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Natureza da sentença e da tutela jurisdicional na recuperação judicial

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 138-143)

5.9 Sentença

5.9.1 Natureza da sentença e da tutela jurisdicional na recuperação judicial

Ao ajuizar pedido de recuperação judicial, o devedor objetiva, ao final, a concessão da recuperação judicial. Portanto, a tutela jurisdicional pleiteada é a

326 BEZERRA FILHO, Manoel Justino, Lei de recuperação de empresas e falência: comentada artigo

por artigo, p. 125.

327 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança

concessão da medida. Assim, o ato jurisdicional que resolve o mérito da ação é a concessão ou a rejeição da recuperação judicial.

Antes das alterações promovidas pela Lei n. 11.232/2005, que modificou o sistema de execução das decisões judiciais, o artigo 162, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, conceituava sentença como “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. Com as alterações, o processo não mais se encerra com a sentença que reconhece o direito, prosseguindo até a satisfação do comando. Dessa maneira, o antigo conceito perdia o sentido, passando o mesmo dispositivo a definir sentença como “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269” do Código de Processo Civil328. Como observa Barbosa Moreira, “o conceito de sentença, à luz da nova sistemática, deixa de fundar-se em critério topológico para ligar-se ao conteúdo do ato”329, da mesma forma que fez Chiovenda.330

Assim, o ato judicial que resolve o mérito da recuperação, concedendo-a ou rejeitando-a, tem natureza de sentença.

Curioso que a Lei n. 11.101/2005 não identificou expressamente o ato como sentença, limitando-se a se referir a “decisão”, como se nota no artigo 59, parágrafos 1º e 2º, e no artigo 61; por outro lado, rezou que o encerramento da recuperação judicial, dois anos depois da concessão, se dá por sentença (art. 63). Com isso, aparentemente o ato que concede a recuperação seria decisão interlocutória331 e o ato de encerramento seria a sentença. Todavia, não é o nome dado pela lei que define a natureza do ato. Como ensina Barbosa Moreira, “mudança de rótulo não

328 Para Teresa Arruda Alvim Wambier, mesmo antes das reformas do Código de Processo Civil, a

definição da sentença por um de seus efeitos (pôr fim ao processo) era uma impropriedade (O agravo e o conceito de sentença. Revista de Processo, São Paulo, v. 32, n. 144, p. 253, fev. 2007).

329 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A nova definição de sentença: Lei nº 11.232. Revista Dialética

de Direito Processual, São Paulo, Dialética, n. 39, p. 80, jun. 2006.

330

“A sentença definitiva é o ato com o qual o juiz satisfaz a obrigação que lhe decorre da demanda judicial; por meio da sentença, concluiu ele sua missão (functus officio), salvo a necessidade de provisões consequentes.” (CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 230).

331 Nesse sentido, atribuindo natureza de decisão interlocutória: COVAS, Silvânio. Comentários aos

artigos 55 ao 69. In: LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto (Coords.). Comentários à nova

lei de recuperação de empresas e de falências: comentários artigo por artigo da Lei nº 11.101/2005.

influi no conteúdo da garrafa: colar a esta a etiqueta de bordeaux em absoluto não transforma em vinho o refrigerante que ela porventura contenha”.332

Por resolver o mérito da ação, de forma definitiva, o ato judicial que concede ou rejeita a recuperação judicial é sentença.

É possível que os devedores resistam à pretensão do devedor, podendo se voltar contra o direito de recuperação. Podem os credores entender que a crise é insuperável, que o plano proposto lhes implicaria em excessivo sacrifício, que, em geral, o devedor não merece a tutela recuperatória. Daí se constata que a jurisdição é contenciosa.333

Há sem dúvida, grande relevância do consensualismo, sendo o resultado esperado a concessão da recuperação fundada na positiva negociação entre as partes, o que fez com que Alberto Camiña Moreira entendesse inexistir litígio, declarando que “recuperação judicial não é processo litigioso”334. Na posição intermediária, Henrique Vaz Duarte sustenta que a recuperação judicial é processo contencioso-consensual: de um lado, por haver litígio, resistência e improcedência, ou imposição da recuperação contra a maioria, é contencioso; mas, por ser destinado à composição e à homologação do acordo, é consensual335. Ainda assim, embora possível e esperada a aprovação do plano, a previsão abstrata de meios de resistência dos credores nos leva a concluir pelo caráter contencioso do processo.

Ao conceder a recuperação judicial, o juiz constitui uma nova situação jurídica, modificando as relações existentes entre os credores e o devedor, o qual entra em estado de recuperação.

332 MOREIRA, José Carlos Barbosa, A nova definição de sentença: Lei nº 11.232, p. 80.

333 No mesmo sentido: RESTIFFE, Paulo Sérgio, Recuperação de empresas, p. 45; NEGRÃO,

Ricardo, A eficiência do processo de judicial na recuperação de empresa, p. 117.

334 MOREIRA, Alberto Camiña, Poderes da assembleia de credores, do juiz e atividade do Ministério

Público, in Direito falimentar e a nova lei de falências e recuperação de empresas, p. 249.

335 No mesmo sentido, à luz da recuperação portuguesa: DUARTE, Henrique Vaz, Questões sobre

Assim, o objeto da recuperação judicial é “o direito à mudança jurídica”, característica tida por Chiovenda como própria da sentença constitutiva336. O efeito da sentença constitutiva é a mudança de situação jurídica instantaneamente, pela simples existência da sentença337. A sentença constitutiva “reconhece o direito do autor à alteração pedida e realiza ela própria a alteração”338. É exatamente o que ocorre na recuperação judicial.

Com efeito, a concessão da recuperação judicial, em si e por si, já estabelece o estado de recuperação empresarial, independendo, para tanto, de qualquer outro ato339. Por isso, tem natureza constitutiva a sentença concessiva da recuperação judicial.340

As sentenças puramente constitutivas, que encerram em si a atividade jurisdicional, não justificam posterior execução, já que não haveria o que executar341. Todavia, na recuperação judicial, embora prevaleça a natureza constitutiva, o plano de recuperação veicula obrigações que, se descumpridas, ensejam execução. Veja- se que não se executa a parte constitutiva (o estabelecimento da situação de recuperação empresarial), mas a homologação do plano, com as obrigações nele previstas. O que exige a execução é a existência de direito a uma prestação exigível, independente de a natureza principal ser declaratória ou constitutiva342. Assim, se a constituição da nova situação jurídica acarretar prestações exigíveis – como ocorre

336 CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 257-258.

337 THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito

processual civil e processo do conhecimento, v. 1, p. 527.

338 DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 257.

339 A sentença da recuperação judicial tem o mesmo efeito que a do divórcio: com a prolação da

sentença, automaticamente o casado passa para o estado de divorciado, independente de qualquer outro ato. Assim como no divórcio há a comunicação ao Cartório de Registro de Pessoas Naturais para que promova a averbação da alteração do estado civil, tornando-a pública, a concessão da recuperação judicial é comunicada ao Registro Público de Empresas Mercantis, também com a finalidade de publicidade.

340 No mesmo sentido: LOBO, Jorge, Comentários aos artigos 35 a 69 da Lei n. 11.101, in

Comentários à lei de recuperação de empresas e falência, p. 149; RESTIFFE, Paulo Sérgio, Recuperação de empresas, p. 62-66.

341 SHIMURA, Sergio Seiji, Título executivo, p. 238. No mesmo sentido: THEODORO JÚNIOR,

Humberto, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo do conhecimento, p. 527; DINAMARCO, Cândido Rangel, Fundamentos do processo civil moderno, v. 1, p. 960-961.

342 DIDIER JR., Fredie. Sentença constitutiva e execução forçada. Revista de Processo, São Paulo,

na recuperação judicial –, a sentença permite execução forçada, mesmo predominantemente constitutiva.343

Daí decorre que a sentença concessiva da recuperação judicial é título executivo judicial (art. 59, § 1º), apesar de prevalecer sua natureza constitutiva.

Ainda que o resultado da recuperação judicial seja negativo, ocasionando a convolação da recuperação judicial em falência (art. 73), a tutela jurisdicional será constitutiva, já que a decretação da falência também constitui uma nova situação jurídica.344

A sentença não é meramente homologatória, não obstante seja de grande relevância a concordância dos credores com o plano proposto pelo devedor. Há diversos requisitos, além da aprovação dos credores, para a concessão da recuperação judicial. Em certas condições (que serão detalhadas oportunamente), mesmo aprovado o plano, poderá o juiz negar o pedido; ainda que o plano seja rejeitado pelos credores, o juiz poderá conceder a recuperação.

Em suma, a jurisdição na ação de recuperação judicial é contenciosa e a tutela jurisdicional tem natureza constitutiva, não meramente homologatória, sendo a sentença título executivo judicial.

343 Teori Albino Zavaski sustenta que não apenas as sentenças condenatórias ensejam execução

(Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados. In: DIDIER JR., Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 5. ed. rev. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2007. p. 45). Para Eduardo Talamini, “a necessidade da prática de atos materiais decorrentes da constituição desse novo estado não é exclusivo da sentença condenatória – também podendo dar-se nos provimentos constitutivos” (Sentença que reconhece obrigação como título executivo: CPC, art 475-N, I, acrescido pela lei 11.232/2006. In: BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Execução civil e cumprimento da sentença. São Paulo: Método, 2006. p. 142).

344 Nesse sentido: RICCI, Edoardo F., Lezioni sul fallimento, v. 1, p. 127; PONTES DE MIRANDA,

Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1960. v. 28, p. 9-11; FONSECA, José Roberto Franco da. Natureza jurídica da falência. São Paulo: Max Limonad, 1969. p. 142-143. Para Rubens Requião, pressupõe-se o estado de falência como condição da decretação, de modo que tem natureza declaratória a sentença da falência (Curso de direito

5.9.2 Resultado da assembleia geral e seu reflexo na sentença

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