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Fase administrativa

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 156-159)

A verificação dos créditos tem por ponto de partida a relação apresentada pelo devedor na petição inicial, como exigência do artigo 51, III. Como visto, os credores indicados na relação do devedor são citados, passando a ter conhecimento do pedido de recuperação judicial e do crédito que lhes é atribuído pelo devedor. A citação editalícia também tem o objetivo de dar ciência a eventuais credores desconhecidos, não constantes da relação inicial.

Na hipótese de não ter constado crédito na relação inicial, ou ter constado incorretamente, compete ao credor pleitear a inclusão ou a correção. Trata-se, respectivamente, da habilitação e da divergência. O credor cujo crédito constar corretamente na relação apresentada pelo devedor nada precisa fazer, “senão aguardar sua inclusão, por sentença, no quadro geral de credores”.372

372 CAMPINHO, Sergio, Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência

empresarial, p. 99. No mesmo sentido: NEGRÃO, Ricardo, A eficiência do processo de judicial na

recuperação de empresa, p. 117. Em sentido contrário, e a nosso ver sem razão: Wilges Ariana

Bruscato (Manual de direito empresarial brasileiro, p. 571-572), Renato Lisboa Altemani e Ricardo Alexandre da Silva (Manual de verificação e habilitação de créditos na lei de falência e recuperação

de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 92) entendem que todos os credores, mesmo os

O administrador judicial é o destinatário das habilitações e divergências373, desonerando o juiz, a quem competia, na legislação anterior, resolver tais incidentes. A desjudicialização374 da primeira etapa da verificação dos créditos, a exemplo do que ocorre no direito europeu375, é festejada com razão na doutrina.376

O prazo para habilitações e divergências é de quinze dias, contados da publicação do edital de deferimento do processamento. Decorrido tal prazo, embora ainda assista ao credor o direito à impugnação e à habilitação retardatária, não mais lhe é permitido pleitear a inclusão ou correção de crédito diretamente ao administrador judicial.

Não há necessidade de capacidade postulatória para o exercício da habilitação ou da divergência.377

Os requisitos formais da habilitação, aplicáveis à divergência378, são enumerados no artigo 9º, que exige a apresentação do título original, salvo quando

373 Questão controvertida é a possibilidade de se utilizar o serviço judiciário de protocolo para as

habilitações e divergências. Embora tecnicamente mais adequada a remessa diretamente ao administrador judicial, nada impede que as manifestações sejam protocolizadas em juízo, em razão da facilidade e da segurança do serviço de protocolo. Registramos a posição de Renato Lisboa Altemani e Ricardo Alexandre da Silva, que sustentam a obrigatoriedade do uso do protocolo judiciário, entendendo ser vedada a remessa diretamente ao administrador judicial (Manual de

verificação e habilitação de créditos na lei de falência e recuperação de empresas, p. 81).

374

Por ser o administrador judicial auxiliar do juízo, o termo “desjudicialização” deve ser entendido pela retirada da atribuição da pessoa do juiz, passando a seu auxiliar, e não do Poder Judiciário.

375 FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Rachel, Falência e recuperação da empresa em crise:

comparação com as posições do direito europeu, p. 31-32.

376 TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles, Comentários aos artigos 1º a 34 da Lei n. 11.101, de

2005, in Comentários à lei de recuperação de empresas e falência, p. 25; MAMEDE, Gladston,

Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas, v. 4, p. 98-99; COELHO, Fábio

Ulhoa, Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas, p. 51; BEZERRA FILHO, Manoel Justino, Lei de recuperação de empresas e falência: comentada artigo por artigo, p. 77-78. Sobre a delegação de atos ao servidor no enfoque da efetividade e da celeridade: SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Apontamentos sobre a delegação de atos processuais sem conteúdo decisório e de administração aos servidores da Justiça. Revista de processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 36, n. 198, p. 148-161, ago. 2011.

377 No mesmo sentido: CAMPINHO, Sergio, Falência e recuperação de empresa: o novo regime da

insolvência empresarial, p. 99; COELHO, Fábio Ulhoa, Comentários à nova lei de falências e de

recuperação de empresas, p. 47; MAMEDE, Gladston, Direito empresarial brasileiro: falência e

recuperação de empresas, v. 4, p. 99. Em sentido contrário: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles, Comentários aos artigos 1º a 34 da Lei n. 11.101, de 2005, in Comentários à lei de

recuperação de empresas e falência, p. 30; BRUSCATO, Wilges Ariana, Manual de direito empresarial brasileiro, p. 569.

378 Em sentido contrário, Renato Lisboa Altemani e Ricardo Alexandre da Silva sustentam que o artigo

9º limita-se a regrar a habilitação, sendo inaplicável à divergência, a qual tem forma absolutamente livre (Manual de verificação e habilitação de créditos na lei de falência e recuperação de empresas, p. 88-89).

estiver instruindo outro processo, hipótese em que se admite apresentar cópia autenticada. A exigência dos títulos originais tem fundamento nos atributos das cambiais, em especial literalidade, independência, incorporação, autonomia e abastração379, e na segurança, para se comprovar não terem sido endossados.

Todavia, a exigência de apresentação dos originais deixou de levar em consideração a realidade empresarial cotidiana, em que os títulos em papel se aproximam da total substituição pelo meio exclusivamente eletrônico. A desmaterialização do título de crédito é irreversível380, sendo o requisito previsto no artigo 9º ultrapassado.381

Ora, “o princípio da cartularidade, que pressupõe a posse do documento para o exercício do direito nele mencionado, não se ajusta ao ambiente eletrônico”.382

Assim, pelo princípio da equivalência funcional dos suportes, deve-se admitir que, preenchidos os requisitos legais, o meio eletrônico pode oferecer a mesma segurança jurídica que o papel383. Deverá ocorrer a transmutação de suporte384: o

379Sobre os atributos das cambiais: LOBO, Jorge. As “dez regras de outro” dos títulos cambiais. In:

WALD, Arnoldo (Coord.). Doutrinas essenciais, direito empresarial: títulos de crédito, letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas de crédito, protesto, ação cambial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 5, cap. 1, p. 146-150.

380“Os empresários, ao venderem seus produtos e serviços a prazo, cada vez mais não têm se valido

do documento escrito para registro da operação. Procedem, na verdade, à apropriação das informações, acerca do crédito concedido, exclusivamente em meio eletrônico, e apenas por esse meio as mesmas informações são transmitidas ao banco para fins de desconto, caução de empréstimos ou controle e cobrança do cumprimento da obrigação pelo devedor. Os elementos identificadores do crédito concedido, na hipótese de inadimplemento, são repassados pelos bancos aos cartórios de protesto apenas em meio eletrônico.” (COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito

comercial, v. 1, p. 409).

381“Seremos forçados a elaborar novas teorias, sobre quase tudo que até aqui vimos. E isso há de

ser agora, pois a evolução da informática é extraordinária e nada espera.” (COSTA, Wille Duarte.

Títulos de crédito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 92). No mesmo sentido: FRONTINI,

Paulo Salvador. Títulos de crédito e títulos circulatórios: que futuro a informática lhes reserva? Rol e funções à vista de sua crescente desmaterialização. In: WALD, Arnoldo (Coord.). Doutrinas

essenciais, direito empresarial: títulos de crédito, letra de câmbio, nota promissória, cheque,

duplicata, cédulas de crédito, protesto, ação cambial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 5, cap. 1, p. 240-244.

382 COELHO, Fábio Ulhoa. Títulos de crédito eletrônicos. Revista do Advogado, São Paulo, AASP, v.

28, n. 96, p. 45, mar. 2008. No mesmo sentido: BRASIL, Francisco de Paula Eugênio Jardim de Souza. Títulos de crédito: o novo Código Civil: questões relativas aos títulos eletrônicos e do agronegócio. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 106-107.

383 COELHO, Fábio Ulhoa. O futuro do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 10. Ricardo

Negrão entende que ainda “há passos a serem dados para a plena conquista da segurança jurídica na emissão e circulação de títulos de crédito por meio desmaterializado” (Manual de direito

comercial e de empresa: títulos de crédito e contratos empresariais São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2.

p. 47).

título eletrônico deverá ser impresso para instruir a habilitação; ou bastará o instrumento de protesto.385

Ademais, quando o valor do título é elevado, é justificável a instrução com cópia autenticada386, inclusive porque o documento não é encartado nos autos, mas permanece na posse do administrador judicial.

As habilitações e divergências são analisadas pelo administrador judicial, em conjunto com os documentos contábeis e os livros do devedor. No prazo de quarenta e cinco dias387, compete ao administrador judicial fazer publicar edital contendo a nova relação de credores e o local e prazo em que serão disponibilizados os documentos que fundamentaram a relação (art. 7º, § 2º).

A publicação da relação de credores elaborada pelo administrador judicial marca o encerramento da fase administrativa da verificação dos créditos.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 156-159)