significados. A multiplicidade de acepções é, aliás, muito maior quando se trata daquelas palavras que o homem emprega com mais freqüência, porque dizem respeito a exigências essenciais à própria vida”.

24BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 25-26: “As normas jurídicas, às quais dedicaremos de modo particular a nossa atenção, não passam de uma parte da experiência normativa. Além das normas jurídicas, existem preceitos religiosos, regras morais, sociais, costumeiras, regras daquela ética menor que é a etiqueta, regras da boa educação, etc. Além das normas sociais, que regulam a vida do indivíduo quando ele convive com outros indivíduos, há normas que regulam as relações do homem com a divindade, ou ainda do homem consigo mesmo. Todo indivíduo pertence a diversos grupos sociais: à Igreja, ao Estado, à família, às associações que têm fins econômicos, culturais,

social em fato jurídico. Nesse ponto, o poder normativo que pertence ao Estado25 é formado por um sistema lógico, hierárquico e coerente de normas que se chama Ordenamento Jurídico, também conhecido como Direito Objetivo;26 sendo exatamente esse enfoque, o normativo, que interessa à Ciência do Direito. Para Bobbio (2008), o Ordenamento Jurídico faz parte de nossas vidas desde quando nascemos, crescemos, estudamos, casamos, temos nossos filhos e quando morremos. Todas nossas vidas são ditadas por princípios e regras jurídicas, que evoluem com o tempo e se aperfeiçoam a cada crise de nossa experiência social, como a ocorrida no evento da Segunda Guerra Mundial. Nesse caso, esse acontecimento global provocou profundas alterações nos Ordenamentos Jurídicos nacionais, que passaram, desde então, a dar mais proteção e garantias aos valores ético-fundamentais; o que aproximou o Direito da Moral27 de maneira inexorável; deixando para trás a natureza excessivamente formalista do Direito de herança kelseniana e dando espaço para a ideia de um novo Ordenamento Jurídico de natureza argumentativa. Ressalte-se, com isso, que é exatamente essa nova arquitetônica jurídica que possibilita nosso projeto de fundamentação do Direito Positivo a partir do que denominamos princípio inaugural ético-discursivo do Direito, que não é hipotético, posto que ele é pressuposto transcendentalmente a partir da lógica reflexiva28 da Ética do Discurso em Karl-Otto Apel.29

políticos ou simplesmente recreativos. Cada uma dessas associações se constitui e se desenvolve através de um conjunto ordenado de regras de conduta”.

SALDANHA, Nelson. Sociologia do Direito. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 70-71: “O caráter de fato social atribuível ao Direito não invalida a sua consideração interna, normativa e sistemática. Apenas enfatiza sua inserção social. Pode-se inclusive encarar a condição social do Direito através da visão da constância ‘social’ que as relações jurídicas apresentam. As relações entre os homens se estabelecem ou reestabelecem [sic], se estabilizam ou reestabilizam [sic] mediante o Direito, e tal função é evidentemente social”. (grifos do autor).

SALDANHA, Nelson. Ordem e Hermenêutica. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

25 Diferentemente, Duguit defende a “existência de um direito anterior e superior ao Estado.” DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Ed., 2005, p. 11.

26 LÉVY-BRUBL, Henri. Op. cit., p. 4: “Entende-se por direito objetivo a norma – ou o conjunto de normas – que se aplica a indivíduos (ou a coletividade) e que deve ser observada sob pena de incorrer numa sanção”. Já ordenamento jurídico é uma expressão italiana já integrada em nossa língua.

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ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 11: “A positivação não anula a validez moral dos direitos do homem. Ela acrescenta-lhe somente uma validez jurídica. Com isso estão, no conceito de direitos fundamentais, necessariamente, unidos direito e moral”.

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GOYARD-FABRE, Simone. Os Fundamentos da Ordem Jurídica. Tradução de Cláudia Berliner. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 299-300: “Em Transformação da filosofia [Karl-Otto Apel], relata como, para atingir seu objetivo, teve, por um lado, de distanciar-se da filosofia analítica que lhe parecia atolar-se no empirismo, sem deixar de desconsiderar suas conquistas e, por outro, meditar sobre o poder de renovação da problemática kantiana da fundação transcendental da ética que lhe parecia estar contida na obra de Charles S. Pierce. Foi assim levado ao método de trabalho