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5.7.1 Defesa no processo de recuperação judicial

Especial em todo o procedimento, é na forma de defesa dos réus que o processo de recuperação judicial mais se distancia do procedimento ordinário.

A defesa de mérito – inviabilidade da recuperação e discordância do plano apresentado – é composta por dois momentos: inicia-se com a objeção ao plano de recuperação e conclui-se com a assembleia geral de credores. É que a finalidade da objeção ao plano de recuperação é apenas levar a discussão ao órgão assemblear, ao qual caberá deliberar, de forma definitiva, sobre o plano apresentado.

A resistência ao plano de recuperação depende da manifestação individual de qualquer credor, por meio da objeção. Mas, é de forma coletiva que se aperfeiçoa: um credor, sozinho, pode levar a discussão à assembleia geral de credores; mas, a não ser que lhe corresponda mais da metade dos créditos em recuperação, não obterá êxito em resistir ao plano sem o apoio de outros credores. Assim, não é o interesse individual dos credores que norteia a defesa, mas a vontade coletiva. É isso que, acreditamos, a recuperação judicial tem de mais peculiar, em comparação com os demais procedimentos do processo civil brasileiro.

277 No sistema alemão da InsO, há expressa previsão de admissibilidade do plano pelo juiz, nos

casos de descumprimento da lei, falta de perspectiva de aprovação pelos credores, inviabilidade de cumprimento, ou não demonstração de que o plano é mais favorável aos credores que a decretação da falência (COROTTO, Susana. Modelos de reorganização empresarial brasileiro e alemão: comparação entre a lei de recuperação e falências de empresas e a insolvenzordnung sob a ótica da viabilidade prática, p. 99).

Portanto, não é por meio da contestação que o devedor exerce defesa.278 Veja-se que a objeção volta-se contra o plano de recuperação (mérito), não tendo sido previsto um meio adequado para os credores apontarem defeitos na admissibilidade do processo (defesa processual). Por se tratar de matéria de ordem pública, cognoscível de ofício e a qualquer tempo, não há forma específica para os credores exercerem a defesa processual, podendo arguir a ausência dos requisitos de admissibilidade por simples petição.

O fato de a defesa ser diferenciada, assim como é todo o procedimento, não implica em violação do direito constitucional e inafastável à ampla defesa. Admitem- se, desde que justificada e proporcionalmente, limitações temporais, materiais ou formais à defesa279, afinal “ampla defesa não significa defesa sem limites. Estes são impostos pela lei, atendendo à natureza da causa, sem que se possa cogitar de violação à garantia constitucional”.280

Recorda-se que a defesa é um contradireito perante a ação, “um poder de anulação dirigido contra outro direito”281. Assim, sendo o direito à recuperação

278 Em sentido oposto, Jorge Lobo sustenta a possibilidade de defesa nos moldes do procedimento

comum ordinário: “Os credores, sujeitos passivos da ação de recuperação judicial, têm o direito, constitucionalmente garantido (CF, art. 5º, XXXIV, „a‟, XXXV e LV), de oferecer contestação, expondo as razões de fato e de direito com que impugnam o pedido inicial e especificando as provas que pretende produzir (CPC, arts. 300 e s.) [...]. A contestação deverá ser apresentada no prazo de quinze dias, contato da publicação do edital contendo a decisão que deferir o processamento da ação (art. 52, § 1º), prosseguindo-se na forma do CPC, conforme dispõe o art. 189 da LRE, até decisão final, a qual, se acolher a contestação, cessará o despacho de processamento e anulará todos os atos processuais até então praticados.” (Comentários aos artigos 35 a 69 da Lei n. 11.101, in Comentários à lei de recuperação de empresas e falência, p. 151).

279 "Nem todo procedimento, ainda que formalmente perfeito, atende ao direito de defesa, sendo

necessário averiguar, em face do seu desenho legal, e a partir de um ângulo externo, se ele está de acordo com as necessidades do direito substancial e com os valores da Constituição.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 231). “O procedimento pode consistir na diferenciação da tutela, desde que haja modificação do resultado obtenível no procedimento que pode ser designado como sendo o comum, tornando efetiva a tutela jurisdicional. Advirta-se que a diferenciação da tutela pode significar sacrifício de direitos do réu, motivo pelo qual os interesses em jogo devem ser ponderados para que não haja nenhum excesso constitucionalmente vedado na consagração de instrumentos diferenciadores.” (GODINHO, Robson Renault. Tutela jurisdicional diferenciada e técnica processual. In: CIANCI, Mirna et al. (Coord.).

Temas atuais das tutelas diferenciadas: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin.

São Paulo: Saraiva, 2009. p. 743-744).

280 LOPES, João Batista. Princípio da ampla defesa. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de; LOPES, Maria

Elizabeth de Castro (Coords.). Princípios processuais civis na Constituição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 128.

judicial especial e coletivo, adequado que a defesa seja também especial e exercida de forma coletiva.

Feitas tais considerações, passa-se a analisar, com mais vagar, a objeção ao plano de recuperação e, depois, a assembleia geral de credores.

5.7.2 Objeção ao plano de recuperação judicial

Os credores são intimados por edital da apresentação do plano, iniciando-se o prazo de trinta dias para apresentarem objeção282 ao plano de recuperação.

É possível que o plano seja apresentado antes de publicado o edital, dando ciência da relação elaborada pelo administrador judicial, que abre prazo para as impugnações ao juiz (art. 7º, § 2º). Isso ocorrendo, deve se dar a publicação de edital uno, informando a apresentação do plano de recuperação pelo devedor e a nova relação de credores, pelo administrador judicial.

Veja-se que, ainda que haja dois editais, o prazo para objeções se inicia com a publicação da relação do administrador judicial, se esse edital for publicado posteriormente.

Por isso não se justificaria publicar o edital sobre a apresentação do plano de recuperação enquanto não houver o administrador judicial concluído a sua relação de credores. Afinal, se os prazos para objeção ainda não se iniciariam enquanto não publicado o edital com a relação de credores, exigir que devedor custeie duplo edital iria em sentido contrário ao princípio da preservação da empresa. Mais ainda: o princípio da economia processual impede que se pratiquem atos processuais inúteis, e inegável que a publicação do edital de apresentação do plano, sem estar concluída a verificação dos créditos pelo administrador judicial, é providência inútil.

282 Paulo Sergio Restiffe, recordando a controvérsia doutrinária acerca do nomen juris da exceção ou

objeção de pré-executividade, sustenta que o termo objeção é inadequado à impugnação dos credores ao plano, por se tratar de matéria patrimonial, disponível, de ordem privada, sujeita à preclusão. Com efeito, tem razão o doutrinador ao denominar de exceção a resistência dos credores ao plano (Recuperação de empresas, p. 216). Contudo, sendo objeção o termo adotado pela lei, e já incorporado à prática jurídica, é esse que será também por nós adotado ao longo do trabalho.

De qualquer forma, o prazo de trinta dias para objeções inicia-se do edital com a relação dos credores elaborada pelo administrador judicial, se o plano já houver sido apresentado; caso contrário, o marco inicial é o edital próprio sobre a apresentação do plano. Portanto, o prazo para objeções é contado do edital que for publicado por último.

Por atacar o mérito da recuperação judicial, que é relativo a direitos disponíveis, e não aos requisitos de admissibilidade, a objeção segue o regime da preclusão, submetendo-se às modalidades de preclusão consumativa, lógica e temporal. A preclusão consumativa, cujo substrato jurídico é extraído do ne bis in

idem283, faz com que, uma vez apresentada a objeção, não poderá o credor complementá-la, alterá-la, ou outra apresentar. A preclusão lógica impede que, se o credor demonstrar, expressa ou tacitamente, sua concordância com o plano, venha a manifestar-se em sentido oposto, objetando a proposta. Por fim, a preclusão temporal faz inaceitáveis as objeções tardias.284

A objeção é veiculada por petição, exigindo-se capacidade postulatória. Tem legitimidade para objetar qualquer credor285. Não se admite que o administrador judicial ou o Ministério Público apresentem objeção; mas, se entenderem que há ilegalidades, devem se manifestar nesse sentido, por forma livre.

A objeção deve ser fundamentada, ainda que de forma sucinta. O que é necessário é que se aponte em que aspectos e por quais razões o objetante discorda da proposta286. Não o sendo, a objeção deve ser rejeitada liminarmente.

283 GIANNICO, Maurício, A preclusão no direito processual civil brasileiro, p. 117. 284

“Diz-se preclusão temporal quando um ato não puder ser praticado em virtude de ter decorrido o prazo previsto para a sua prática sem a manifestação da parte. Ao deixar a parte interessada de realizar o ato dentro do prazo previsto, ele não mais poderá ser realizado, já que extemporâneo.” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Breves apontamentos sobre o instituto da preclusão. In: DIDIER JR., Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 5. ed. rev. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2007. p. 323).

285

“A expressão qualquer, desprovida de qualquer ressalva, indica que a objeção pode ser feita inclusive por credor que não esteja sujeito ao processo de recuperação ou que não tenha tido o seu crédito alterado pelo plano.” (COROTTO, Susana. Modelos de reorganização empresarial brasileiro

e alemão: comparação entre a lei de recuperação e falências de empresas e a insolvenzordnung

sob a ótica da viabilidade prática, p. 101).

286

“Da mesma forma que se exige que o plano seja consistente, é preciso que a objeção também o seja. A objeção tem que ser fundamentada fática e juridicamente, assemelhando-se à contestação tratada no Código de Processo Civil.” (BRUSCATO, Wilges Ariana, Manual de direito empresarial

brasileiro, p. 586). No mesmo sentido: FAZZIO JUNIOR, Waldo, Nova lei de falência e de recuperação de empresas, p. 167; BEZERRA FILHO, Manoel Justino, Lei de recuperação de empresas e falência: comentada artigo por artigo, p. 163.

Admite-se que credor desista da objeção apresentada, desde que antes de convocada a assembleia.287

Se não houver objeção alguma, considera-se aprovado o plano de recuperação, sem necessidade de convocação de assembleia geral. Afinal, a ausência de objeção indica a concordância tácita de todos os credores com o proposto pelo devedor em seu plano de recuperação. Se nenhum credor demonstra discordar do plano, razão alguma haveria em se convocar a assembleia geral. Passe-se, então, à analise judicial quanto ao preenchimento dos requisitos legais, para subsequente homologação do plano.

Por outro lado, havendo alguma objeção – ainda que seja apenas uma –, deverá o juiz designar data para a assembleia geral. Vê-se que o intuito da recuperação judicial é causar a convocação da assembleia geral, e não necessariamente a decretação da falência, posto que o interesse do credor objetante pode ser apenas a modificação de algum ponto específico do plano.288

5.8 Assembleia geral de credores

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 122-126)