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O trabalho é organizado em nove capítulos, com o primeiro sendo a presente introdução. O segundo capítulo, “Cuidado e crise psíquica grave”, é uma apresentação dos conceitos criados no Gipsi para o cuidado às primeiras crises psicóticas, ou crises psíquicas graves, em especial: gerenciamento, acolhimento, crise e a expressão “do tipo psicótica”. A partir dessa apresentação, buscamos introduzir elementos da psicanálise de Winnicott que nos auxiliam a pensar os conceitos da clínica do Gipsi, notadamente a noção de doença mental e psicose segundo a qual a enfermidade mental é um tipo de imaturidade emocional, e a correspondente ideia de que a clínica cria um ambiente para acolher a dependência. Buscamos, portanto, encontrar a ideia de gerenciamento de crise com a criação de um ambiente de cuidado, a ideia “do tipo psicótica” com a noção de psicose em Winnicott, bem como o conceito de crise com o de dependência.

No terceiro capítulo, “Capacidade para o cuidado”, partimos para um aprofundamento no exame da capacidade para o cuidado, a partir de contribuições de Klein e Winnicott. A posição depressiva é apresentada, sobretudo em relação ao processo emocional que leva até a capacidade de reparação. Examinamos a proposta de Winnicott compreender o comportamento real da mãe no cuidado infantil, em vez da compreensão dos fenômenos em termos predominantemente intrapsíquicos, como era o caso em Klein. Dessa maneira, a agressividade primária se desvincula do sadismo ou da inveja, manifestações do instinto de morte, e passa a ter um caráter de vitalidade e força, que depende da tolerância e sobrevivência da mãe para o desenvolvimento da capacidade psíquica para se preocupar (concern), o reconhecimento da alteridade e o trabalho construtivo. Por último, examinamos a experiência criatividade primária e da ilusão, que dá origem aos fenômenos transicionais e à possibilidade do brincar e do que denominamos transicionalidade.

No quarto capítulo, “Ambiente e metapsicologia do cuidado” apresentamos a metapsicologia do cuidado, de Figueiredo (2012), uma teoria geral do cuidar,

retraçar os paralelos que Figueiredo propõe de sua teoria com a de Winnicott. As figuras de alteridade são compreendidas como modos da presença implicada, funções do cuidado, complementados pela noção de “presença reservada”, a qual é descrita no capítulo. Por fim, incluímos a ideia de mutualidade nos cuidados que possibilita a comunicação e a capacidade para cuidar de si e, consequentemente, também dos outros (o terapeuta incluído).

No quinto capítulo, “Psicose e fracasso ambiental”, apresentamos alguns dos elementos cruciais da teoria da psicose de Winnicott: o trauma e a intrusão ambiental na experiência de agonias primitivas. Examinamos como Winnicott entende essas agonias impensáveis vivenciadas na forma de ansiedades psicóticas e outras distorções, que pertencem não apenas ao indivíduo, mas ao conjunto ambiente-indivíduo, por terem sido vividas na época da dependência absoluta. Algumas dessas distorções são investigadas com relação ao fracasso de cuidado da qual derivam. Por último, apresentamos a ideia winnicottiana de necessidade de um colapso das defesas e a relacionamos com a ideia de crise psicótica, utilizada no Gipsi.

O sexto capítulo, “Clínica da psicose”, procura investigar as características do ambiente de cuidado necessário para superar as dificuldades presentes na psicose, descritas no capítulo anterior. A ideia é que o ambiente de cuidado possa reparar as falhas do ambiente traumático original, ao oferecer um espaço potencial de experiência, a sobrevivência do ambiente à precipitação do colapso das defesas e a experiência total de cuidado como experiência de transformação da agressão não-integrada ou da agressividade reativa em capacidade de preocupação (concern) e possibilidade de contribuição construtiva com o ambiente.

O sétimo capítulo, “O uso do pensamento de Winnicott no manejo das crises psicóticas no Gipsi: algumas contribuições” atenta às qualidades específicas do cuidado feito pelo Gipsi e busca relacionar as características da clínica da psicose em Winnicott com a descrição de um manejo analiticamente orientado das crises psicóticas. Para isso, constituímos uma compreensão do gerenciamento de crises como criação de um ambiente múltiplo de cuidado, preocupado e transicional, nos espaços terapêuticos específicos (individual e familiar), nas supervisões clínicas, no trabalho social e territorial, nos atendimentos psiquiátricos e outros espaços criados pela clínica do grupo.

O oitavo capítulo são considerações finais, uma apresentação geral das principais contribuições do trabalho, relacionadas à hipótese e aos objetivos apresentados na introdução, e o nono capítulo são as referências bibliográficas completas utilizadas no trabalho.

2 Cuidado e crise psíquica grave

Costa (2014) nos convida a pensar em psicopatologia através da noção de sofrimento psíquico: experiências com a existência e com a dor nas quais se elevam as perturbações e os desassossegos, na esfera emocional, da linguagem, da relação consigo mesmo e com os outros. Esse autor prefere o termo psíquico em vez de mental (Costa, 2014) para remeter a algumas das concepções originárias da palavra psique, como alma ou espírito, e nortear o sentido do cuidado que propõe à sua clínica rumo ao que pertence ao humano e sua postura diante dos perigos e possibilidades da vida.

Retomando também o sentido original de pathos, Costa (2014) nos relembra que é a qualidade do excesso, apaixonada, a intensidade vivida no “patológico” o que transborda os modos humanos de posicionar-se diante da angústia, convidando a terapêutica e o cuidado. O modo do humano posicionar-se perante seu ser e o ser dos outros é fundamentalmente marcado pela angústia, o que pode chegar até o exagero de vivências patológicas. Diz Costa que os modos patológicos, ou apaixonados, “atestam nossa permanente dependência ao Outro” (2014, p. 55, grifo nosso).

Costa (2003) usa o construto sofrimento psíquico grave em referência às manifestações comumente relacionadas aos transtornos mentais, à psicose e seus correlatos (transtorno psicótico, esquizoidia, esquizofrenia etc.) como mote filosófico e ético para contribuir com a transformação do modo no qual pessoas envolvidas com o cuidado (psicólogos, assistentes sociais, familiares, professores) manejam as crises psíquicas mais graves. O qualitativo grave tem o objetivo de enfatizar a intensidade do sofrimento presente na crise, resgatando “a dimensão contígua de todo sofrimento humano, de um extremo suportável a outro desorganizado” (Costa, 2014, p. 60).

Quando nos aproximamos de um sofrimento humano próximo ao extremo do desorganizado, então encontramos também uma efetiva função “desorganizadora” na crise, não apenas para a pessoa que sofre, mas também para os outros envolvidos em cuidar dela. A intensidade presente no sofrimento afeta e desorganiza as reservas usuais de cuidado e exige uma transformação, tanto da postura (ética) de quem cuida, quanto

da forma como mobiliza suas reservas para decidir o que fazer (técnica) diante da intensidade do sofrimento.

A partir desse olhar, do sofrimento psíquico grave, Costa nos convida ao desafio filosófico, psicológico e profissional de buscar superar as classificações nosológicas tradicionais na busca de modos para compreender as condições do sofrimento humano para além de seus sintomas. O autor procura igualmente propor estratégias de cuidado diante das intensidades, acolhendo as desorganizações em um caminho rumo a novos modos de existências diante da dor, mais “suportáveis” e, quem sabe, até mais felizes e criativos.

O cuidado se transforma de uma postura em um fazer a partir de sua efetiva vivência, e, no caso de Costa (2010; 2013a; 2014), a vivência privilegiada é a clínica das crises “do tipo psicótico”, ou crises psíquicas graves, feita no Gipsi. O grupo foi criado no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília em 2001; hoje configura- se como programa de extensão de ação contínua do Departamento de Psicologia Clínica (Costa, 2014); é formado pelo coordenador, estudantes auxiliares de pesquisa, estagiários e profissionais voluntários de várias áreas do conhecimento (psicologia, terapia ocupacional, enfermagem, psiquiatria, filosofia, educação, antropologia, entre outros), além de pesquisadores de iniciação científica, bacharel, mestrado e doutorado.

Os membros organizam-se em uma equipe multidisciplinar (Costa & Mano, 2013) e criam, em seu cotidiano, diferentes espaços para a clínica, supervisão e pesquisa, integrados na criação de uma nova proposta de intervenção precoce na psicose. Costa (2013a) mantém esses termos “intervenção precoce” e “psicose” para questionar posturas e transformar práticas desde a própria clínica, com a ajuda do construto do sofrimento psíquico grave, da ideia de crise psíquica grave e da opção por “do tipo psicótico” nas ações clínicas feitas no Gipsi, além da transdisciplinaridade e outras contribuições teóricas e clínicas de membros pesquisadores do grupo.

A seguir, apresentamos uma descrição do funcionamento do grupo e de sua proposta de cuidado à psicose, na criação de espaços múltiplos de ações integradas em um ambiente amplo de cuidado.

2.1 Intervenção precoce nas primeiras crises do tipo psicótica: a experiência do