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Capítulo 2. Um recorte dos direitos autorais na sociedade da informação

2.3. Apontamentos para uma reforma da lei

A regulação dos direitos autorais na internet percorreu um longo e tortuoso caminho nos últimos 20 anos. Esforços para compatibilizar o sistema à realidade digital foram incontáveis, principalmente na esfera acadêmica, não se limitando somente às quatro frentes que acabamos de analisar.

O primeiro grande esforço brasileiro para adequar a regulação dos direitos autorais na internet foi o APL de reforma da LDA proposto pelo Ministério da Cultura em 2010. Ainda que seu objetivo não fosse subverter o sistema do direito autoral em sua estrutura fundamental, o projeto contou com a participação de todos os interessados através de um processo de consulta pública. Autores, detentores de direitos autorais, representantes do governo e consumidores participaram do projeto cujo objetivo era equilibrar o “direito de autor com outros direitos e princípios da ordem jurídica brasileira325”. Em outras palavras: equilibrar a sua função promocional e sua função social.

Para podermos avaliar o sucesso ou insucesso do texto do APL, é necessário apontar os principais pontos descritos neste capítulo onde há evidente ou potencial desequilíbrio entre as duas funções e, que em nossa opinião, deveriam ser endereçados em qualquer tipo reforma da lei atual. Estes pontos controversos foram endereçados ao longo de todo o capítulo, mas

325 Fonte: <http://www2.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/duvidas-frequentes/> Acesso em 24 de maio de

vale sua esquematização de forma breve, baseando-nos na divisão estabelecida no início deste capítulo:

(i) Quanto aos problemas de regulação do suporte, duas grandes questões podem ser apontadas:

A proibição da cópia privada na lei atual, aplicável tanto ao uso pessoal e para interoperabilidade, o que prejudica imensamente o acesso à obra, cerne fundamental da função social do direito autoral; e

Há a necessidade de estabelecer limites para utilização de tecnologias de DRM, de forma a compatibilizar sua tutela com os limites ao direito autoral. Como a lei atual apenas proíbe indistintamente a evasão, a função social do direito autoral (mais especificamente o acesso à cultura) fica amplamente prejudicada.

(ii) Quanto aos problemas relacionados à regulação do meio, as questões são ainda mais complexas:

É fundamental criar um sistema de regulação de provedores de aplicação por violação de direito autoral cometida por seus usuários. Este sistema é amplamente necessário para desestimular a criação de plataformas de compartilhamento de conteúdos ilícitos, como alguns cyberlockers, e garantir direitos e deveres a plataformas de compartilhamento de conteúdo majoritariamente lícito, principalmente aquelas de UGC, como o YouTube e o SoundCloud.

Estas plataformas têm papel central na promoção e divulgação de obras culturais na internet, e regular sua atividade é necessário para evitar sua responsabilização desenfreada por conteúdo compartilhado por seus usuários, bem como dirimir eventuais abusos que podem cometidos pela própria plataforma com relação às obras lá divulgadas, a exemplo dos mecanismos de digital fingerprinting descritos anteriormente; e

Há a necessidade de estabelecer um mecanismo de regulação de tecnologias de rastreamento de violações ao direito autoral na internet, definindo limites para sua utilização, de forma com que elas não possam ser usadas como ferramenta de censura.

(iii) Por fim, com relação às novas formas de produção cultural:

Para compatibilizar o sistema à produção cultural contemporânea, principalmente com relação a obras da cultura do remix e a ascensão do user generated content, onde obras preexistentes são amplamente utilizadas para a elaboração de obras

novas, é necessário rever o rol de limitações aos direitos patrimoniais e morais do autor, dando a elas mais abrangência e mais clareza em sua relação com utilizações não autorizadas, principalmente com relação à produção amadora. Do contrário, obras pertencentes a estas culturas seriam majoritariamente ilegais, independentemente de sua finalidade crítica ou educativa e caráter amador e não- lucrativo, o que consistiria em um verdadeiro desestímulo à produção cultural. No próximo capítulo, analisaremos como o Anteprojeto de Reforma da LDA lidou com estas dificuldades, avaliando se as saídas propostas por ele são satisfatórias na resolução dos problemas aqui apontados e quais seriam seus impactos nas funções promocional e social do direito autoral se o texto do Anteprojeto tivesse prosperado.

Capítulo 3. A Reforma da Lei de Direitos Autorais

Como visto ao longo do presente trabalho, a inadequação da lei autoral brasileira frente ao cenário contemporâneo é algo que incomoda ambos os lados do debate: os maximalistas entendem que a lei deve ser marginalmente alterada de forma a proteger ainda mais o interesse dos detentores de direitos autorais frente ao cenário tecnológico, coibindo práticas como a pirataria e outras utilizações não autorizadas; os anti-maximalistas entendem que a lei é muito restritiva quanto aos interesses da sociedade, mais ainda frente aos novos paradigmas trazidos pelas novas tecnologias e deve ser mudada de forma a flexibilizar-se e proteger tais interesses. Independente dos motivos, pode-se dizer que há um razoável consenso no sentido de que a lei deve sim ser repensada.

A atual Lei de Direitos Autorais, que completou dezoito anos em 2016, é fruto de um período em que todos os problemas e questões analisados ao longo do Capítulo 2 eram incipientes ou ainda inexistentes. Passado todo este tempo, temos uma lei que opera na lógica analógica, mas é aplicada em um período absolutamente digital.

A trajetória do presente trabalho até agora foi estabelecer: (i) quais deveriam ser as funções que o sistema normativo dos direitos autorais precisa atender e qual o impacto da estrutura normativa contemporânea no cumprimento delas; (ii) quais foram os desafios que as novas tecnologias trouxeram ao sistema; (iii) quais foram as respostas regulatórias desenvolvidas para sanar os problemas trazidos por estas tecnologias; e, por fim, (iv) de que forma estas respostas regulatórias interferem no equilíbrio entre as duas principais funções do sistema, qual seja a função promocional e social do direito autoral.

Tendo em mente o diagnóstico apresentado, o presente capítulo pretende avaliar o sucesso ou insucesso da primeira (e única) tentativa de reforma geral da Lei de Direitos Autorais brasileira na contemporaneidade. Esta tentativa de reforma é bastante relevante, uma vez que contou com duas consultas públicas online conduzidas pelo Ministério da Cultura (MinC) em 2010 e 2011, nas quais foram recebidas diversas contribuições dos mais diversos setores da sociedade, stakeholders da cultura, desde acadêmicos entusiastas do software livre até a Motion Picture Association (MPA).

A idiossincrasia das contribuições teve seus reflexos gravados nos textos consolidados do Anteprojeto de Reforma da Lei de Direitos Autorais, que contou com três versões distintas: o texto inicial elaborado pelo MinC, um texto consolidado após a primeira fase da consulta pública em 2010 e um terceiro texto consolidado após a segunda fase da consulta pública em 2011.