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Citação

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 114-119)

Sendo os credores réus no processo de recuperação judicial, devem ser citados.

É indispensável a citação, ato judicial, formal, solene, para que os réus passem a integrar a relação jurídica processual, tornando eficaz o processo260. Somente com a válida citação é que se exercita o devido processo legal, respeitoso aos princípios do acesso à justiça, da isonomia e, em especial, do contraditório e da ampla defesa261. Sem a citação, deixa de ter legitimidade a tutela jurisdicional.262

259 Consulta realizada em 14 de janeiro de 2012. 260

“A citação não é pressuposto de existência do processo. Trata-se de condição de eficácia do processo em relação ao réu (art. 219 e 263 do CPC), e, além disso, requisito de validade dos atos processuais que lhe seguirem. [...] Não se pode confundir nulidade que se decreta a qualquer tempo, como é o caso, com inexistência jurídica.” (DIDIER JR., Fredie, Curso de direito processual

civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, v. 1, p. 453). No mesmo sentido: “[...] a citação não é requisito para a formação do processo. Ele já existe antes dela, embora os efeitos dessa existência só possam atingir a esfera jurídica do demandado a partir de quando citado. [...] Não confundir existência do processo e efeitos dessa existência em relação ao réu.” (DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 55).

261

“O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes e o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório.” (NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 170).

262“Os atos de poder projetam eficácia imperativa e inevitável sobre a esfera de direitos de pessoas

diferentes daquelas que os realizam. Justamente porque imperativos e inevitáveis, não se originando da vontade dos destinatários nem dependendo do concurso dela, os efeitos dos atos de poder só se consideram democraticamente legítimos quando esses sujeitos hajam tido oportunidade de participar de sua formação: participação é contraditório.” (DINAMARCO, Cândido Rangel,

No procedimento comum ordinário, a regra é a citação direta263 e real264, feita preferencialmente pelo correio (arts. 222, I, 223 e 224 do CPC). Somente se admite a citação por edital, ficta por excelência, em situações excepcionais.265

De acordo com o artigo 231 do Código de Processo Civil, são três as hipóteses de citação por edital: (i) quando desconhecido o réu; (ii) quando o lugar em que se encontra seja ignorado, incerto ou inacessível; e (iii) nos casos expressos em lei.

Por expressa previsão legal (art. 52, § 1º, III), no processo de recuperação judicial a citação dos credores é editalícia. No primeiro edital do processo, em que consta o resumo do pedido do devedor e da decisão de deferimento do processamento, e a relação nominal dos credores, também deve haver a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação a ser apresentado pelo devedor. Publicado o edital, os credores passam a compor a relação jurídica processual, ficando sujeitos aos seus efeitos.

Diante dos valores constitucionais carregados na citação, imprescindível questionar se a excepcional previsão de citação por edital é justificada. A resposta é positiva, por duas principais razões.

Primeiro, porque há réus desconhecidos a serem citados, já que o processo se inicia com base apenas na relação de credores apresentada pelo próprio devedor (art. 51, III), a qual pode estar omissa, o que se constata, empiricamente, ocorrer com frequência. Não se citam apenas os credores relacionados pelo devedor, mas

263 A citação direta é feita na pessoa de quem tem o ônus de apresentar a resposta. A citação indireta

é a realizada através de procurador legalmente habilitado (dentre os quais, em algumas situações, o advogado) ou terceiro com poderes de receber citação, por lei ou contrato.

264

A citação “é real quando se tem certeza de que ela chegou ao conhecimento do réu, como ocorre na realizada pelo correio, por meio eletrônico, ou, em regra, na feita por oficial de justiça. A citação ficta é aquela que não é recebida diretamente pelo réu, não se podendo ter certeza de que ele efetivamente tomou conhecimento do processo.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios, Novo curso

de direito processual civil: teoria geral do processo de conhecimento (1ª parte), v. 1, p. 342).

265

“A citação por edital é a citação ficta por excelência, constituindo a forma mais excepcional de citar, razão pela qual só se justifica em circunstâncias verdadeiramente extraordinárias.” (CORREIA, Andre de Luizi. A citação no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 142).

todos os credores. Tanto o é, que a citação abre prazo para habilitação, manifestação própria dos credores não incluídos na relação inicial. Evidentemente, a citação dos credores desconhecidos somente pode se dar por edital.

Segundo, porque em regra são muitos os credores do requerente de recuperação judicial, levando à formação de litisconsórcio passivo multitudinário, mesmo se considerando apenas os credores relacionados, cujo endereço seja conhecido. É sedimentado o entendimento pelo qual, em se tratando de litisconsórcio multitudinário, a exigência de citação real, por correio ou oficial de justiça, poderia implicar em dificuldades intransponíveis, impedindo o acesso do autor à justiça. Assim, a exigência de citação real ficaria superada, em favor da inafastabilidade do direito de ação.266

Basta, segundo o artigo 52, parágrafo 1º, a publicação do edital no órgão oficial. De acordo com o artigo 191, somente se exige a publicação de edital em jornal ou revista de circulação regional ou nacional se o devedor comportar ou se constar exigência expressa na lei.

Curioso que o edital de intimação da designação de assembleia geral deva ser publicado tanto no jornal oficial quanto em jornais de grande circulação (art. 36), ao passo que o mesmo não se exigiu para o edital inicial de citação dos credores.

Dar mais importância à intimação que à citação é uma grande incongruência. Ora, seria mais razoável o contrário. Deveria se exigir que o edital de citação recebesse a mais ampla publicidade, já que mais adequada a ciência dos credores desde o início do processo, para se manifestarem na fase de verificação e habilitação de créditos e acompanharem o procedimento principal, especialmente

266

“A questão do prévio exaurimento de todas as tentativas de citação pessoal se complica, sobremaneira, nas hipóteses de litisconsórcio multitudinário. Havendo uma multidão de citandos se estará, sem sombra de dúvidas, diante de um caso de réus incertos. [...] A regra geral impõe a citação pessoal de todos os que são chamados a integrar a relação processual, e somente por exceção é possível agir de outro modo. [...] Todavia, não se pode fazer dessa regra obstáculo intransponível ao exercício do direito de ação, que constitui garantia constitucional fundamental, inserta no basilar artigo 5º, inc. XXXV. [...] Mesmo que se conheça a identidade e o endereço de todos os citandos (isto é, forem eles certos e conhecidos), mas forem muitos, a ponto de tornar-se impossível ou impraticável citá-los todos, pessoalmente, prejudicado estará o exercício do direito de ação, razão pela qual poderá ser feita a citação por edital.“ (CORREIA, Andre de Luizi, A citação no

quanto à apresentação do plano de recuperação e à própria convocação da assembleia geral.

Dando mais publicidade ao edital de convocação para a assembleia que o de citação, maior o risco de ciência tardia de todo o já processado. O credor que venha a tomar ciência do processo apenas pela intimação da designação de assembleia já se tornará retardatário em eventual habilitação de crédito, arcando sozinho com os ônus da intervenção tardia, que inclusive podem lhe tolher o direito de voto (art. 10, § 1º).

Especialmente na recuperação judicial, em que a regra é a citação editalícia – dispensando o esgotamento das tentativas de citação real – melhor seria que fosse exigida a publicação do edital também em jornal local, pelo menos duas vezes, como impõe, para o procedimento comum ordinário, o artigo 232, III, do Código de Processo Civil. Pela multiplicidade de interessados, a publicidade no processo de recuperação judicial deveria ser amplíssima, mais que no procedimento ordinário.

É indiscutível que a publicação de editais é custosa, podendo onerar em demasia o devedor. Diante de tal preocupação, uma interessante alternativa é se publicar apenas um aviso no jornal de grande circulação, dando conta do deferimento do processamento da recuperação, e destacando o prazo para habilitações, com indicação de página da internet em que estaria o edital publicado de forma completa, com o resumo do pedido e da decisão de deferimento, bem como completa relação dos credores.267

Por tudo isso, deve o juiz exigir a publicação do edital citatório não apenas no órgão oficial, mas também em jornal ou revista de grande circulação.

267 A publicação de simples aviso na imprensa, indicando página da internet em que estaria publicado

o edital completo, foi autorizada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo: “Considerando-se os altos custos da publicidade pela imprensa oficial de avisos, editais e relações de credores em processo de falência ou de recuperação judicial, pode o juiz determinar a publicação de aviso no diário oficial, informando aos interessados que a íntegra dos editais ou listas de credores será publicada pela Internet ou meio similar. Constitucionalidade e legalidade da determinação que atende ao princípio maior da preservação da empresa e dos credores.” (TJSP  AI n. 486.399.4, Câmara Reservada, rel. Des. Pereira Calças).

A citação por edital é complementada pela correspondência que deve ser remetida aos credores pelo administrador judicial. O artigo 22, I, “a”, atribui ao administrador judicial o dever de comunicar aos credores a data do pedido de recuperação judicial, a natureza, o valor e a classificação dada ao crédito. Trata-se de ato complementar à citação editalícia, e não a própria citação. Tanto que, caso deixe o administrador judicial de enviar correspondência, não será nulificado o processo; sofrerá o administrador judicial, todavia, as consequências do descumprimento de seus deveres, podendo ser destituído (art. 31) e responsabilizado pelos prejuízos ocasionados aos credores não comunicados (art. 32).

A correspondência enviada pelo administrador judicial é irrelevante para o cômputo do prazo para habilitação ou divergência, que é contado da publicação do edital previsto no artigo 52, parágrafo 1º. Mesmo porque a nomeação do administrador judicial se dá na própria decisão de deferimento do processamento, cuja publicação em edital (contendo a citação dos credores) faz iniciar o prazo para habilitações. Contudo, a fim de evitar que os credores recebam a correspondência depois de escoado o prazo para habilitação ou divergência, é altamente recomendável que o administrador judicial tenha como ato prioritário, urgente, o envio das comunicações, também podendo ser responsabilizado pelo retardamento injustificado (art. 32), não obstante a ausência de previsão expressa quanto ao prazo para remessa das correspondências.

A exigência legal da comunicação (art. 22, I, “a”) limita-se aos credores constantes da relação apresentada pelo devedor na petição inicial. Ocorre que, ao verificar os créditos nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor (art. 7º), o administrador judicial pode deparar com credores indevidamente excluídos da relação apresentada pelo devedor. Mostra-se razoável que o administrador, com presteza, também envie correspondência a tais credores.

Em atenção aos princípios da celeridade e da economia processual, nada impede que a comunicação seja feita por meio eletrônico, cabendo ao administrador judicial certificar-se do seu efetivo recebimento pelo destinatário.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 114-119)