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A gestão do território pelos atores de Segurança Pública é questão central no presente debate, já que influem diretamente na forma como se concretizam os fixos e fluxos.

Ao se falar em gestão do território e ordenamento territorial, uma primeira discussão que se impõe é o conceito de território. Embora existam diversos, variando conforme o enfoque de seu autor, adotou-se o proposto por Milton Santos, que entende território como território

usado como fundamento do trabalho, o lugar de residência, das trocas de cunho material e social, enfim, do exercício da vida (SANTOS, 2007).

Assim, utilizou-se o conceito de território usado, sinônimo de espaço geográfico híbrido indissociável formado pelos sistemas de objetos e pelos sistemas de ações (SANTOS, 2006).

Importante, ainda, conceituar gestão do território, de modo que se possa claramente demonstrar a relação entre ela e as questões de Segurança Pública. Desse modo, deve-se entender gestão do território como:

O conceito de gestão do território corresponde à definição de critérios de seleção, regulação e estímulo de atividades e espaços, segundo a filosofia e a estratégia de desenvolvimento definidas pelo conjunto da sociedade nacional. Ao nível regional e local, é prioritária para a gestão a participação da população e do saber local na formulação e na execução de estratégias, táticas e técnicas a serem utilizadas”. A gestão do território, portanto, coloca em prática propostas de desenvolvimento pactuadas em diferentes escalas. (BRASIL. Ministério da Integração Nacional, 2006, p. 187)

Deve-se, ainda, buscar o conceito de ordenamento territorial como sendo:

[...] a regulação das tendências de distribuição das atividades produtivas e equipamentos no território nacional ou supranacional, decorrente das ações de múltiplos atores, segundo uma visão estratégica e mediante articulação institucional e negociação, de modo a alcançar os objetivos desejados. (ibidem, p. 188)

Ainda relevante para a discussão de gestão do território é o conceito de planejamento territorial, que deve ser compreendido como um conjunto de diretrizes, políticas e ações programadas para atingir a dinâmica e o ordenamento territorial desejados (ibidem).

Para a execução da gestão territorial, é de fundamental importância, ainda, a compreensão dos três atores territoriais, isto é, o Estado, a sociedade civil e os agentes privados, ressaltando-se que o ator de maior relevância é o Estado representado pelos três níveis de governo: federal, estadual e municipal (ibidem).

A necessidade de participação das três esferas de governo tornou-se ainda mais relevante a partir da Constituição Federal de 1988. Graças aos instrumentos de transferências de recursos entre regiões, houve uma maior capacidade dos demais entes federados, além da União, de agirem ativamente. Contudo, foi identificado um problema em relação aos estados federados, já que a parcela de recursos a eles destinada não tem sido suficiente para atender a imensa demanda que lhes é imposta pela norma constitucional (BRANDÃO et al., 2017). Tal situação tem impacto direto na segurança pública como ver-se-á em ponto específico.

2.5.1 Gestão do território e Segurança Pública

Como se demonstrou acima, a questão da segurança pública é uma das que mais aflige nossa sociedade e uma das mais complexas para se solucionar, vez que exige coordenação entre diversos órgãos e entre esses e a sociedade como um todo, como enfatizado na própria Constituição Federal.

Como forma de demonstrar o que foi dito acima, cita-se que a prevenção do crime – apenas um dos muitos aspectos que envolvem a segurança pública, juntamente com o controle e a redução do mesmo, as ações de polícia e a segurança comunitária – divide-se em prevenção primária, secundária e terciária, sendo que a primeira procura melhorar o ambiente físico e social; a segunda foca em indivíduos com maior risco de virem a delinquir, de modo que ações, como o aumento do tempo escolar, diminuam esse risco; enquanto a terceira visa agir sobre os criminosos através do sistema prisional e das polícias (RATCLIFFE & CHAINEY, 2005).

Desse modo, pode-se perceber a variedade de atores envolvidos nas questões de segurança pública, desde as mais óbvias, como as forças policiais, até as áreas de assistência e educação das diversas esferas de governo (os setores de manutenção da estrutura urbana, como iluminação) e da sociedade como um todo.

Ora, em um quadro dessa complexidade é impossível que se execute qualquer ação com bons resultados sem se levar em conta a questão do uso do território.

Isso ocorre porque o crime tem um componente espacial que lhe é inerente. Quando ocorre um delito, ele acontece um local específico no espaço. Isso também pode ser sobre um criminoso, que necessariamente se desloca de um ponto geográfico para outro a fim de conseguir cumprir seu intuito (RATCLIFFE & CHAINEY, 2005). Também as forças policiais atuam em e a partir de determinados locais.

Como somente podemos existir em sendo, e só somos quando nos pomos no mundo, ou seja, nos geografizamos por intermédio de nossas ações, fazendo as opções dentre as diversas possibilidades que os objetos nos apresentam, e sendo a prática do delito uma dessas opções, um dos usos possíveis dos objetos materializados (DANTAS, 2014), não se pode afastar de qualquer política de Segurança Pública a discussão a respeito do espaço geográfico, do território usado.

Assim, a configuração territorial é um fator relevante em qualquer política de Segurança Pública. Neste ponto, é interessante abrir-se um parêntese para comentar a posição de Brandão et al. (2017), que afirma, ao analisar as duas correntes teórico-conceituais sobre a neutralidade ou não do território em políticas regionais (place neutral approach, defendido pelo

Banco Mundial, e place-based approach, corrente apoiada pela OCDE), apresenta como uma das políticas neutras em relação ao território a de segurança pública.

Não se pode conceber, como já dito acima que uma política de segurança ignore os impactos do território. O uso do território é determinante na ocorrência de um crime, em todos os seus aspectos. A existência de redes de transportes e de telecomunicações, os fluxos de pessoas, todos são fatores inerentes ao território e de grande relevância na gestão e no ordenamento territorial (BRASIL, 2006) que impactam sobremaneira na ocorrência ou não de um delito e, por conseguinte, na política de Segurança Pública.

É por essa razão que os principais fatores apontados por Boba (2009) e Ratcliffe (2011) como relevantes para as transformações sociais que contribuíram para a crise da Segurança Pública são também fatores apontados como questões especificas a serem trabalhadas na Política Nacional de Ordenamento Territorial, tais como a excessiva concentração populacional em certos pontos, os fluxos migratórios e a expansão das redes urbanas.

Demonstra-se, a seguir, com base em dados empíricos, o impacto de alguns fatores relacionados à gestão e ao ordenamento territorial com forte impacto na Segurança Pública.