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Natureza da competência

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 35-40)

2.2 Competência

2.2.2 Natureza da competência

São sucessivos os critérios para atribuição da competência. Excluídas as questões atinentes à competência internacional, são três os critérios: objetivo, funcional e territorial.

O critério objetivo leva em consideração a relação jurídica material posta em juízo, de acordo com os elementos da ação: partes (competência ratione personae),

65 MOSCHEN, Valesca Raizer Borges; SOUSA, Leandro Eloy. A solução europeia para a

competência internacional. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 36, n. 192, p. 313-320, fev. 2011.

66 Aplicável a todos os países membros da União Europeia, exceto Dinamarca.

67 CHERUBINI, Giorgio. Parmalat: a case study. In: PAGE, Nigel (Coord.). The European restructuring

and insolvency guide, 2005/2006. London: Globe White Page, 2006. p. 46.

68 HYDE, Mark; TAYLOR, Stephen. The EU insolvency regulation. In: PAGE, Nigel (Coord.). The

European restructuring and insolvency guide, 2005/2006. London: Globe White Page, 2006. p. 9.

69 Aproveitando-se dessa presunção “e da flexibilidade dos juízos ingleses para se declararem

competentes, iniciou-se em 2005 um movimento migratório de empresas alemãs em crise para a Inglaterra em busca de uma melhor possibilidade de reorganização” (COROTTO, Susana. Modelos

de reorganização empresarial brasileiro e alemão: comparação entre a lei de recuperação e

falências de empresas e a insolvenzordnung sob a ótica da viabilidade prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. p. 159).

causa de pedir (competência em razão da matéria) e pedido (competência em razão do valor da causa). É o critério objetivo que faz com que ações que envolvam a União sejam de competência da Justiça Federal, que ações sobre relação trabalhista sejam processadas na Justiça do Trabalho e que ações de valor inferior a quarenta salários mínimos possam tramitar nos Juizados Especiais.

Pelo critério funcional, são relevantes as funções a serem exercidas no processo, considerando as atribuições do magistrado. É assim fixada a competência por graus de jurisdição (recursal ou originária), por fases do processo (cautelar, execução) e por objeto do juízo (os atos a serem praticados).70

Por sua vez, o critério territorial trata da competência em razão do lugar, delimitando territorialmente onde a causa deve ser julgada. É regra geral da competência territorial o domicílio do réu, havendo diversas situações excepcionais, previstas no Código de Processo Civil e em legislação extravagante.71

Há dois regimes jurídicos diversos com relação à competência, divida em absoluta e relativa.

Como a fixação de regra de competência absoluta atende a interesse público, não pode ser alterada por vontade das partes, nem por conexão ou continência; a incompetência absoluta pode ser alegada a qualquer tempo, e inclusive reconhecida

70 Fredie Didier Jr. encontrou exemplo para a competência funcional por objeto do juízo no processo

para apuração dos crimes dolosos contra a vida: “a) ao juiz singular compete pronunciar ou impronunciar o réu, absolvê-lo sumariamente ou desqualificar o crime; b) uma vez pronunciado o réu, cabe ao Tribunal do Júri condenar ou absolvê-lo; c) uma vez condenado, voltam os autos ao magistrado singular, para que proceda à dosimetria da pena.” (Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2008. v. 1, p. 116).

71 O artigo 101 do Código de Defesa do Consumidor atribui competência ao foro do domicílio do

consumidor para as ações de responsabilidade do fornecedor; o artigo 80 do Estatuto do Idoso determina a competência (absoluta) do domicílio do idoso para direitos difusos, coletivos, individuais indisponíveis e homogêneos; o artigo 15 da Lei Maria da Penha entende que permite a escolha à ofendida dentre o juízo de seu domicílio, do local dos fatos ou do domicílio do agressor; o artigo 39 da Lei n. 4.886/1965 (Representação Comercial) atribui competência ao foro do domicílio do representante.

de ofício pelo juiz; os atos decisórios de juiz absolutamente incompetente podem ser nulificados.72

Diversamente, a fixação da competência relativa tem fundamento precípuo em interesse particular, por isso pode estipulada de acordo com a vontade das partes (foro de eleição); é modificada por conexão ou continência; o reconhecimento da incompetência depende de tempestiva arguição da parte interessada; os atos praticados por juiz relativamente incompetente são válidos.

A competência em razão da pessoa e da matéria é fixada por interesse público, por isso o regimento aplicado é o da competência absoluta. O mesmo ocorre com o critério funcional, que distribui competência absoluta. Por outro lado, o critério que leva em consideração território decorre, em grande parte, de interesse particular. Por isso o artigo 111 do Código de Processo Civil determina que a competência territorial segue o regime de competência relativa.

Mas, apesar da previsão expressa no referido dispositivo, a competência territorial pode ser absoluta em situações excepcionais, em que há interesse predominantemente público na fixação da regra. É o que ocorre, e.g., na competência territorial do foro da coisa (forum rei sitae) para as ações imobiliárias sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, nunciação de obra nova, divisão e demarcação de terras (art. 95 do CPC); com o foro em que ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão quanto a direito de criança ou adolescente (art. 209 do ECA); com o foro do domicílio do idoso para as ações relativas a direitos difusos, coletivos, individuais indisponíveis e homogêneos. Trata-se de competência territorial absoluta.

Recordadas as noções gerais, resta se classificar a competência do juízo da recuperação judicial, quanto ao critério adotado e ao regime a ser seguido.

72“Nos casos de competência determinada segundo o interesse público (competência de jurisdição,

hierárquica, de juízo, interna), em princípio o sistema jurídico-processual não tolera modificações nos critérios estabelecidos, e muito menos em virtude da vontade das partes em conflito. Trata-se, aí, de competência absoluta, isto é, competência que não pode jamais ser modificada.” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral

A competência para a recuperação judicial é delimitada por interesse público. Quando é o interesse público que fixa a competência, o regime é o da competência absoluta. Por isso, a fixação do juízo competente para a recuperação judicial está sob o regime da competência absoluta: é de força cogente, não admite modificação pelas partes. Ainda que factível fosse a previsão contratual do devedor com todos os seus credores pretendendo alterar a competência prevista no artigo 3º, tal convenção seria inválida.

Por estar sob o regime da competência absoluta, parcela da doutrina73 e jurisprudência74 vêm proclamando que o critério adotado pelo artigo 3º é o objetivo- funcional. Diz-se que a previsão legal do principal estabelecimento tem fundamento na função a ser exercida pelo juízo da recuperação.

Claro que a atribuição de competência para a recuperação judicial procurou o juízo em que a função jurisdicional seria mais fácil e eficaz. Mas, assim o é em todas as delimitações de competência, já que facilitar o exercício da jurisdição é próprio intuito da fixação da competência75. Mesmo a regra geral da competência territorial – foro do domicílio do réu (art. 94 do CPC) – foi fixada para que pudesse ser exercida

73 Renzo Provinciali classifica a competência do juízo falimentar como funcional, assim definindo

aquela em que o procedimento é confiado ao juízo de determinado território pelo fato de que a função será mais fácil ou mais eficaz (Manuale di diritto fallimentare, p. 54). Chiovenda classifica a competência funcional entre a puramente funcional e a territorial-funcional, esta se dando “quando uma causa é confiada ao juiz de determinado território pelo fato de ser aí mais fácil ou mais eficaz a sua função”. Defende que a competência para o processo de falência e recuperação judicial é territorial-funcional (CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 223). Assim, também: CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência: exposição didática, área do direito processual civil. 15. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 173; GRINOVER, Ada Pellegrini. Competência territorial funcional em matéria de falência. Revista Síntese de Direito Civil e

Processual Civil, São Paulo, Síntese, v. 4, n. 23, p. 11, maio/jun. 2003; RICCI, Edoardo F., Lezioni sul fallimento, v. 1, p. 155-156.

74 Por exemplo: TJSP  AI n. 533.546.4/8-00, Câmara Reservada à Falência de Recuperação, rel.

Des. Pereira Calças.

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“A divisão de competências, para ser resultado dessa racionalidade e logicidade cientifico- processual, deve ter elementos (critérios) facilmente mapeáveis, identificáveis e justificáveis sob o ponto de vista jurídico. Portanto, não pode haver critérios aleatórios, guiados por caprichos, por disputas de espaços, e de matérias, geralmente surgidos quando as ambições institucionais e pessoais não são devidamente relativizadas, para que sejam adequadas aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da economicidade, da impessoalidade, da supremacia do interesse público, da moralidade, da eficiência, da legitimidade, dentre outros.” (PERIN, Jair José. Considerações críticas a respeito da divisão entre a justiça comum e as especializadas. Revista de

a jurisdição com mais facilidade e eficiência76. Nesse entender, o critério seria sempre funcional, independente se fixado em razão da matéria, da pessoa, do valor da causa ou do território77. Entendemos, nessa perspectiva, que a circunstância de a competência do juízo da recuperação ser fixada para melhor funcionar a jurisdição não a torna competência funcional78. Há que se perquirir o real critério utilizado.

Ora, parece evidente que o critério escolhido para a delimitação da competência foi o territorial. Preocupa-se o artigo 3º com o lugar mais adequado à prestação jurisdicional, entendendo ser o do principal estabelecimento. Com isso, excluiu-se o foro do lugar de estabelecimento secundário, ou foro de outros lugares. É o foro do território do principal estabelecimento o competente, e não o de outros lugares.

A circunstância de a competência ser territorial não a torna relativa. Embora a relatividade seja a regra da competência territorial (art. 111 do CPC), há situações especiais em que a competência territorial submete-se ao regime da competência absoluta, como já exemplificado.

Portanto, a competência do foro do principal estabelecimento é territorial absoluta.79

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“Existe alguma regra de competência criada com a consciência de que o magistrado não exercerá da melhor maneira possível as suas funções? Por acaso podemos dizer que, quando se estabelece o foro do domicílio do réu como genericamente competente (art. 94 do CPC), não objetivava o legislador que nesse foro pudesse o magistrado exercer melhor as suas funções?” (DIDIER JR., Fredie, Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, v. 1, p. 117).

77“Não é esse o significado que deve ser dado ao critério „funcional‟ como definidor da competência.

O critério funcional puro é aquele que poderá ser auferido somente da relação jurídica processual.” (VINCENZI, Brunela Vieira de. Competência funcional: distorções. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 27, n. 105, p. 275, jan./mar. 2002).

78Em precioso ensaio sobre a utilização da expressão “competência funcional” pelo artigo 2º da Lei

da Ação Civil Pública, José Carlos Barbosa Moreira destaca a impropriedade técnica do legislador. O autor aponta tratar-se de competência territorial e conclui que melhor seria prever expressamente a impossibilidade de modificação, em lugar de classificar como funcional a competência (A expressão “competência funcional” no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública. In: ____. Temas de

direito processual: nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 353-365). Não é diferente a concepção

de Brunela Vieira de Vincenzi (Competência funcional: distorções, p. 278).

79 No mesmo sentido: RESTIFFE, Paulo Sérgio. Recuperação de empresas. Barueri, SP: Manole,

2008. p. 94; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria geral do processo, p. 261.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 35-40)