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Apresentação dos resultados e discussão

No documento Transexualidades: um olhar multidisciplinar (páginas 179-189)

Após a leitura atentiva dos depoimentos transcritos, definiram-se duas categorias, com a interpretação dos resultados descritos abaixo.

Categoria 1 – As múltiplas dimensões da transexualidade

A modificação do corpo é um fato antigo e algumas teorias sobre a transexualidade a relacionam como algo nefasto para Deus e uma afronta aos bons costumes. Tal pensamento

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reafirmou a transexualidade como uma transgressão social e, portanto, com a necessidade de tratamento.

Assim, consolidou-se o modelo patológico sobre a saúde dos transexuais, entendendo-os como portadores de inversões. (ARÁN; ZAIDHAFT; MURTA, 2008) Harry Benjamin, referência mundial na teorização sobre transexualismo, defendia que a dificuldade de aceitação do sexo de nascimento estaria relacionada a uma alteração genética ou endócrina. (ARÁN; MURTA, 2009)

Especificamente na década de 70, o transexualismo passa a ser considerado como uma disforia1 de gênero e é incorporado ao Manual Diagnóstico e Estatístico das Desordens Mentais

(DSM III). Precisamente em 1994, o termo sofre substituição por transtorno de identidade de gênero (TIG), confirmando o caráter da patologização dado por um sistema normativo social de sexo e gênero. (ARÁN; MURTA, 2009)

Embora tenham surgido estas classificações, buscava-se uma nova definição que supe- rasse a condição de patologia, fato que passou a receber os esforços de novas teorias médicas e sociológicas, culminando com o termo transexualidade. Portanto, a transexualidade passou a ser definida a partir de três aspectos: como um sentimento de identidade permanente, uma crença na essência feminina ou masculina sem ambiguidades; na relação com o pênis vivida “como horror”; e uma especificidade na relação com a mãe, denominada de simbiose, com a ressalva de que esta relação não pode ser psicotizante. (ARÁN; MURTA; LIONÇO, 2009) Nesta proposta de mudança, surge ainda o termo de redesignação sexual, atendendo às demandas destes grupos pelos processos terapêuticos formais, culminando na criação de centros de trans- genitalização e elaboração de protocolos de atendimento.

Percebe-se que as demandas dos transexuais versavam sobre o controle do próprio corpo, com necessidade de modificação cirúrgica para minimização de sofrimento físico, psíquico e social, determinada pela Resolução nº 1.482/97, que autorizou a cirurgia de transgenitalização e os procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários, podendo, para tanto, serem realizados em hospitais universitários e/ou públicos credenciados. (VENTURA; SCHRAMM, 2009) Em seguida, a Resolução nº 1.652/02 revoga a anterior e autoriza a realização das cirurgias para adequação do fenótipo masculino para o feminino em hospitais públicos ou privados, independente da atividade de pesquisa. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2002)

Contudo, apenas em 2008 o Ministério da Saúde (MS), por meio da Portaria GM nº 1.707, aprova o Processo Transexualizador no SUS, formalizando suas diretrizes técnicas e éticas, in- corporando os critérios e condições para o acesso. Este processo compreende um conjunto de estratégias de atenção à saúde implicadas no processo de transformação dos caracteres sexuais, especificamente em relação às dimensões físicas e psicossociais. (LIONÇO, 2009)

Mesmo diante dos avanços, nota-se ainda uma dificuldade no entendimento sobre a tran- sexualidade. Verificou-se, então, que os entrevistados apresentaram uma representação social sobre a transexualidade marcada por forte influência biologicista, reduzindo-a à realização da

1 Corresponde à insatisfação decorrente da discordância entre o sexo biológico e a identidade sexual de um indivíduo, tendo como única possibilidade de tratamento a realização da cirurgia de conversão sexual e a utilização de hormô- nios. (AMARAL, 2011)

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cirurgia, o que denota a visão compartimentalizada dos graduandos de enfermagem concluin- tes, conforme falas abaixo:

[...] transexualidade são aquelas pessoas que mudam o sexo, através de um procedimento cirúrgico [...]. (Lavanda)

[...] são aquelas pessoas que são operadas, que fazem a cirurgia para mudança de sexo [...]. (Cravo)

[...] é uma pessoa querendo ser algo que a natureza em si não foi satisfatória para lhe dar... o que ela gostaria de ser, mulher ou homem e para isso ele precisa de uma cirurgia, ele almeja isso [...]. (Açucena)

[...] são pessoas que procuram felicidade na mudança, não tem satisfação no físico que nasceu, precisam da retirada do órgão ou retiram a mama, precisam tomar hormônios do sexo oposto para exacerbar as características sexuais opostas, muitas vezes procuram se entender [...]. (Dália)

Ressalta-se que a cirurgia de redesignação sexual deve ser encarada como um dos passos possíveis para exercer a identidade de gênero na transexualidade, contribuindo para que os su- jeitos tenham mais valia sobre si, considerando a individualidade e subjetividade que permeia todo o processo. (SOARES et al., 2011) Na prática assistencial, nota-se que alguns transexuais consideram a cirurgia imprescindível, embora outros optem por viver com o órgão de nascimen- to, por acreditarem que a transexualidade supera a dimensão puramente biológica.

É preciso considerar que todos os sujeitos são complexos e com necessidades diferenciadas a cada tempo, sendo perceptível que o processo de redesignação sexual poderá não solucionar problemas existenciais e de conflitos internalizados pelos sujeitos, em virtude de uma sociedade sexista, racista e que ainda possui dificuldades para compreender o diferente. (BENTO, 2006) Para tanto, há necessidade em aprimorar e ampliar a atuação da equipe multidisciplinar, sobre- tudo a participação das(os) enfermeiras(os), em outras esferas do cuidado aos transexuais que não se restrinjam ao corpo, com a finalidade de promover a satisfação e a adequação ao meio social em que vivem. (LOPES, 2009)

Esta percepção integral pelas(os) enfermeiras(os) deve iniciar-se pelos aspectos que en- volvem o conhecimento sobre a transexualidade, afinal, para atuar com humanização, compe- tência e integralidade, há que se conhecer o universo dos transexuais. Este conhecimento ainda incipiente nos cursos de graduação em enfermagem necessita ser aprofundado, sobretudo por evidenciar uma distorção de interpretação entre os acadêmicos, revelando equívocos no que tange à orientação sexual e identidade de gênero, o que se visualiza nos depoimentos a seguir:

[...] ser transexual é o fato da pessoa, do indivíduo gostar de um mesmo sexo e ele querer ser do outro sexo. Representa uma pessoa querendo ser de outro sexo, nada mais [...]. (Açucena) [...] transexualidade vem mais da mudança de sexo, da questão de você querer mudar o físico, não só gostar da pessoa do mesmo sexo, mas sim não ter uma satisfação com o seu físico, o seu sexo de nascença [...]. (Dália)

[...] transexualidade são pessoas que têm uma opção sexual, a opção afetiva que corresponde ao mesmo sexo. São aquelas pessoas que têm atração afetiva e/ou sexual por pessoas do mesmo sexo. São pessoas que se assumiram transexuais, que assumiram o desejo homoafetivo ou bissexual [...]. (Orquídea)

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[...] indivíduos que desde pequeno já tem traços mais femininos, têm uma tendência com o decorrer do desenvolvimento, principalmente na fase da adolescência, acentuando esses traços e por consequência optam por viver do modo, do lado do sexo oposto [...]. (Cravo)

Frente ao imaginário popular de entendimento sobre a sexualidade, cabe destacar que a transexualidade em nada se parece com a homossexualidade, bissexualidade e outras formas de expressão da orientação sexual. Portanto, a transexualidade envolve uma diferenciação na identidade de gênero e, dessa maneira, evidencia a orientação sexual e quais os desejos do su- jeito no seu cotidiano e modo de viver. Sendo assim, é possível tornar-se um homem ou mulher transexual e gostar de ambos os sexos. (BUTLER, 2009)

Além disso, o cuidado aos transexuais engloba a atuação da(o) enfermeira(o) centrada nos princípios de humanização, integralidade, universalidade, equidade e participação ativa dos sujeitos. Portanto, verifica-se uma necessidade para trabalhar com os simbolismos criados pe- los profissionais de saúde, em especial graduandos de enfermagem durante a sua formação, ajudando-os a reelaborar seus pré-conceitos e pré-julgamentos sobre o sujeito a ser cuidado, a exemplo dos discursos abaixo:

[...] é aquele que nasce com o sexo masculino, mas na sua cabeça ele se sente como uma mu- lher, ele não vê aquele corpo como seu. É uma pessoa que não se aceita e não consegue um trabalho, não consegue se desenvolver até resolver esse problema. Ele não consegue ver uma forma de estudar, de trabalhar, até que ele se resolva mesmo consigo, até que ele mude de sexo, é mais em relação ao sexo mesmo [...]. (Flor-de-Lis)

[...] é aquele indivíduo que nasceu com um tipo de sexo, mas que ao longo da vida ele percebeu com desejos, aptidões para outro tipo de sexo e realizou a cirurgia adquirindo, então, um dife- rente sexo do que ele nasceu. É um indivíduo como qualquer outro, embora ele sofra repressão pela sociedade, sofra psiquicamente com isso [...]. (Lírio)

[...] o que a gente mais tem assim a noção que é um ser meio oprimido, rejeitado pela so- ciedade, que sofre preconceitos e que não consegue, mesmo conseguindo ter outro sexo, não consegue ser feliz por causa dessa opressão que sofre [...]. (Tulipa)

[...] representa uma pessoa que vai ser sempre discriminada porque é diferente do que a socie- dade tem como normal e não vejo horizonte disso mudar [...]. (Azálea)

[...] representa pessoas confusas, que eu não vejo como pessoas felizes porque a sociedade pega em cima, cobrando, julgando, então não vejo que uma pessoa dessa consiga ser feliz, são pessoas que vivem em plena confusão com os próprios sentimentos [...]. (Begônia)

A carga patologizante identificada nas entrevistas pode ser atribuída ao discurso biológico sobre a transexualidade como desordem médica. (SILVEIRA, 2006) Apesar da discussão sobre a transexualidade ser antiga, verifica-se que a sua vivência pode ocasionar problemas relacio- nados à vida psíquica, principalmente por conta da injúria e exclusão social, bem como proble- mas familiares e de relacionamento sexual/afetivo. No entanto, isto não significa que todas as pessoas transexuais vivenciem o mesmo tipo de sofrimento e que tal vivência ocasione impacto em sua trajetória de vida. (ARÁN; MURTA, 2009) Sendo assim, precisa-se de enfermeiras(os) que apresentem uma visão mais abrangente sobre a transexualidade, de modo a compartilhar experiências com os sujeitos transexuais, minimizando os conflitos e desenvolvendo atitudes proativas sobre seu próprio cuidado.

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Categoria 2 – O (des) conhecimento sobre a transexualidade: da perspectiva normativa à social

A heterossexualidade, homossexualidade e bissexualidade constituem orientações sexu- ais discutidas na sociedade, representando a condição de pessoas com profunda atração emo- cional, afetiva e/ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero. (BRASIL, 2010) Contudo, visualiza-se ainda um conhecimento incipiente sobre as mesmas, confundindo-as com a travestilidade e a transexualidade.

Embora se saiba que existe dificuldade de entendimento sobre orientação sexual e iden- tidade de gênero, observa-se que alguns graduandos de enfermagem apresentam uma repre- sentação social sobre o sujeito homossexual, bissexual e travesti com definições centradas nas questões que envolvem o sexo, e não a sexualidade, o que se visualiza a seguir:

[...] homossexual é um indivíduo que gosta, que sente atração sexual por outro do mesmo sexo. O bissexual é uma pessoa, seja homem ou mulher, que gosta dos dois sexos [...]. (Rosa) [...] homossexual é aquele que se interessa pelo indivíduo do mesmo sexo, o qual ele nasceu. Bissexual se interessa tanto pelo mesmo sexo como pelo sexo oposto [...]. (Margarida)

Percebe-se ainda certa inconstância para abordar socialmente a travestilidade. A(o) tra- vesti representa uma pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que assume papéis de gênero diferentes daquele imposto pelo seu sexo biológico e pelas regras heteronormativas. Muitas travestis modificam seus corpos por meio de hormonioterapias, aplicações de silicone e/ ou cirurgias plásticas, porém isso não constitui regra para todas. Diferentemente das transexu- ais, as travestis não desejam realizar a cirurgia de redesignação sexual. (BRASIL, 2010)

Mesmo diante de tais definições, percebeu-se que os graduandos de enfermagem con- cluintes possuem pouco conhecimento sobre o assunto, evidenciado nos depoimentos abaixo:

[...] travesti... a concepção que tenho de travesti (risos) eu nem sei direito [...]. (Angélica) [...] travesti, não sei se isso é o que a mídia propõe, também não sei precisar se essa é a de- finição real ao termo, mas entendo que travesti é aquele que se monta de mulher de forma exagerada e que pode ou não ser homossexual [...]. (Vitória-Régia)

[...] travesti apenas se transvesti como o sexo oposto, é apenas uma atração pela aparência do sexo oposto [...]. (Margarida)

[...] travesti não muda o sexo, os órgãos genitais dele continuam o mesmo, mas só vem na cabeça assim... do homem ser travesti e se comportar como mulher, entendo só isso, como se fosse um gay para mim [...]. (Begônia)

Por outro lado, os entrevistados demonstram conhecer algumas intervenções no corpo que caracterizam a travestilidade, principalmente o uso de silicone, hormônios e mudanças de comportamentos socialmente sancionados como femininos. Tais discursos esclarecem que o travesti denota um simbolismo corpóreo ao feminino e masculino, sem o desejo de extirpar a própria genitália, como apontada nas falas a seguir:

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[...] o homem que seria um travesti tende a querer se vestir como mulher, se comportar como mulher, agir como mulher, então, tem muitos que querem mudar o próprio corpo, colocar silicone nos seios para parecer o máximo como mulher, ele não se sente um homem [...]. (Copo de Leite) [...] o travesti eu vejo que é tipo um homem ou mulher que se transvesti, que se transforma no sexo oposto, que gosta dos acessórios, não sei dizer qual a opção sexual do travesti, mas eu vejo assim, uma pessoa que veste roupas do sexo oposto, do sexo que o atrai [...]. (Rosa) [...] o travesti seria uma pessoa, geralmente homem nesse caso, que é homem, que faz sexo com mulheres, porém ele se veste como mulher em algum momento do dia ou em algum mo- mento da sua vida [...]. (Lírio)

[...] travesti é quando ele só se veste por outro sexo, mas ele continua tendo o órgão sexual [...]. (Tulipa)

Ressalta-se que estas representações sobre orientação sexual e gênero não devem ser atribuídas apenas aos grupos vulneráveis, dentre estes os travestis e transexuais, pelo simples fato de segregar a discussão em grupos específicos, compartimentalizando a visão de toda a sociedade, sobretudo daqueles que a constroem. (MELLO et al., 2011)

No que se refere à transexualidade, identificou-se que a maioria dos discentes de en- fermagem concluintes demonstra desconhecimento e/ou dificuldade em abordar tal assunto, enquanto outros apresentam uma representação social ancorada em aspectos desfavoráveis, a exemplo da carga de preconceito, do juízo de valor, revelando grau estigmatizante para o grupo dos transexuais, conforme depoimentos a seguir:

[...] nunca presenciei, nem ouvi falar nada sobre isso não e sobre a transexualidade também não muito [...]. (Malmequer)

[...] o tema é muito difícil de ser trabalhado justamente no que diz respeito à mudança de sexo, que às vezes muitas pessoas costumam não aceitar e encaram aquela pessoa como se fosse anormal, desrespeitando-a [...]. (Magnólia)

[...] vi mais relacionado ao preconceito, principalmente por parte da família e por parte do traba- lho, a pessoa, até que ela mude de sexo, ela tem um documento do sexo que ela nasceu, então fica muito difícil para trabalho, para convivência, para namoro, para tudo [...]. (Flor-de-Lis) [...] eu não chego a julgar, mas fico me perguntando como é que uma pessoa faz isso? Como é que uma pessoa muda assim o que Deus quis, eu não entendo até hoje fico me perguntando isso, não chego a ter preconceito e tudo de julgar, mas fico me perguntando essas coisas [...]. (Begônia)

[...] costumo ouvir muito histórias de pessoas em relação ao preconceito, não aceitar a ques- tão do outro como ele é. As pessoas costumam falar criticando, não aceitando, acha que a pessoa deixa de ser humano, é uma aberração por optar em fazer uma mudança de sexo [...]. (Beladona)

Diante deste cenário, faz-se necessário enfatizar que a escassez de dados de pesquisas em saúde da população transexual nos remete à manutenção do preconceito social e ao desconhe- cimento quanto ao tema, resultando em práticas discriminatórias, com posterior reclusão dos transexuais. (MATÃO et al, 2010; SOARES et al., 2011)

Acredita-se que a mídia possui relevante papel na construção da representação social sobre os sujeitos transexuais, contribuindo para a reafirmação de modelos estigmatizantes ou

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indicando novas formas de assistir, livres do sofrimento, discriminação, violência e preconceito. Nos depoimentos abaixo, nota-se que a mídia atua como veículo de histórias e relatos sobre a transexualidade como transtorno, desordem ou anomalia psíquica:

[...] com transexual não tive contato, apenas vi por televisão, até mesmo com esse tema tran- sexualidade somente por televisão. O que eu já ouvi falar em televisão, em revistas que a gente vai lendo, principalmente desses transexuais mais famosos, que são pessoas que relatam que desde pequena já desenvolviam aqueles traços femininos e na adolescência se firmaram e também quando adultos realizaram a cirurgia e hoje vivem como mulheres, tomam hormônios [...]. (Cravo)

[...] é um tema difícil de falar porque não estudamos, não sabemos, eu sei mais assistindo a televisão, reportagens. Hoje tenho visto várias entrevistas falando sobre transexualismo, tran- sexualidade na verdade, hoje em dia as pessoas conhecem mais esse fenômeno que antes não era conhecido [...]. (Rosa)

[...] agora uma vivência assim... algum tipo de preconceito eu vejo mesmo na TV, o que as pessoas fazem, principalmente nas capitais paulistas, contra os transexuais, contra os homossexuais, essas questões de violência mesmo contra eles, mas só isso, nada de vivência [...]. (Angélica)

Outro aspecto que merece destaque são as iniciativas desenvolvidas no âmbito acadêmico para ampliar o leque de conhecimento e discussão sobre a transexualidade, através da inclusão de temas transversais em semestres específicos, embora se faça urgente abordar esta proble- mática no curso de enfermagem sob o olhar multidisciplinar. Aqui, demonstra-se a importância destas ações no universo acadêmico da enfermagem, fato sinalizado pelos graduandos de en- fermagem concluintes:

[...] ouvi falar sobre transexualidade durante a graduação, no sexto semestre na matéria de gi- necologia, com um seminário cujo tema foi transexualidade, que abordou a temática de forma esclarecedora e isso ajudou um melhor entendimento sobre o assunto atualmente [...]. (Violeta) [...] eu ouvi falar no seminário da sala, foi quando eu vi aqueles depoimentos, aí deu para ter mais conhecimento sobre o assunto, saber mais porque eu nunca tinha escutado falar [...]. (Begônia)

[...] ouvi no seminário no sexto semestre em Saúde da Mulher, ali foi meu primeiro contato para saber mesmo como é que era a cirurgia e, fora isso, era na televisão, internet, foi basicamente esse contato que eu tive, nunca tive contato pessoal com uma pessoa transexual, pelo menos que eu saiba [...]. (Lavanda)

[...] acho que o único momento sobre transexualidade que eu ouvi falar foi no seminário aqui dentro da faculdade, semestre passado [...]. (Bromélia)

Nesta linha de pensamento, o Ministério da Saúde propõe, dentre as ações desenvolvidas à população LGBT, incluir os conteúdos relacionados a este grupo na formação dos profissionais de saúde de nível técnico e da graduação, bem como garantir o tema nos processos de educação permanente e no fomento a pesquisas. (LIONÇO, 2008)

Segundo Chainho (2012), os estudos envolvendo a transexualidade contribuirão para pro- piciar novo corpus de conhecimento na área de saúde e afins, e, com isso, redefinir conceitos e valores acerca dos sujeitos que vivenciam tal condição. Isso implica na incorporação de dis-

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cussões aprofundadas no currículo de formação dos profissionais de saúde, em especial as(os) enfermeiras(os).

Considerações finais

Evidencia-se que os graduandos de enfermagem concluintes possuem certo desconheci- mento sobre a transexualidade como uma manifestação de exercício da sexualidade. Parte dos entrevistados aponta conceituações deturpadas, embutidas de preconceito e evocações que revelam ou prenunciam atitudes pouco compreensivas perante os transexuais. Além disso, iden- tificou-se uma forte influência sociocultural no entendimento sobre o cotidiano destes sujeitos. As representações sociais obtidas denotam a necessidade de incorporação da temática transexualidade na formação de enfermeiras(os), visto que as(os) mesmas(os) permanecem li- gadas(os) ao cuidado direto às pessoas e, para tanto, devem ser capazes de compreender as múltiplas dimensões que envolvem o modo de ser e de viver dos transexuais, oferecendo-lhes uma assistência de qualidade, ancorada na indissociabilidade dos princípios que regem o SUS e nos direitos humanos.

Por fim, espera-se que estes resultados oportunizem às instituições de formação em saúde e áreas afins, gestores e especialmente enfermeiras(os), um remodelamento nos conceitos, prá- ticas e atitudes desenvolvidas no cuidado aos transexuais, descortinando os pré-julgamentos e pré-conceitos que cercam este tipo de assistência com atitudes proativas, permitindo um maior empoderamento.

Referências

AMARAL, Daniela Murta. Os desafios da despatologização da transexualidade: reflexões sobre a assistência a transexuais no Brasil. 2011. 107p. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2011.

ARÁN, Márcia; MURTA, Daniela; LIONÇO, Tatiana. Transexualidade e saúde pública no Brasil. Ciência e Saúde Coletiva, v. 14, n. 4, p. 1141-1149, 2009.

ARÁN, Márcia; ZAIDHAFT, Sérgio; MURTA, Daniela. Transexualidade: corpo, subjetividade e saúde coletiva. Psicologia e Sociedade, v. 20, n. 1, p. 70-79, 2008.

ARÁN, Márcia; MURTA, Daniela. Do diagnóstico de transtorno de identidade de gênero às redescrições da experiência da transexualidade: uma reflexão sobre gênero, tecnologia e

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