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4 ESTRUTURAS DECORRENTES DAS INTERAÇÕES ENTRE OS ATORES

4.2 A inferência espacial como método para construção de um mapa de risco do terreno

4.2.3 Determinação dos valores ponderados das variáveis

O primeiro passo para a aplicação da metodologia acima exposta é a determinação da contribuição relativa dos fatores envolvidos em nosso problema. Para tanto, a técnica mais

utilizada é a denominada Analytic Hierarchy Process (AHP) ou Processo Analítico Hierárquico, em português (MOREIRA et al., 2001).

Esta técnica permite, através de uma sequência de consultas a especialistas, por meio de comparação por pares, estabelecer os valores relativos entre as diversas variáveis que compõem um problema (WOLFF, 2008).

Contudo, na presente pesquisa, tal método não se apresenta como o mais adequado, porque o trabalho se destina a ser utilizado e replicado por policiais e gestores de polícia que, de acordo com as caraterísticas apresentadas por Monjardet (2002), exigem aplicações eficientes e que exijam poucos recursos de tempo e pessoal, já que atendem a demandas urgentes e das mais variadas, enquanto o método AHP exige diversas rodadas de consultas a especialistas, tornando custoso em termo de tempo e pessoal, embora sua execução não seja complexa. Segundo Grandzol (2005), essa é, de fato, uma grande limitação da presente técnica, que é amplificada em um ambiente de carência de recursos e onde o tempo exerce um fator primordial, como é o caso das polícias.

Desse modo, opta-se por utilizar o mesmo modelo já construído por ocasião de outra pesquisa materializada em artigo já publicado e com resultados extremamente satisfatórios, pois obteve-se, naquela ocasião, um nível de acertos de 94,76%, ou seja, a quase totalidade das ocorrências criminais estudadas naquele trabalho se deram nas áreas apontadas como de altíssimo ou alto risco pelo modelo proposto (SILVA, 2016). Em razão dessa acurácia extremamente elevada, utilizou-se a mesma metodologia empregada naquele modelo para a determinação dos valores relativos de cada variável estudada.

Assim, partiu-se dos fatores, bem como de seus valores relativos já estabelecidos no trabalho anteriormente mencionado (ibidem) a partir de consulta realizada diretamente a policiais federais especialistas lotados no Serviço de Análise de Dados e Inteligência da Divisão de Repressão a Crimes contra o Patrimônio (SADIP/DPAT), órgão central especializado na investigação de roubos a bancos e a correspondentes bancários, bem como responsável pelo estabelecimento de procedimentos operacionais padrão em inquéritos e operações desse tipo. Assim, à época, através de pesquisa realizada junto a policiais do SADIP/DPAT, foi solicitado que apontassem os principais fatores espaciais que impactavam nesse tipo de crime, bem como que fossem estabelecidos pesos de acordo com o maior ou menor impacto de cada um desses fatores.

Obteve-se, ao final do mencionado processo de entrevistas, a seguinte tabela de fatores e pesos, ressaltando-se que os fatores aqui destacados, por convenção, estão representados de

forma inversamente proporcional, isto é, quanto maior a influência da variável, menor seria o valor de seu peso relativo:

Tabela 4 – Peso dos fatores

FATOR PESO

1. Distância para as ocorrências de 2013

5 2. Distância de rodovias

7 3. Distância das sedes municipais

3 4. Distância de cidades com população inferior a

50.000 habitantes 2

Percebe-se que há forte convergência entre os fatores estritamente espaciais apontados como relevantes na presente pesquisa e os listados na tabela acima, fruto de pesquisa realizada junto a policiais federais especialistas, com a exceção da distância de divisas estaduais. Contudo, tendo em vista que, para a identificação de relevância de tal variável foi necessária a utilização de técnica de clusterização, entende-se o porquê de tal variável não ter sido percebida pelos especialistas consultados.

Outros fatores identificados na pesquisa também podem ser desconsiderados na construção do mapa de risco, pois se distribui de forma quase igualitária em toda a área estudada, como é o caso da cobertura da rede celular, ou por ser um fator necessário, como a existência de agência bancária, pois é condição sine qua non para a ocorrência de um roubo a banco.

Ainda, como forma de validar os resultados apontados na Tabela 4, realizou-se nova rodada de pesquisa, dessa vez junto a policiais federais e civis lotados em delegacias de repressão a roubos a bancos nos estados do recorte geográfico estudado.

Foram enviados formulários de pesquisa para 100 policiais, sendo que somente 10 responderam, isto é, 10% somente retornaram o formulário, e, ainda assim, todos validaram os fatores e seus respectivos pesos sem qualquer acréscimo ou contestação.

Dos que retornaram, houve apenas um comentário, que segue:

Apenas entendo que deve ser feita alguma correção no que diz respeito às cidades com menos de 50.000 habitantes. Talvez deva ser levado em conta o fato de que muitos estados possuem poucas cidades com mais de 50.000 habitantes (o RN, por exemplo só tem 8). Não tenho plena convicção a respeito, mas pode ser que isso gere alguma distorção nos dados.

A partir desse comentário, buscou-se analisar, com base nos dados disponíveis, se, de fato, o impacto decorria do pequeno número de cidades com mais de 50.000 habitantes.

Contudo, como já estudado em tópico próprio, as conclusões apontam no sentido de que a dinâmica dessas pequenas cidades, de fato, tem relação com o fenômeno estudado, como, por exemplo, o baixo efetivo policial, até porque, embora representem um percentual alto de municípios, há uma grande concentração das agências bancárias nas quatro capitais, onde se localizam cerca de 40% dos bancos.

O baixo índice de respostas obtidas reforça a correta opção pela não utilização do método AHP, vez que seria inviável que se obtivesse o número de colaborações necessárias à sua aplicação.

Desse modo, entendeu-se adequado manter a tabela como inicialmente proposta, em especial diante da unanimidade dentre aqueles que responderam à pesquisa a respeito de sua adequação.

Portanto, e como se optou pela metodologia de construção do mapa de risco do terreno, por baseá-lo no conhecimento dos especialistas consultados, os valores e fatores constantes na Tabela 4 serão os mesmos utilizados na presente pesquisa, já que refletem as opiniões dos peritos pesquisados, por unanimidade, em duas ocasiões diversas.

Assim, a fórmula matemática utilizada na construção do mapa de risco do terreno será (SILVA, 2016):

R = (5x Dist Ocor 2014/2015) + (7x Dist Rod) + (3x Dist Sede Mun) + (2x Dist Mun < 50.000 hab)

Onde:

R é igual ao valor do risco para cada pixel;

Dist Ocor 2014/2015 é igual à distância euclidiana para as ocorrências de roubos a bancos em 2014 e 2015;

Dist Rod é igual à distância euclidiana para as rodovias; Dist Sede Mun é igual à distância para as sedes municipais;

Dist Mun < 50.000 hab é igual à distância para as sedes dos municípios com menos de 50.000 habitantes.

Com a aplicação da fórmula acima, obtem-se o valor do risco para cada pixel do raster resultante, sendo que, quanto menor o resultado do cálculo, maior será o risco de ocorrência do evento roubo a banco, já que as variáveis estudadas impactam de forma inversamente proporcional ao risco, isto é, quanto menor a distância, maior é o risco.

Isso ocorre porque os fatores identificados e expostos no cálculo acima aumentam a probabilidade de ocorrência do evento roubo, seja por acarretar um menor efetivo policial (municípios com menos de 50.000 habitantes), pela maior probabilidade de existência de agência bancária (como é o caso das sedes de municípios), por representar uma maior facilidade de rotas de fuga e de acesso (distância das rodovias), ou, ainda, maior probabilidade de ocorrência de roubos a bancos pela proximidade de eventos semelhantes anteriores, dado que os criminosos atuam, de forma geral, em um mesmo espaço de atividades, conforme a Teoria dos Padrões Criminais (distância para ocorrências anteriores).

Tal cálculo é representado na Figura 45, o mapa de risco do terreno, no qual se pode verificar a maior ou menor probabilidade de ocorrência de um roubo a banco.

Figura 45– Mapa de risco de roubos a bancos

No entanto, a construção de um modelo não se encerra em sua apresentação. É necessário, ainda, buscar a sua validação, isto é, verificar a sua capacidade em medir, de forma adequada, o que ele se propõe, no caso concreto, como ele se comporta quando aplicado a eventos que ocorreram de forma externa aos utilizados para seu cálculo.

Assim, para validar o presente mapa de risco do terreno, é adequado utilizar metodologia semelhante àquela empregada por Silva (2016), vez que toda a elaboração seguiu a metodologia ali proposta.

Para tanto, é necessária a utilização de um conjunto de dados que não tenha sido usado previamente. Utilizou-se, então, os eventos de roubos ocorridos no ano de 2017 no Rio Grande do Norte.

Segundo dados fornecidos pelo Sistema Nacional de Estatísticas Criminais da Secretaria Nacional de Segurança Pública (BRASIL, 2019), foram registrados 16 roubos a bancos no Rio Grande do Norte em 2017, conforme Tabela 5.

Além desses dados, obteve-se, com o uso do software Arc GIS, os valores correspondentes ao cálculo do risco para cada uma das localidades onde tais eventos criminosos ocorreram, também incluídos na Tabela 5:

Tabela 5– Roubos a bancos no RN em 2017

MUNICÍPIO EVENTO VALOR DE RISCO

S. J. Campestre/RN Roubo à instituição financeira 0.26

Umarizal/RN Roubo à instituição financeira 0.11

S. Paulo do Potengi/RN Roubo à instituição financeira 0.45

Extremoz/RN Roubo à instituição financeira 1.52

Santana do Matos/RN Roubo à instituição financeira 0.04 Tenente Laurentino/RN Roubo à instituição financeira 0.09

João Câmara/RN Roubo à instituição financeira 0.08

Pedro Velho/RN Roubo à instituição financeira 0.04

Vera Cruz/RN Roubo à instituição financeira 0.10

Poço Branco/RN Roubo à instituição financeira 0.90

Baía Formosa/RN Roubo à instituição financeira 0.07

Baraúna/RN Roubo à instituição financeira 0.07

Cerro-Corá/RN Roubo à instituição financeira 1.51

Japí/RN Roubo à instituição financeira 0.10

Caraúbas/RN Roubo à instituição financeira 0.18

Monte Alegre/RN Roubo à instituição financeira 0.04

Lajes Roubo à instituição financeira 1.55

Fonte: Ministério da Justiça e Polícia Federal

De modo a permitir, de forma adequada, a classificação do risco de ocorrência de um roubo a banco, como verificado na Figura 45, isto é, no mapa de risco do terreno, utilizaram-se três classes para agregar os valores: alto, médio e baixo risco.

Utilizou-se, para calcular o limiar, a classificação pelo Método Jenkins, com as já mencionadas três classes, dividindo-se, pois, conforme Tabela 6.

Tabela 6 – Classificação do Risco Calculado

RISCO VALOR DE RISCO

Alto 0 a 1,57

Médio 1,58 a 6,17

Baixo Acima de 6,18

Figura 46 – Scatter plot dos escores de risco dos Roubos a Banco no RN em 2017

Ao se comparar as duas tabelas anteriores, bem como a analisando a Figura 46, verifica-se que o resultado obtido no modelo ora proposto é adequado. Das 17 ocorrências registradas no estado do Rio Grande do Norte no ano de 2017, 100% aconteceram em locais classificados como de alto risco e, em sua grande maioria, com valores bem abaixo do limiar do risco médio. Somente três roubos aconteceram em municípios com valor de risco superior a 1,0, embora se mantivessem dentro da faixa considerada como de alto risco, ainda que próximos numericamente ao valor inferior da classe de médio risco.

Tal fato denota a boa acurácia do modelo ora proposto. Porém, permite, ainda, demonstrar, de forma mesmo matemática, a premissa básica desta pesquisa, isto é, que o espaço geográfico e todos seus componentes, sistemas de ações e de objetos, por seus fixos e fluxos, impactam de forma significativa na ocorrência do evento roubo a banco, sendo, pois, fatores imprescindíveis para a elaboração de uma adequada política de segurança. A isso se dedicam os dois próximos capítulos: o desenho de política de segurança pública a partir do espaço

geográfico, do território usado, já que a aplicabilidade do resultado deste estudo sempre foi uma das questões mais importantes a norteá-lo.