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Capítulo 2. Um recorte dos direitos autorais na sociedade da informação

2.1. Novas tecnologias

2.1.1. O suporte: digitalização de mídias tradicionais e a popularização do mp3

Como afirma José de Oliveira Ascensão (2001, p. 121), a imaterialização das obras culturais é um dos elementos essenciais da era digital. A partir de tecnologias de digitalização, as obras físicas são traduzidas para o suporte digital, onde podem ser reproduzidas incessantemente sem perda de qualidade sonora ou visual, armazenadas em um único dispositivo (disco rígido) e executadas por qualquer máquina que contenha software específico para leitura do arquivo digital onde a obra está fixada.

Estes arquivos, evidentemente, ocupam um determinado espaço no disco rígido do computador, fator que limita a quantidade de obras armazenadas em determinada máquina ou suporte a seu espaço de armazenamento disponível.

No caso das obras musicais, o principal formato de arquivo adotado para sua gravação em um CD é o Red Book, ou Compact Disc Digital Audio (CDDA). No início da década de 1990 foram desenvolvidas diversas tecnologias de conversão deste formato para arquivos

digitais, sendo o .wav, elaborado conjuntamente pela Microsoft e a IBM, um dos mais utilizados à época110.

O arquivo digital em .wav é praticamente fac-similar ao formato em CDDA, havendo pouquíssima compressão111 na conversão (e, consequentemente, pouca perda de qualidade sonora entre os dois formatos). Por esta razão, cada música digitalizada corresponde a um arquivo razoavelmente grande: cerca de 22mb por faixa112. À época, um computador de ótima qualidade suportava cerca de 2gb (2.000mb) de memória na totalidade de seu disco rígido113, o que permitiria o armazenamento de cerca de 90 músicas neste formato (o equivalente a 8 CDs), isso sem levar em consideração a memória utilizada pelos softwares básicos de funcionamento da máquina.

O formato .mp3 foi desenvolvido no final dos anos 1980 pelo centro de pesquisas alemão Fraunhofer Institut e foi disponibilizado ao público, de forma não proprietária, em 1992 (BECKMAN, 2006, p. 483). Diferentemente do .wav, os arquivos CDDA convertidos em .mp3 sofrem um processo de compressão com razoável perda de informação, o que possibilita com que o tamanho dos arquivos digitais seja reduzido a até 1/10 do seu tamanho original. O resultado da compressão é uma diminuição da qualidade do som e a remoção de trechos de áudio inaudíveis de cada faixa, o que permite a redução de seu tamanho sem grandes mudanças perceptíveis ao ouvido humano na qualidade do áudio (LESSIG, 2001, p. 123).

Enquanto faixas em .wav atingiam cerca de 22mb por arquivo, o .mp3 permitia com que as mesmas ocupassem apenas 3mb, o que tornou seu armazenamento em grandes quantidades absolutamente viável, permitindo com que usuários pudessem fazer o backup de bibliotecas inteiras de discos no próprio computador pessoal, mesmo com as já mencionadas limitações de hardware da época.

110 “How big is the Sound of Music”. Computer World. (21/3/13). Disponível em:

<http://www.computerworld.com/article/2495584/data-center/how-big-is-the-sound-of-music-.html> Acesso em 22 de junho de 2016.

111 “(...) in computer science and information theory, data compression, source coding, or bit-rate

reduction involves encoding information using fewer bits than the original representation. Compression can be either is lossy or lossless. Lossless compression reduces bits by identifying and eliminating statistical redundancy. No information is lost in lossless compression. Lossy compression reduces bits by identifying marginally important information and removing it. The process of reducing the size of a data file is popularly referred to as data compression, although its formal name is source coding (coding done at the source of the data, before it is stored or transmitted)” (MAHDI et al, 2012, p. 53).

112 Disponível em: <http://www.hraplanet.com/content.php?280-Comparing-a-320-kbps-MP3-files-and-

Redbook-CD > Acesso em 26 de maio de 2016.

113 A base para esta afirmação é o HD Seagate Medalist 2132, utilizado em computadores pessoais de alta

performance em 1997. À época, era um disco rígido de padrão elevado. Fonte: <http://redhill.net.au/d/58.php > Acesso em 26 de maio de 2016.

As tecnologias de digitalização e compressão de arquivos digitais geraram efeitos expressivos no sistema de direitos autorais, suscitando diversos desafios regulatórios referentes às obras no ambiente digital.

Podemos apontar duas consequências principais da utilização destas tecnologias: (i) dificuldade de controle referente à reprodução de cópias de arquivos digitais; e a (ii) viabilização do compartilhamento de arquivos musicais pela internet.

Em primeiro lugar, houve um impacto direto no que diz respeito à reprodução de cópias da obra digital. Arquivos digitais podem ser reproduzidos ad infinitum sem que seja possível controlar o número destas cópias e muito menos suas utilizações posteriores (BECKMAN, 2006, p. 484). Neste sentido, dispositivos meramente normativos que restringem a quantidade de cópias permitidas, por exemplo, para uso pessoal, se tornariam ineficazes.

No caso do sistema brasileiro, a situação é ainda mais alarmante devido às restrições da lei. Uma das limitações ao direito autoral da LDA, no artigo 46, II114, consiste em permitir a reprodução em um único exemplar de pequenos trechos115 de obra protegida para uso privado do copista. Esta provisão impossibilita, por exemplo, o armazenamento de uma música inteira no disco rígido do computador, mesmo que para fins exclusivamente pessoais, como o simples backup (PARANAGUÁ; BRANCO, 2009, p. 76). Além da já mencionada dificuldade regulatória em se controlar a quantidade de reprodução das obras digitais, há ainda uma complicação técnica, que reside na dificuldade de se extrair apenas “trechos” arquivos digitais, principalmente com relação às músicas digitais116.

Em segundo lugar a lei também não permite a reprodução de cópias para garantir a interoperabilidade do arquivo, de forma com que ele possa ser executado por mecanismos distintos.

No mais, as tecnologias de digitalização viabilizaram, ainda que indiretamente, o compartilhamento de obras musicais através da internet. As tecnologias de compressão de arquivos digitais, por sua vez, compatibilizaram as limitações de velocidade da internet e

114 Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: (...)

II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;

115 Existe, também, o problema em definir no que consistiria exatamente os “pequenos trechos” estabelecidos

pelo artigo (MIZUKAMI et al 2010, p. 79).

116 Para se extrair um trecho de um arquivo .mp3, por exemplo, é necessário não apenas um software de edição

específico, mas também conhecimento técnico para operá-lo. Este esforço não faz sentido dentro de um cenário em que qualquer um que saiba copiar e colar arquivos no computador consegue reproduzir cópias de obras completas facilmente. Mais ainda: para que se extraia apenas um “pequeno trecho” de uma faixa musical através destes softwares, é necessário primeiro transferir a música em sua totalidade para o computador, o que, de acordo com a Lei, já não seria permitido.

capacidade de armazenamento de discos rígidos da época e o compartilhamento destes arquivos musicais (LESSIG, 2001, p. 125). Isto possibilitou, no final dos anos 1990, a ascensão e proliferação de plataformas de compartilhamento ilegal de músicas na internet, que serão analisadas a seguir.