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Capítulo 1. Panorama do Debate Contemporâneo sobre Direitos Autorais

1.2. A relação entre estrutura e função nos direitos autorais

1.2.1. Função Promocional do Direito Autoral

1.2.1.2. Direitos Morais do Autor

O sistema normativo brasileiro, para além de garantir ao autor os direitos patrimoniais, que viabilizam a exploração econômica da obra, garante também um outro feixe de caráter extrapatrimonial, os chamados direitos morais do autor. Carlos Alberto Bittar (2015, p. 69) considera-os como uma espécie de extensão da personalidade do autor56 e define-os como:

(...) vínculos perenes que unem o criador à sua obra, para a realização da defesa de sua personalidade. Como os aspectos abrangidos se relacionam à própria natureza humana e desde que a obra é emanação da personalidade do autor (...), esses direitos constituem a sagração, no ordenamento jurídico, da proteção dos mais íntimos componentes da estrutura psíquica do seu criador.

Estes direitos estabelecem um vínculo de caráter pessoal entre obra e autor e tem suas raízes no sistema francês de direitos autorais, o droit d’auteur57. Ao contrário dos direitos patrimoniais, eles são inalienáveis e irrenunciáveis, não sendo passíveis de exploração econômica por seus titulares. Mais ainda: mesmo após a morte do autor e após o ingresso da

56 Alguns autores consideram os direitos morais de autor como pertencentes aos direitos de personalidade. Neste

sentido, ver: HAMMES (2003); ABRÃO (2014); MORAES (2008); CHINELATTO (2010). Vale dizer ainda que, apesar das características semelhantes aos direitos de personalidade, este entendimento não é consensual na doutrina. Sobre as diferenças entre os direitos morais do autor e os demais direitos da personalidade, Pedro Paranaguá e Sérgio Branco (2009, p. 50) apontam: "Há, entretanto, que se fazer distinção entre direitos autorais

e os demais direitos da personalidade. De modo geral, os direitos de personalidade — nome, imagem, dignidade, honra etc. — nascem com o indivíduo e são desde logo exercíveis. Por outro lado, os direitos de personalidade relacionados aos direitos autorais só são exercíveis se o indivíduo criar algo." Neste sentido, ver:

BARBOSA (2013); ASCENSÃO (1980); CHAVES (1988).

57 Vale aqui apontar brevemente acerca da distinção entre os dois principais sistemas de proteção aos direitos

autorais no mundo: o sistema anglo-saxão, chamado de copyright, e o sistema francês, o chamado droit d’auteur. O primeiro sistema possui como escopo de proteção especificamente o direito de reprodução (produção de cópias) de obras culturais, visando tutelar o direito garantido ao autor sobre a produção de cópias de suas obras intelectuais (daí o nome copy-right). O segundo sistema, droit d’auteur, do qual a legislação brasileira faz parte, inclui no seu escopo de proteção, além do direito de exploração econômica da obra, a própria figura do autor e seu vínculo com a obra, preocupando-se com questões como autoria e integridade da obra, que acabam por ser englobadas nos direitos morais de autor (PARANAGUÁ, BRANCO, 2009, p. 21). Com isso, o sistema do droit d’auteur abarca tanto os direitos de propriedade, que fundamentam o copyright, quanto os direitos de personalidade do autor (HAMMES, 2003, p. 48).

obra em domínio público, alguns dos direitos morais ainda perduram. No primeiro caso sua tutela é conferida aos sucessores do autor da obra58, e no segundo ao próprio Estado59.

Com fulcro nos incisos do artigo 2460 da LDA, são sete os direitos morais do autor: (I) Direito de paternidade da obra, que garante ao autor o direito de reivindicar a autoria da obra a qualquer tempo; (II) Direito à nominação, que garante ao autor ter seu nome vinculado à obra; (III) Direito ao inédito, no sentido de decidir quando e se uma obra sua será publicada; (IV) Direito à integridade, o direito que o autor tem de opor-se a quaisquer modificações de suas obras que possam ofender sua honra ou reputação; (V) Direito de modificação, no sentido de poder modificar sua obra antes ou depois de sua divulgação ao público; (VI) Direito de retirada, que garante ao autor o direito de retirar suas obras em circulação; e (VII) Direito de acesso, que garante ao autor a possibilidade de ter acesso a exemplar único ou raro da obra, a fim de preservar sua memória (FRAGOSO, 2009, p. 208).

Neste sentido, ainda que o principal objetivo deste conjunto de direitos seja a afirmação e proteção do vínculo pessoal existente entre autor e obra, é possível afirmar que sua existência contribui intensamente para o estímulo à criação intelectual, independentemente de seu caráter extrapatrimonial. Nas palavras de Carlos Affonso Souza (2009, p. 132):

Poderia parecer, à primeira análise, que para a função promocional do direito autoral, ou seja, o estímulo à criação, apenas a exclusividade derivada da exploração dos direitos patrimoniais interessaria. Todavia, cumpre perceber que os direitos de natureza moral também contribuem para incentivar o autor a criar, pois esses direitos garantem, dentre outras prerrogativas, a integridade da obra e o reconhecimento de sua autoria. Essas garantias disponibilizadas ao autor são também de grande relevo para estimular a criação (…)

58 Art. 24 (…)

§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.

59 Art. 24 (…)

§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.

60 Art. 24. São direitos morais do autor:

I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

III - o de conservar a obra inédita;

IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;

VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

Por mais que o direito de explorar economicamente a obra seja considerado o principal elemento no estímulo à criação intelectual, os direitos morais do autor, por protegerem aspectos pessoais da relação autor e obra, são igualmente essenciais para o cumprimento da função promocional do direito autoral no contexto brasileiro61. Ao contrário dos direitos patrimoniais, por sua vez, estes não seriam relativizáveis devido ao seu caráter de direitos de personalidade.

Concomitantemente à função promocional, uma outra função pode ser abstraída do sistema dos direitos autorais ao levar em consideração o interesse da sociedade como um todo em usufruir da produção cultural estimulada pelo regime. Surge deste interesse a chamada função social do direito autoral.