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5 CONSTRUÇÃO DE INDICADORES PARA AVALIAR POLÍTICAS DE

5.1 Apresentação dos resultados obtidos nas pesquisas de campo no Brasil

5.1.7 Apresentação dos resultados da pesquisa junto à Polícia Federal

No âmbito federal, a situação difere um pouco. Como a maior parte das investigações em andamento na Polícia Federal (PF) se refere aos crimes chamados invisíveis (nos quais não há registro, em sua maioria, conforme já mencionado aqui), a inviabilidade da utilização das estatísticas criminais obrigou-a buscar formas diversas de avaliar a performance de suas unidades.

Assim, vigorou tradicionalmente na PF como único indicador utilizado um indicador funcional de produtividade, isto é, a relação entre os inquéritos relatados e os instaurados, o que representa a clássica equação de produtividade, a relação entre os produtos entregues e os inputs recebidos pela unidade ou servidor em questão. Contudo, como já se mencionou aqui, tal tipo de indicador é insuficiente, pois permite uma análise somente parcial e extremamente limitada do universo de missões policiais.

Assim, a PF, a partir da Resolução nº 03 do Conselho Superior da Polícia Federal, de 26 de março de 2015, passou a adotar, no que interessa ao presente trabalho18, os seguintes indicadores: a) Relação entre inquéritos relatados e instaurados; b) Relação entre a quantidade de operações especiais de Polícia Judiciária e o total de servidores da Superintendência Regional e de suas unidades jurisdicionadas; c) Relação entre a quantidade de inquéritos relatados com indicação de autoria somados aos relatados sem indicação de autoria por não

18 Não se expõe, aqui, os indicadores referentes às funções de fiscalização da PF, tais como o controle de empresas de segurança privada, expedição de passaportes, imigração etc., uma vez que tais atividades não se enquadram no conceito de atividades típicas de polícia.

constatação de prática de infração penal e o total de inquéritos relatados; e d) Relação entre notícias-crime analisadas pela Corregedoria e as notícias-crime protocoladas na Superintendência Regional e suas unidades vinculadas.

Ao analisar-se os indicadores acima, verifica-se que o indicador funcional de produtividade anteriormente usado permanece em destaque. Isso ocorre porque, embora limitado, ele permite que se acompanhe a razão entre a entrada e a saída de investigações, de modo que ações gerenciais possam evitar que o número de investigações extrapole em muito a capacidade daquela unidade funcional. Mais uma vez se reafirma que a utilização desse tipo de indicadores não é, em si, um problema. Contudo, não se pode adotá-lo como único, sob pena de desprezar a complexidade do trabalho policial, focando-se em um único e estreito aspecto.

O indicador “d)” acima apresentado (relação entre notícias-crime analisadas pela Corregedoria e as notícias-crime protocoladas na Superintendência Regional e suas unidades vinculadas) é de pouco interesse para outras polícias, já que se refere a um aspecto muito específico da atividade da PF, pois, como suas atribuições são limitadas, antes do início de uma investigação toda a notícia de possível delito recebida é analisada dentro de parâmetros estabelecidos para evitar-se invasão de atribuições das polícias civis, bem como para garantir uniformidade de procedimentos.

Os indicadores mostrados nos itens “b)” e “c)” são mais interessantes. O indicador “b)” (relação entre a quantidade de operações especiais de Polícia Judiciária e o total de servidores da Superintendência Regional e de suas unidades jurisdicionadas) apresenta-se como inovador. Para analisá-lo, incialmente, cabe esclarecer o que a PF entende por operação especial de Polícia Judiciária. Trata-se de investigações policiais, caracterizadas por sua complexidade e pelo emprego de técnicas especiais de investigação (interceptação telemática/telefônica, ação controlada, infiltração etc.) e que tem como objetivo identificar organizações criminosas apontadas como as que geram maior risco à sociedade em sua área de atuação.

Desse modo, a PF procura reforçar os chamados indicadores de risco, isto é, aqueles que favorecem que seus recursos sejam empregados em ações de maior impacto social, identificados previamente pela organização (SPARROW, 2015). Ressalte-se que tal indicador favorece o modelo de gestão policial denominado Policiamento Orientado pela Inteligência, já explicitado anteriormente, bem como permite, ou mesmo exige, que as áreas temáticas da PF criem indicadores específicos para cada operação ou para cada tipo de operação. Por exemplo: a Divisão de Repressão aos Crimes Ambientais e contra o Patrimônio Histórico da PF (DMAPH) utiliza como indicador adequado para cada investigação a redução do desmatamento nas áreas de atuação da quadrilha investigada, e o Serviço de Repressão aos Crimes

Cibernéticos (SRCC) utiliza como métrica a redução percentual das fraudes bancárias pela internet após o encerramento de uma investigação. Cada uma dessas operações é encarada como um projeto, e, como prescrito por Sparrow (2015), cada um desses projetos deve ser avaliado por um indicador específico para comparar se a avaliação do risco foi correta. Essa necessidade é atendida pelos indicadores criados para cada tipo específico de operação pelas unidades temáticas da PF.

Assim, o indicador de risco apresentado na resolução permite avaliar como os meios de cada unidade regional da PF estão se dedicando a investigações de maior relevância, de maior impacto e sobre organizações criminosas que representam maior risco para a sociedade.

O indicador “c)” (relação entre a quantidade de inquéritos relatados com indicação de autoria somados aos relatados sem indicação de autoria por não constatação de prática de infração penal e o total de inquéritos relatados) trata-se de um enfoque diferenciado em relação à clássica taxa de elucidação utilizada por diversas polícias no mundo e no Brasil e de forma sistemática pela Polícia Civil do Rio de Janeiro (em relação à letalidade violenta), bem como por outras polícias civis, sem, nesse caso, o caráter institucional e de ampla difusão do Rio de Janeiro, mesmo porque não existe uma unicidade na forma de cálculo.

O cálculo da taxa de elucidação, embora utilizado em grande parte dos departamentos de polícia no mundo, apresenta algumas dificuldades. Por exemplo: o que é uma investigação bem-sucedida ou elucidada? A PF, coincidentemente, baseou o seu conceito de investigação elucidada no conceito adotado pelas polícias francesas, que adotam como marco para definir se uma investigação foi encerrada com sucesso quando a polícia aponta um autor provável para o delito, através do instituto do Direito francês denominado mis en cause. Dada a semelhança desse instituto com o indiciamento, previsto na legislação brasileira, entendeu a PF que uma investigação seria bem-sucedida quando houvesse um provável autor identificado.

Contudo, entendeu a PF que seu trabalho não se limita tão somente a apontar culpados, mas também, e principalmente, em exculpar inocentes. Por isso, agregou ao conceito de investigação encerrada com sucesso, também, os inquéritos que foram encerrados com a comprovação da inexistência de um crime. Esse conceito foi incluído, segundo pesquisa de campo, para reforçar o caráter democrático da atividade policial, pois passa a reconhecer a relevância da comprovação da inocência, elevando-a, no tocante ao resultado do trabalho policial, ao mesmo nível da tradicional indicação de culpados.

Outro ponto interessante a respeito desse indicador é que, segundo a classificação proposta por Sparrow (2015) e aqui utilizada, trata-se de um indicador de processo, em especial de eficácia (accuracy) do processo, isto é, de qualidade do produto originado desse processo.