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Capítulo 3. A Reforma da Lei de Direitos Autorais

3.1. O Anteprojeto de Reforma da Lei de Direitos Autorais do Ministério da Cultura

3.1.2. Segunda fase da Consulta Pública (2011)

A nomeação de Ana de Hollanda para assumir o MinC foi acompanhada de diversas controvérsias à época. A ex-Ministra foi acusada de ter vínculos com o ECAD, o que poderia tornar a atividade do MinC com relação à reforma da LDA e à fiscalização dos processos de arrecadação e distribuição de direitos de execução pública enviesados361. Mais ainda, a ex- Ministra irritou diversos proponentes da cultura digital ao retirar do site do MinC as licenças Creative Commons362, implementadas na gestão Gilberto Gil, que permitiam com que o conteúdo do site pudesse ser utilizado livremente, o que foi visto por alguns como uma afronta ao direito de acesso à cultura363.

De qualquer jeito, o APL voltou da Casa Civil para o MinC para reanálise, e Ana de Hollanda colocou o texto consolidado mais uma vez em consulta pública, desta vez por pouco mais de um mês, entre o dia 25 de abril ao dia 30 de maio de 2011.

361 Jotabe Medeiros, do blog Farofafá, divulgou alguns documentos que supostamente apontavam para o vínculo

da ex-Ministra com o ECAD, alegando que o MinC advogou em favor do ECAD na da CPI do ECAD, quando o Escritório foi acusado de cartelização e gestão fraudulenta. Os documentos e as acusações circularam em grandes veículos de mídia, para além do blog de Medeiros. Ver:

<http://farofafa.cartacapital.com.br/2012/03/12/ministerio-do-ecad/>;

http://link.estadao.com.br/noticias/geral,cresce-pressao-por-saida-de-ana-de-hollanda,10000036131>; e <http://veja.abril.com.br/brasil/ana-de-hollanda-refuta-criticas-sobre-ecad/> Acesso em 28 de outubro de 2016.

362 Fundada em 2001 por Lawrence Lessig, Eric Eldred e Hal Abelson, a Creative Commons Corporation é uma

organização sem fins lucrativos que tem como finalidade principal o desenvolvimento de licenças jurídicas que podem ser utilizadas por qualquer autor para que eles possam disponibilizar suas obras online na forma de modelos abertos (LEMOS, 2005, p. 82). O sistema de licenciamento via Creative Commons é voltado exclusivamente a obras digitais (ou digitalizadas) e funciona de maneira simples: por meio do site creativecommons.org, qualquer autor interessado pode inserir no arquivo de sua obra digital uma das licenças disponibilizadas na plataforma. As licenças visam garantem ao público a liberdade de determinadas utilizações, escolhidas pelo detentor de direitos autorais quando do licenciamento via Creative Commons. No final das contas, esta modalidade de licenciamento é simplesmente uma maneira transparente de o público em geral ter mais segurança na utilização de obras protegidas. A utilização destas licenças pelo MinC demonstrava uma clara preocupação do órgão em viabilizar a utilização do material lá disponível pela população. Neste sentido, a atitude de Ana de Hollanda soou como uma afronta aos direitos de usuários. Para mais informações sobre o programa e sobre as licenças: < https://creativecommons.org/licenses/?lang=pt_BR> Acesso em 28 de outubro de 2016. No mais, ver LEMOS (2005), LESSIG (2006) e TRIDENTE (2009).

ver TRIDENTE 2009

363 A licença que o MinC atribuía a todo o conteúdo veiculado em seu portal era a CC-BY-NC, que permitia com

que qualquer um pudesse utilizar livremente o conteúdo do portal contanto que explicitasse a fonte e a utilização não possuísse finalidade comercial. Disponível em: <https://creativecommons.org/licenses/?lang=pt_BR> Acesso em 25 de julho de 2016.

A Ministra justificou a necessidade de se revisar o texto do APL uma segunda vez com base em dois argumentos distintos: (i) havia ainda muita controvérsia em torno do texto final do APL, mantendo-se as discordâncias apresentadas anteriormente, o que acarretava na necessidade de “afinar um pouco mais” o texto364; (ii) e, como a inclusão do artigo de responsabilização de provedores (105-A) não havia sido formalmente debatida, era necessário abrir novamente o debate acerca do assunto365.

O Diretor da DDI, Marcos Souza, responsável pela condução de todo o processo de consulta pública em 2010, foi então substituído por Márcia Regina Barbosa, supostamente indicada ao cargo pelo ex-advogado do ECAD Hildebrando Pontes, colaborando ainda mais para as suspeitas de enviesamento da gestão (SILVEIRAS, 2014, p. 158).

Ao contrário da primeira fase da consulta pública, a segunda fase da consulta (chamada oficialmente de “revisão” do APL) não utilizou o Portal da Cultura como mecanismo principal para recebimento das contribuições online, tampouco criou nada semelhante para isto. Muito pelo contrário, o método de recebimento representou um grande retrocesso quanto à participação popular: as contribuições deveriam ser enviadas exclusivamente para o endereço físico ou para o email do MinC, na forma de um formulário que era fornecido no site do Ministério366.

Interessados em contribuir deveriam preencher rigorosamente o formulário do MinC, que solicitava a descrição da “Justificativa de fato (Apresentação descritiva e fundamentada dos fatos que demonstrem a necessidade de modificação e/ou aprimoramento de dispositivo normativo do Anteprojeto)” e, de forma pouco democrática, a “Justificativa jurídica (argumentação baseada na legislação nacional e internacional relativa à matéria do

364 “(o anteprojeto) deve passar por mais uma análise. O ministério vai ter de ter uma atitude madura de como

analisar o projeto de lei. Só posso dizer que foi bastante polêmica a recepção. Se tem polêmica, vamos ter de afinar um pouco mais.” Fonte: “Direitos autorais: Mais uma análise”. Portal do MinC. (05/01/11). Disponível em: <http://www2.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/2011/01/05/direitos-autorais-mais-uma-analise/> Acesso em 11 de julho de 2016.

365 “Pirataria pode Matar a Cultura, diz Ana de Hollanda do MinC”. Observatório Político. (22/03/12).

Disponível em: <http://www.observadorpolitico.com.br/2012/03/pirataria-pode-matar-a-cultura-diz-ana-de- hollanda-do-minc/> Acesso em 12 de julho de 2016.

366 Vale lembrar que, apesar de absolutamente incoerente com a transparência da gestão anterior e com a

população em geral, não havia, à época, um mecanismo legislativo que obrigasse o MinC a conduzir a consulta pública de forma transparente ou a divulgar as informações e documentos lá recebidos. Isto foi parcialmente sanado com a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/11), promulgada no final daquele ano de 2011. Dissemos “parcialmente” porque ainda não há nenhum diploma normativo que regule de forma clara e geral a condução de consultas públicas pelos órgãos da administração pública, e a Lei de Acesso à Informação não tutela isto especificamente. As instruções desta segunda fase de consulta pública estão disponíveis em:

<https://web.archive.org/web/20110424134322/http://www.cultura.gov.br/site/2011/04/20/ultima-fase-da- revisao-da-lda/> Acesso em 11 de julho de 2016.

Anteprojeto)”367. A estrutura burocrática do relatório e seu segundo requisito contribuíram para que o número de contribuições na segunda fase caísse drasticamente. Questionamos até que ponto pode ser “pública” uma consulta pública que necessita de conhecimentos estritamente jurídicos para que interessados possam contribuir.

Raphael Silveiras (2014, p. 160) aponta que o número de contribuições para a segunda foi pífio com relação à primeira: apenas 158 contribuições foram submetidas ao órgão. Mais ainda: nenhuma das contribuições foi disponibilizada pelo órgão na íntegra aos internautas; o MinC forneceu apenas um índice de contribuições, que incluía apenas o nome daqueles que participaram desta fase da consulta368.

O texto consolidado do APL foi enviado novamente ao GIPI, que consolidou as propostas e enviou-o à Casa Civil em novembro de 2011369. Nenhum relatório ou texto consolidado do APL foi disponibilizado oficialmente370 ao público e é por esta razão que os textos aqui analisados foram obtidos diretamente do MinC por meio da Lei de Acesso à Informação371.

Diversos temas discutidos na primeira fase da consulta pública foram novamente analisados na segunda fase, com destaque para as limitações ao direito autoral (Art. 46) e a supervisão estatal das entidades de arrecadação e distribuição (Arts. 98, 110-A, 110-B e 110- C) 372.

Apesar das controvérsias e da falta de transparência na elaboração, dos quatro pontos apontados como relevantes na primeira fase da consulta pública, poucos sofreram alguma alteração entre o segundo e o terceiro textos do APL. Não houve nenhuma alteração no novo rol de limitações ao direito autoral; o artigo 107, que viabiliza a evasão de mecanismos de

367 Toda a contribuição deveria ser, portanto, juridicamente embasada, excluindo a participação daqueles que não

possuem este conhecimento. Formulário disponível em:

<https://web.archive.org/web/20110424134322/http://www.cultura.gov.br/site/wp-

content/uploads/2011/04/Formulario-definitivo-vers%C3%A3o-DDI.doc > Acesso em 11 de julho de 2016.

368 Este índice de participantes ainda está disponível em:

<http://www.cultura.gov.br/documents/18021/130362/Indice-Contribui%C3%A7%C3%B5es-APL- Completo.pdf/d8c8f7bb-384b-4608-b96e-b2596c1bdc51> Acesso em 11 de julho de 2016.

369 “MinC manifesta-se sobre Anteprojeto da Nova Lei de Direitos Autorais” (02/12/16). Disponível em

<http://www.culturaemercado.com.br/site/direitoautoral/minc-manifesta-se-sobre-anteprojeto-da-nova-lei-de- direitos-autorais/> Acesso em 11 de julho de 2016.

370 No final de 2011 o “blog do Rovái”, da Revista Fórum, “vazou” alguns documentos relativos à segunda fase

da consulta pública: (i) o APL em si; (ii) um texto de exposição de motivos endereçado à presidente da república; e (iii) um relatório justificando o texto consolidado. Após o acesso aos mesmos documentos via Lei de Acesso à Informação, podemos afirmar que todos os documento vazados eram verdadeiros. O link para a notícia do blog do Rovaí pode ser acessado em: < http://www.revistaforum.com.br/blogdorovai/2011/12/06/ortellado-e- allan-rocha-proposta-de-lda-do-minc-ainda-favorece-ecad/ >. Acesso em 11 de julho de 2016.

371 Número de protocolo do pedido via Lei de Acesso à Informação: 01590.000434/2016-45.

372 Outro tema relevante inserido na terceira versão do APL, mas que foge também do escopo do presente

trabalho é a separação da gestão coletiva de obras audiovisuais da gestão de obras fonográficas (Arts. 99-A; 99- B e 99-C).

DRM com base nas limitações do direito autoral foi mantido intacto; e, ironicamente, a única modificação no mecanismo de responsabilização do artigo 105-A foi a substituição do termo “responsáveis pela hospedagem de conteúdos na Internet” por “provedores de aplicações de Internet”, apenas para padronizar o termo com o disposto no então APL do Marco Civil da Internet373.

Superada a breve descrição do processo de consulta pública e dos principais posicionamentos consolidados nos textos finais de cada versão do APL, prosseguimos para a avaliação de seu conteúdo frente aos problemas gerados pelas novas tecnologias conforme apontados ao longo do presente trabalho.