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2.2 Criminologia do Ambiente

2.2.4 Modelos de policiamento derivados da Criminologia do Ambiente

A Criminologia do Ambiente, contudo, bem como as demais teorias dela derivadas, não se contentaram em simplesmente apresentar um enfoque para se buscar um melhor entendimento do evento crime em particular e do problema de Segurança Pública de modo geral.

Com base em seu arcabouço teórico, foram desenvolvidos novos modelos de gestão policial que buscaram substituir o policiamento tradicional, suplantando as deficiências por ele apresentadas.2

2 Não se apresentou o modelo denominado policiamento comunitário, uma vez que, embora tenha sido desenvolvido para substituir o policiamento tradicional, não tem como fundamento teórico a Criminologia do Ambiente, nem tem como objetivo a redução das estatísticas criminais, e sim o restabelecimento do relacionamento de confiança entre polícia e sociedade (RATCLIFFE, 2011).

A apresentação de tais modelos de gestão é de grande importância, pois foram considerados quando da elaboração de propostas de ações de repressão ao roubo a bancos, um dos principais objetivos desta pesquisa.

Esses modelos são os seguintes:

i) Policiamento Orientado pela Inteligência: Modelo de gestão concebido a partir de dados e observações desenvolvidas pela polícia do condado inglês de Kent, onde identificou- se que um número considerável de infrações era cometido por um número relativamente reduzido de indivíduos. Assim, o trabalho policial seria tanto mais eficiente quanto se tivesse como foco essas pessoas (SILVA JUNIOR, 2014).

Tendo como fundamento o pressuposto acima mencionado, desenvolveu-se, pois, um modelo caracterizado pelo uso intenso das informações disponíveis, isto é, inteligência policial, para a identificação dos criminosos-chave, ou seja, aqueles grupos ou pessoas responsáveis por parte significante da atividade criminosa em dada área. Após a realização dessa tarefa inicial, devem as forças policiais concentrar seus esforços nesses grupos, de modo a maximizar os resultados (RATCLIFFE, 2011).

Contudo, verifica-se que há um ponto central no emprego de tal modelo: a identificação dos criminosos-chave. Como, então, resolver tal desafio? A resposta encontra-se nas atividades de inteligência policial, principalmente através da análise das informações disponíveis em investigações em andamento ou já encerradas.

A partir desses dados, pode-se identificar aqueles indivíduos que contribuem de forma mais significativa para o aumento das estatísticas criminais em relação a crimes específicos, com alta taxa de reincidência, como o aqui estudado, o roubo a bancos. Tal tipo de crime exige alta especialização e, como regra, somente é praticado por criminosos já experientes, dada a violência e o risco envolvido nesse tipo de ação.

Desse modo, pode-se afirmar que o policiamento orientado pela inteligência apresenta-se como modelo de gestão adequado ao enfrentamento do crime de roubo a bancos.

Quais devem, pois, serem as prioridades de um gestor de polícia ao adotar tal modelo? Devem ser: o foco nos criminosos de maior relevância; o acompanhamento dos hotspots de crimes; a identificação e a investigação, de forma conjunta, de delitos relacionados; a tomada de decisão baseada em dados fornecidos pela inteligência policial; a priorização das ações repressivas tendo como alvo os criminosos de maior reincidência, bem como aqueles que tenham cometido delitos de maior gravidade (RATCLIFFE, 2011).

Outra característica que se pode apontar sobre tal modelo é a grande centralização de meios, através de um abordagem organizacional do tipo do topo para a base, já que, com o objetivo de redução das estatísticas criminais, o emprego de meios é mais eficiente se houver uma concentração deles onde os impactos forem maiores (ibidem).

Na busca desses impactos, Ratcliffe (2003) aponta quais os resultados que devem ser buscados e de que forma, através do denominado Ciclo 3-i, onde se apresenta, de forma conceitual, os resultados e o funcionamento esperado de tal modelo de policiamento, como se pode verificar na Figura 6:

Figura 6 – Ciclo 3-i

Fonte: RATCLIFFE, 2003

Assim, segundo tal modelo, a inteligência policial interpreta o ambiente criminal utilizando as técnicas de análise criminal e de inteligência a fim de conhecê-lo, para identificar os indivíduos-chave. De posse desse conhecimento, o órgão de inteligência policial deve utilizá- lo para subsidiar o decisor, o gestor da polícia no processo de tomada de decisão, influenciando- o no emprego de meios, de modo que esses sejam concentrados nos criminosos identificados pela Inteligência. Espera-se, desse modo, segundo o modelo ora apresentado, que tal decisão impacte diretamente no ambiente criminal, reduzindo as estatísticas criminais, objetivo-fim desse tipo de ação policial.

Ressalte-se que, em uma organização gerida com base nesse modelo, é fundamental que se identifique a presença dos três “i”s apontados no modelo, quais sejam: que o ambiente seja corretamente interpretado, que o gestor tome suas decisões influenciado pela atividade de Inteligência e que tal decisão, de fato, impacte no ambiente criminal, através da redução das estatísticas criminais (RATCLIFFE, 2003).

Ao longo do presente trabalho, em especial no momento de proposição de ações para o aperfeiçoamento do trabalho da polícia, a busca para determinar quais medidas impactariam de forma mais significativa o ambiente criminal orientou os estudos desenvolvidos.

ii) Policiamento Orientado ao Problema (POP): É um modelo de gestão de policiamento no qual incidentes similares, em especial crimes, são analisados de forma detalhada, de modo que se identifique suas causas, fatores e circunstâncias para, dessa forma, utilizar tais descobertas para lidar com esses problemas de forma mais eficaz e eficiente. Busca envolver diversos atores, as mais diversas esferas do poder público, os grupos empresariais e a comunidade na solução dos problemas identificados, e tem especial atenção na avaliação dos resultados obtidos pelas ações executadas, como forma de corrigir rumos e aprimorar procedimentos (GOLDSTEIN, 2001).

Para atingir os objetivos que se propõe, o modelo ora apresentado utiliza uma metodologia que se divide em quatro fases – identificar, analisar, reagir e avaliar – o que levou a que fosse representada pelo denominado Ciclo IARA (SARA, em inglês) (SCOTT & KIRBY, 2012), como demonstrado na Figura 7:

Figura 7 – Ciclo IARA

Fonte: PORTO, 2005

É importante estabelecer que, em comparação ao Ciclo 3-i apresentado anteriormente, de característica conceitual, o presente ciclo é metodológico, representando o processo a ser percorrido para o emprego do modelo proposto.

Durante a primeira fase, o objetivo é identificar aqueles problemas, isto é, grupos de incidentes similares de interesse policial (GOLDSTEIN, 2001), prioritários, que mais afetam a vida comunitária. Para tanto, deve o gestor valer-se tanto de informações de inteligência policial como da contribuição da comunidade, que pode apontar quais as situações se apresentam como prioritárias. Por isso, pode-se afirmar que, embora tenha a preocupação com a redução das estatísticas criminais, o POP também possui como objetivo secundário a reaproximação entre as forças policiais e a comunidade a que essas corporações servem.

Uma vez identificados os problemas prioritários, lembrando-se da importância da participação social nessa fase, cada um desses problemas deve ser decomposto de forma detalhada e exaustiva, de modo que se identifique suas causas, bem como a existência de padrões que possam subsidiar o planejamento das ações não só das forças policiais, mas também de outros órgãos públicos ou mesmo da sociedade, que possam contribuir para a redução das questões identificadas (BOBA, 2009).

Uma vez compreendido e analisado o problema prioritário, bem como identificadas as ações necessárias a sua solução ou, ao menos, a sua mitigação, deve-se buscar a implantação das medidas desenhadas (PORTO, 2005). Ressalte-se a relevância de tal fase, pois muitas vezes as dificuldades de execução impedem a consecução dos objetivos perseguidos.

Por isso mesmo, cresce de importância a quarta fase, ou seja, a avaliação das medidas implantadas, uma vez que tal cuidado permitirá a correção de rumos face às dificuldades da fase de execução, bem como permitirá que ações que não atinjam os objetivos propostos sejam reformuladas (BOBA, 2009).

iii) Compstats:3Modelo de gestão caracterizado pelo largo emprego da tecnologia, em especial de tecnologias relacionadas à representação espacial do fenômeno criminal, no qual há o estabelecimento de responsabilidade gerencial pelo atingimento de metas claramente estabelecidas, de forma a reestruturar a forma pela qual o serviço policial é prestado (AZEVEDO et al., 2011). Assim, tal metodologia não é simplesmente um mapeamento de incidências criminais, mas uma ferramenta de gestão baseada em dados, cuja análise se tornou possível graças à evolução tecnológica (RATCLIFFE, 2004).

Tem como fundamentos a análise espacial das ocorrências criminais, bem como a prestação de contas a respeito dos resultados (accountability), empregando tal análise como meio de avaliação dos resultados obtidos pelos comandantes de nível intermediário, ou seja,

comandantes de Batalhões e titulares de delegacias de área, sob ao quais recaem a responsabilidade pelos resultados obtidos em suas circunscrições (AZEVEDO et al., 2011).

E, para que os objetivos de redução de estatísticas sejam atingidos, o modelo em questão propõe o emprego de quatro princípios (RATCLIFFE, 2011): inteligência adequada no tempo e precisa, utilização de táticas operacionais efetivas, rapidez no tratamento das situações enfrentadas e avaliação incessante dos resultados obtidos, através do acompanhamento das estatísticas criminais.

Tal modelo obteve bons resultados em diversos departamentos de polícia ao redor do mundo como, por exemplo, em Nova Iorque, onde foi implantado de forma pioneira, em Newark, nos Estados Unidos, e pela polícia de Nova Gales do Sul, na Austrália (ibidem).

No entanto, há divergências se os resultados obtidos foram decorrentes da implantação do Compstats ou se foram decorrentes de outros fatores, já que esse modelo de gestão não apresenta profundas alterações no modelo organizacional das forças policiais, apenas focando na busca por resultados estatísticos, pois mantém a hierarquia centralizada em uma abordagem

top-down (WEISBURD et al., 2006) (MOORE, 2003).

Como exemplo dos problemas existentes nesse modelo, usualmente cita-se a importância dada às apresentações de resultados obtidos pelos comandantes intermediários em reuniões periódicas. Em algumas polícias, tornou-se mais importante o resultado da apresentação do que, de fato, obter bons resultados no trabalho policial (MAPLE & MITCHELL, 1999).

Em que pesem as críticas recebidas, tal modelo foi adotado por um número relevante de polícias ao redor do mundo, seja em razão dos resultados obtidos, seja pela facilidade relativa de implantação, já mencionada acima (RATCLIFFE, 2011).

iv) Policiamento Preditivo: Não se trata, na verdade, de um novo modelo de gestão de negócios, mas sim de um conjunto de técnicas a serem aplicadas por analistas criminais nos diversos modelos de gestão anteriormente descritos (JOÃO, 2009).

Tais métodos, fortemente baseados em novas tecnologias como data mining e machine

learning – que permitem a análise massiva de dados, impensável há até bem pouco tempo atrás

– têm como objetivo tornar o trabalho policial mais proativo, já que permitem, trabalhando com modelos probabilísticos, apontar os locais com maior risco da ocorrência de um delito, bem como reunir crimes com maiores chances de terem sido cometidos por um único indivíduo ou grupo, dentre outras aplicações (PERRY et al., 2013). Esse cálculo de probabilidades é feito

a partir de dados relacionados à ocorrência estudada, de forma que se permita estimá-lo (MENA, 2003).

Pode-se verificar tais possibilidades de emprego quando comparadas à análise criminal ordinária na tabela 1:

Tabela 1 – Comparativo entre técnicas de análise convencionais e preditivas

USO DA TECNOLOGIA PROBLEMA ANÁLISE

CONVENCIONAL ANÁLISE PREDITIVA

Predizer o crime

Determinar áreas com maior risco de ocorrência

de um crime Mapeamento criminal (identificação de hotspots) Análise de risco do terreno e modelos avançados de identificação de hotspots Predizer criminosos

Identificar um alto risco de guerra entre quadrilhas rivais Revisão manual de relatórios de Inteligência envolvendo atividades de quadrilhas Modelos de repetição (near-repeting) em registros de violência intergrupos recentes Identificar autores de crimes passados Identificar suspeitos a partir dos registros

criminais

Revisão manual dos dados disponíveis Buscas e análises realizadas em sistemas computadorizados Identificar autores de crimes passados

Determinar que crimes são parte de uma mesma

série

Análise de tabelas para identificação de ligações entre crimes Modelagem estatística para identificação de ligações (ex.: clusterização)

Predizer futuras vítimas

Identificar grupos mais propensos a se tornarem vítimas Mapeamento criminal (identificação de hotspots) Análise de risco do terreno e modelos avançados de identificação de hotspots

Fonte: PERRY et al., 2013

Como exemplo do emprego de tais técnicas, cita-se a construção de mapas de risco do terreno, nos quais os locais com maior risco de incidência de um determinado delito são representados através de legenda e apontados a partir de um cálculo multivarietado. Assim, busca-se demonstrar, através de um exemplo, o produto obtido a partir da utilização de múltiplas variáveis de caráter geográfico, como distância e população, no qual se busca representar o risco da ocorrência de determinado tipo de crime em certa porção do território

A Figura 8 apresenta um mapa de risco do terreno elaborado com o objetivo de subsidiar o planejamento de ações policiais de repressão aos roubos contra o patrimônio dos Correios no estado do Piauí (SILVA, 2016):

Figura 8 – Mapa de risco do terreno: crimes contra o patrimônio dos Correios

Fonte: SILVA, 2016

Como forma de resumir o apresentado neste tópico, ressaltando-se as diferenças e semelhanças em cada um dos modelos de gestão estudados, apresenta-se a Tabela 2, elaborada por Clark & Eck (2005):

Tabela 2 – Principais modelos de gestão de policiamento

Fonte: CLARK & ECK, 2005, p. 30

A apresentação das modernas formas de gestão do policiamento é relevante para a presente pesquisa, pois o fenômeno dos roubos a bancos no recorte geográfico proposto será analisado de forma detalhada, levando-se em consideração os princípios apresentados pelo Policiamento Orientado ao Problema.

Ademais, tendo em vista as características do tipo de crime estudado, bem como aliado ao fato de que os principais modelos de gestão policial não são excludentes entre si – ao contrário: são complementares – empregou-se, também, em especial no momento de formulação de ações destinadas a reduzir as estatísticas criminais, técnicas associadas ao Policiamento Orientado pela Inteligência, com o foco nas organizações criminosas de grande periculosidade e de maior reincidência.

2.3 Aproximação entre a Teoria do Espaço de Milton Santos e a Teoria da Criminologia