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Apresentação do plano de recuperação

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 119-122)

No prazo de sessenta dias do edital que defere o processamento, compete ao devedor apresentar o plano de recuperação judicial. Trata-se, em linhas gerais, de documento em que consta a estratégia adotada para superação da crise, composta de proposta de pagamento das dívidas e dos instrumentos a serem utilizados para atingir o objetivo de reerguimento da empresa. No aspecto processual, a apresentação do plano é ato processual.268

Cabe exclusivamente ao devedor a apresentação do plano269. O Projeto de Lei n. 4.376/93, que veio a se transformar na Lei n. 11.101/2005, previa a possibilidade de o comitê de credores apresentar plano de recuperação judicial, caso entendesse inadequado o plano oferecido pelo devedor270. Nada impede, todavia, que credores apresentem em assembleia geral plano alternativo ou propostas de modificações pontuais no plano apresentado pelo devedor.

268 “Diante da ausência de elementos essenciais no contrato e da necessidade de homologação

judicial para o surtimento de efeitos jurídicos, a releveção da natureza processual como predominante negligenciaria a participação da vontade das partes na formação do plano [...]. O plano de insolvência e de recuperação não deve ser entendido como um contrato de Direito Privado, mas como resultado de um procedimento judicial. [...] A interação das regras concursais com a participação das partes releva o plano a um ato processual formado pela autonomia privada.” (COROTTO, Susana. Modelos de reorganização empresarial brasileiro e alemão: comparação entre a lei de recuperação e falências de empresas e a insolvenzordnung sob a ótica da viabilidade prática, p. 89).

269 Wilges Ariana Bruscato critica a atribuição ao devedor da incumbência de elaborar o plano de

recuperação, por constatar empiricamente que grande contingente das iniciativas empresariais ocorre sem preparo, qualificação ou aptidão dos titulares. “Sem considerar esse quadro, a lei atribui ao empresário em crise o concerto – e o conserto – do empreendimento. Pensamos que é extremamente difícil que alguém sem noções técnicas de administração – o que talvez seja a raiz da crise –, em meio pressurizado, seja capaz” (Manual de direito empresarial brasileiro, p. 580) de endireitar o empreendimento. O argumento de que é possível ao devedor a contratação de consultores especializados é refutado pela autora, com fundamento no custo, geralmente dispendioso. Conclui que a tarefa deveria recair sobre especialistas mantidos pelo Poder Judiciário. No direito germânico, o plano pode ser apresentado pelo devedor ou pelo administrador judicial, se assim requisitado pelos credores (COROTTO, Susana. Modelos de reorganização empresarial

brasileiro e alemão: comparação entre a lei de recuperação e falências de empresas e a insolvenzordnung sob a ótica da viabilidade prática, p. 88).

270 A medida constava do substitutivo apresentado pela comissão especial da Câmara dos

Deputados, no artigo 60, IV, “b” (BULGARELLI, Waldirio. Ainda a reforma da lei falimentar. Revista

de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, Malheiros, v. 36, n. 111, p. 203-

231, jul./set. 1998. p. 212). A proposta recebeu pesadas críticas, em especial pela impossibilidade de responsabilidade pela implementação (SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. A disciplina da reorganização da empresa em crise econômica no projeto de lei concursal. Revista de Direito

Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, Malheiros, v. 36, n. 111, p. 143, jul./set.

Exige-se que o plano contenha discriminação pormenorizada dos meios de recuperação que pretende o devedor utilizar para superação da crise; demonstração da viabilidade econômica; e laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.271

Dispõe o artigo 53 que o prazo para apresentação do plano de recuperação, de sessenta dias contados do edital que defere o processamento, é improrrogável. A clareza do dispositivo legal não permite dilações (nem divagações...). Registre-se que a não apresentação tempestiva do plano leva à convolação da recuperação em falência.272

É admissível, por outro lado, que seja determinada a emenda do plano, caso algum requisito indispensável esteja faltando.273

Em linhas gerais, o devedor é livre na elaboração do conteúdo econômico do plano de recuperação. Uma extensa relação de meios de recuperação é sugerida ao devedor (art. 50), que pode cumular mais de um ou servir-se de instrumento não imaginado pela lei. Evidentemente, deve atentar o devedor que os destinatários do plano são os credores, aos quais caberá aprovar ou rejeitar a proposta, levando, respectivamente, à concessão da recuperação ou à decretação da falência. Assim, prudente que o devedor ofereça proposta que possa satisfazer minimamente a pretensão dos credores.

271 No direito alemão, a InsO exige, no plano de recuperação, a demonstração da viabilidade de seu

cumprimento, bem como que coloca os credores em situação mais favorável que estariam com a decretação da falência (COROTTO, Susana. Modelos de reorganização empresarial brasileiro e

alemão: comparação entre a lei de recuperação e falências de empresas e a insolvenzordnung sob

a ótica da viabilidade prática, p. 97-99).

272“Será que, em meio à incerteza das relações de mercado, em meio à instabilidade da conjuntura,

não seria mais razoável que o juiz determinasse, pelo menos, a intimação dos credores, cujos nomes já foram apresentados, para uma manifestação a respeito? E se estes não pedirem a falência, não seria mais sugestivo e menos oneroso que o pedido de recuperação fosse extinto sem julgamento de mérito? A extinção, sem julgamento de mérito, do pedido de recuperação judicial, por não apresentação do plano no prazo legal, não impedirá que qualquer credor, portador de título extrajudicial ou judicial, faça pedido autônomo de falência.” (FRONTINI, Paulo Salvador, Do estado de falido: sua configuração – inovações da nova lei de recuperação e falência, p. 18).

273 NEGRÃO, Ricardo. Aspectos objetivos da lei de recuperação de empresas e falência: lei n.

Há limites legais, contudo, à liberdade do devedor na elaboração do plano, relativos aos créditos trabalhistas, conforme previsão do artigo 54: deverá o plano prever o prazo máximo de um ano para pagamento de todos os créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidente do trabalho; e de trinta dias para pagamento dos créditos de natureza salarial, vencidos até três meses antes do ajuizamento, no limite de cinco salários mínimos por trabalhador.

É controvertida a consequência da desobediência da exigência legal. Indaga- se o que deve ocorrer se, mesmo previsto o pagamento dos créditos trabalhistas além dos limites legais, vier a assembleia geral a aprovar o plano. A questão, posta de outra maneira, é se o dispositivo tem força cogente ou dispositiva. Embora haja entendimentos274 no sentido de que as partes podem dispor contrariamente ao previsto no artigo 54, entendemos que a limitação é de ordem pública, tendo força cogente, não se admitindo que as partes, mesmo os credores trabalhistas, disponham de modo diverso.

Trata-se de hipótese objeto do parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil, pelo qual “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública”. Ademais, pertinente a observação de Marcelo Papaleo de Souza, no sentido de que “de nada adiantaria uma legislação protetora se fosse permitida a renúncia do direito pela parte mais fraca”.275

Vindo a ser aprovado plano desrespeitoso ao artigo 54, a cláusula violadora é tida como nula. Não é o caso de se rejeitar por completo o plano, decretando a falência ou determinando a apresentação de novo plano. Pelo princípio do aproveitamento dos atos, mais adequado que se repute nula apenas a cláusula que viola o prazo legal, o qual passa a ser considerado como se previsto no plano.276

274 “Havendo acordo entre esses credores [trabalhistas] e o devedor, tal regra [art. 54] deve ser

flexibilizada com vistas à aprovação do plano. Nesse ponto, vale ressaltar o papel do princípio da preservação da empresa viável que, se utilizado corretamente, poderá servir de base para que se chegue a uma interpretação razoável de determinados dispositivos”. (ZILBERBERG, Eduardo. Uma análise do princípio da preservação da empresa viável no contexto da nova lei de recuperação de empresas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, Malheiros, v. 45, n. 141, p. 185-191, jan./mar. 2006. p. 190).

275 SOUZA, Marcelo Papaléo de. A lei de recuperação e falência e as suas consequências no direito e

no processo do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 201.

Por isso, é fundamental que o juiz, ao receber o plano de recuperação, proceda ao exame de sua admissibilidade, analisando cuidadosamente a observância dos requisitos legais, antes de admiti-lo automaticamente e determinar a publicação de edital277. Notando a ilegalidade, deve permitir ao devedor que apresente novo plano, sob pena de, não o fazendo, se caracterizar a não apresentação do plano, com a consequente convolação da recuperação em falência.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 119-122)