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Juízo de admissibilidade

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 87-90)

No processo civil ordinário, há um momento próprio para o juiz verificar a presença dos pressupostos de julgamento do mérito, que é a fase ordinatória, imediatamente seguinte à fase postulatória, na qual as partes formulam suas pretensões e resistências. No processo de recuperação judicial, o momento mais adequado é o do deferimento do processamento, que segue ao ajuizamento da ação. Notando a falta de requisitos, o juiz deve tomar a providência cabível, extinguindo desde logo a ação ou determinando a correção, se for sanável o defeito.

Mesmo no procedimento comum ordinário, o ideal é que o controle da admissibilidade seja feito de imediato pelo juiz, tão logo receba a petição inicial, a fim de evitar “perdas de tempo e despesas inúteis”.199

199 DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 144. A lição de

Donaldo Armelin merece transcrição: “Se o processo, em verdade, não passa de um remédio estatal para um fenômeno de morbidez social, como é o conflito de interesses, o processo ineficaz, ou seja, o processo que deixa pendente tal conflito, é um remédio que só tende a agravar o mal cuja cura se objetivava. [...] Uma das formas mais adequadas para propiciar ao processo maior eficiência dentro dos parâmetros traçados para as suas específicas finalidades é a de se evitar, se não a instauração, pelo menos o prosseguimento de processos fadados a um término anormal, por carência dos requisitos indispensáveis à colimação daquelas finalidades, centradas na dirimência do conflito mediante a aplicação do direito objetivo ou através da satisfação do direito de uma das partes.” (Legitimidade para agir no direito processual brasileiro, p. 30-31). No mesmo sentido: BUENO, Cássio Scarpinella, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 2, p. 146-147.

Especialmente no processo de recuperação judicial, o juízo de admissibilidade deve ser cuidadosamente proferido, desde logo, por várias razões.

De um lado, porque o deferimento do processamento, por si, já repercute na esfera de direitos do devedor e movimenta a coletividade dos credores, gerando importantes efeitos, tais como a suspensão de ações e execuções contra o devedor, a nomeação de administrador judicial e a expedição de edital de citação dos credores.

De outro lado, porque não é previsto no procedimento um momento posterior para aferição da presença dos requisitos de admissibilidade. Embora, como dito, seja possível suscitar as matérias de ordem pública a qualquer tempo200, não há no processo de recuperação judicial momentos como a decisão saneadora, do procedimento ordinário, em que, antes da instrução, os processos viciados são consertados ou, na impossibilidade, extintos.

Ora, melhor que não se desperdicem esforços no prosseguimento de processo de recuperação judicial inútil, que não poderá chegar à concessão da recuperação.201

Mas, mesmo ultrapassado o momento inicial, nada impede que a verificação dos pressupostos seja feita em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 267, § 3º, do CPC). É que temas “considerados de relevância não só para as partes mas, acima de tudo, ao próprio Estado no desempenho de suas funções institucionais de promover a justiça e a pacificação social” são imunes à preclusão202. Isso ocorre

200“O processo poderá, perfeitamente, terminar logo no seu início, com o indeferimento da inicial, por

constatada desde logo a carência de requisitos essenciais à sua existência ou validade, ou, ainda, por falta de requisitos pertinentes ao direito de ação, ou seja, em suma, por falta de requisitos de admissibilidade. Essa mesma constatação poderá ocorrer no decurso do processo ou na própria decisão onde se julgaria o mérito deste, pois, sendo o processo uma relação complexa e dinâmica, o diagnóstico da falha dos requisitos de admissibilidade pode ocorrer a qualquer momento, desde seu início até seu término anormal, uma vez que preceda ao exame do mérito.” (ARMELIN, Donaldo, Legitimidade para agir no direito processual brasileiro, p. 33).

201 Sobre a falência no direito italiano, mas em lição plenamente aproveitável à nossa recuperação

judicial, Edoardo Ricci defende que a análise dos pressupostos é “la prima e più immediata

funzione” (Lezioni sul falimento, v. 1, p. 127).

202 GIANNICO, Maurício. A preclusão no direito processual civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

com os requisitos de admissibilidade, matéria reputada de ordem pública, podendo o juiz conhecê-la a qualquer tempo e revisá-la, ainda que, inicialmente, tenha expressamente afirmado o preenchimento das condições de julgamento.203

É indiscutível que os réus têm direito de defesa processual, podendo apontar a falta de algum requisito de admissibilidade. Fugiria do modelo constitucional um processo que impedisse a manifestação dos réus sobre defeitos processuais204. Por isso, mesmo não prevendo o procedimento forma e momento para os réus se voltarem contra a falta de requisitos de admissibilidade, imperioso se reconhecer a possibilidade de intervenção nesse sentido.205

Daí decorre que como o deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial se dá antes da citação dos réus, o juiz pode refazer o juízo de admissibilidade, decidindo-o negativamente, se alertado por algum dos réus nesse sentido.

No procedimento da recuperação judicial, não há momento nem forma específica para os réus apresentarem defesa processual. A defesa prevista na lei – a objeção ao plano de recuperação – é ineficiente para suscitar falta de requisitos de admissibilidade, por ser seu conteúdo obrigatoriamente voltado a impugnar o plano proposto pelo autor, e por ser apresentada tardiamente, quando o processo já se desenvolveu em grande parte.

203

“Se o juiz equivoca-se ao enfrentar pela primeira vez tais questões, não pode dizer que exauriu sua função nesse mister, pois o ordenamento – ao conferir-lhe o poder-dever de desconsiderar a iniciativa da parte e agir ex officio – toma por premissa a ideia de que para restabelecimento da ordem jurídica, aquela determinada questão deve ser corretamente resolvida mesmo se o litigante interessado ficou inerte.” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Revisitando o sistema de invalidades processuais e de prescrições. In: CARMONA, Carlos Alberto; AMENDOEIRA JUNIOR, Sidnei (Coords.). Estratégias processuais na advocacia empresarial. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 251). No mesmo sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 145. Evidentemente, a questão não se aplica à sentença, já que a coisa julgada acoberta o defeito (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Preclusão processual civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 234).

204 BUENO, Cássio Scarpinella, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 1, p. 511-513. 205

“Se algum procedimento excluísse a participação dos sujeitos envolvidos no litígio, ele próprio seria ilegítimo e chocar-se-ia com a ordem constitucional.” (DINAMARCO, Cândido Rangel, A

Isso não faz, de forma alguma, com que os réus sejam impedidos de apontar a impossibilidade de julgamento do mérito206. Ao contrário, a qualquer tempo e de forma livre, os réus podem intervir para suscitar o não preenchimento de requisito indispensável; afinal, mesmo de ofício, a matéria pode ser conhecida.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 87-90)