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Fase judicial

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 159-164)

Com a publicação da relação de credores elaborada pelo administrador judicial, inicia-se o prazo de dez dias para que interessados apresentem impugnação (art. 8º).

Trata-se de ação de conhecimento, de natureza contenciosa, incidental à recuperação judicial, cuja decisão se torna imutável pela coisa julgada material388. O objetivo da impugnação é fazer com que o quadro geral de credores não repita a

385 TOMAZETE, Marlon. A duplicata virtual. In: WALD, Arnoldo (Coord.). Doutrinas essenciais, direito

empresarial: títulos de crédito, letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas de

crédito, protesto, ação cambial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 5, cap. 4, p. 622-624.

386 SHIMURA, Sergio Seiji, Título executivo, p. 190-191.

387 O prazo não está sujeito à preclusão temporal. Poderá o administrador judicial extrapolar o prazo

para divulgar sua relação de credores, sem maiores consequências para os credores e o desenrolar do processo. Contudo, se for injustificável o retardo, estará sujeito à destituição por descumprimento dos preceitos legais e por descumprimento de seus deveres (art. 31).

388 MOREIRA, Alberto Camiña, Notas sobre a impugnação de crédito na recuperação judicial de

empresas, in Temas atuais das tutelas diferenciadas: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin, p. 7.

relação apresentada pelo administrador judicial, por meio da inclusão, modificação ou exclusão de crédito.

Têm legitimidade ativa para a impugnação o comitê de credores, qualquer credor389, o devedor390 ou seus sócios391 e o Ministério Público392. Evidentemente, não pode o administrador judicial impugnar sua própria relação.393

O destinatário da impugnação é o juízo em que tramita a recuperação judicial, salvo na hipótese de versar sobre crédito de natureza trabalhista, em que a competência é da Justiça especializada.394

A petição de impugnação deve respeito aos artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil, exigindo-se sua instrução com os documentos relativos à pretensão, cabendo ao impugnante indicar as demais provas que pretende produzir (art. 13). O valor da causa é o valor do crédito, quando se objetiva sua inclusão, exclusão ou alteração da classificação; e o valor da diferença, para mais ou para menos, se o

389 Por se implicarem reciprocamente os créditos, admite-se que credor impugne crédito de outro,

mesmo de classe diversa. “Essa legitimidade cruzada, por assim dizer, é uma característica dos processos concursais.” (MOREIRA, Alberto Camiña, Notas sobre a impugnação de crédito na recuperação judicial de empresas, in Temas atuais das tutelas diferenciadas: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin, p. 7). No mesmo sentido: COELHO, Fabio Ulhoa,

Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas, p. 50; SIMIONATO, Frederico

Augusto Monte, Tratado de direito falimentar, p. 62.

390

“A legitimidade do devedor, por certo, é limitada aos créditos incluídos pelo administrador judicial e que estavam ausentes da relação por ele preparada. Não impugnará o crédito por ele mesmo arrolado, a não ser que o faça fundado em fato superveniente; ou que descubra algum erro.” (MOREIRA, Alberto Camiña, Notas sobre a impugnação de crédito na recuperação judicial de empresas, in Temas atuais das tutelas diferenciadas: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin, p. 7).

391 A legitimidade dos sócios para impugnar é extraordinária, por não serem os titulares do direito

material em litígio. Além disso, apesar de aparentemente exclusiva (devedor ou seus sócios), a legitimidade é concorrente, podendo tanto devedor quanto os sócios impugnar.

392“É a mais ampla possível a impugnação por parte do Ministério Público, o que tem sido admitido

de longa data, nos mais diversos aspectos ligados ao crédito.” (MOREIRA, Alberto Camiña, Notas sobre a impugnação de crédito na recuperação judicial de empresas, in Temas atuais das tutelas

diferenciadas: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin, p. 7).

393 MOREIRA, Alberto Camiña, Notas sobre a impugnação de crédito na recuperação judicial de

empresas, in Temas atuais das tutelas diferenciadas: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin, p. 6; TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles, Comentários aos artigos 1º a 34 da Lei n. 11.101, de 2005, in Comentários à lei de recuperação de empresas e falência, p. 28.

394 O procedimento especial da recuperação judicial, previsto nos artigos 11 a 15, deve ser observado

mesmo nas impugnações que tramitem na Justiça do Trabalho, prevalecendo sobre os procedimentos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, salvo com relação à sistemática recursal. É nesse sentido a Instrução Normativa do Tribunal Superior do Trabalho n. 27/2005 e o entendimento de Marcelo Papaléo de Souza (A lei de recuperação e falência e as suas

pedido é de retificação395. Diferentemente do que ocorre com a habilitação de crédito, indispensável capacidade postulatória para a impugnação.396

Cada impugnação é autuada em apartado, evidenciando sua natureza de ação incidental. As impugnações que versam sobre o mesmo crédito têm autuação única, para permitir processamento e decisão únicos, com fundamento na economia processual e no desejo de harmonia de decisões.

Com a reunião das impugnações, forma-se um litisconsórcio ativo sui

generis397, em que cada impugnação pode ter objeto diferente, e até contraditório, o que ocorre, por exemplo, se credor impugnar para majorar o crédito, e simultaneamente o devedor impugnar para reduzir ou excluir o mesmo crédito. Também é atípico o litisconsórcio quanto à obrigatoriedade, já que de um lado tem aspectos de necessário, ante a indispensabilidade de reunião, mas de outro aparenta facultatividade, já que a apresentação de impugnação não passa de faculdade dos legitimados. Com relação ao resultado, o litisconsórcio formado pelos impugnantes é simples, visto que cada impugnação pode culminar em um resultado diverso.

O credor que tiver crédito impugnado figura no polo passivo da impugnação, sendo intimado para, no prazo de cinco dias, contestar, juntando documentos e requerendo a produção das provas que entender necessárias (art. 11).398

395 MOREIRA, Alberto Camiña, Notas sobre a impugnação de crédito na recuperação judicial de

empresas, in Temas atuais das tutelas diferenciadas: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin, p. 6; TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles, Comentários aos artigos 1º a 34 da Lei n. 11.101, de 2005, in Comentários à lei de recuperação de empresas e falência, p. 11.

396“Os pressupostos processuais concernentes às partes, segundo doutrina razoavelmente uniforme,

referem-se a três categorias distintas e complementares: a capacidade de ser parte; a capacidade de estar em juízo; e a capacidade postulatória. Destes, apenas as duas primeiras é que dizem respeito especificamente à parte em si mesma considerada. A “capacidade postulatória” relaciona- se a outro fenômeno, qual seja, à regra de, para o sistema processual civil, os atos processuais serem praticados por quem detém poder de postulação, advogados e membros do Ministério Público.” (BUENO, Cássio Scarpinella, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 26).

397 MAMEDE, Gladston, Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas, v. 4, p.

106-107; MOREIRA, Alberto Camiña, Notas sobre a impugnação de crédito na recuperação judicial de empresas, in Temas atuais das tutelas diferenciadas: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin, p. 8.

398 José Alexandre Tavares Guerreiro sustenta, com acerto, que outros interessados, além do credor

titular do crédito impugnado, podem contestar a impugnação (Comentários ao Capítulo II, Seção II: artigos 7º a 20. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coords.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falências: Lei 11.101/2005, artigo por artigo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 154). Em sentido contrário: FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Rachel, Falência e recuperação da empresa

Intervêm na impugnação o devedor e o comitê de credores, ouvidos no prazo de cinco dias subsequente ao prazo de contestação. Depois, o administrador judicial tem igual prazo para emitir parecer, instruindo-o com as informações que dispuser acerca do crédito impugnado (art. 12).

Apesar de o procedimento da impugnação não prever expressamente, caso algum dos intervenientes (credor impugnado, comitê de credores, devedor ou administrador judicial) apresente documento, deverá ser franqueada às partes a manifestação, nos termos do aplicável artigo 398 do Código de Processo Civil, sob pena de nulidade399, como corolário do princípio do contraditório.

Encerrados os prazos para manifestação dos interessados, passa-se ao que seria equivalente, no procedimento comum ordinário, à fase de saneamento e julgamento antecipado. As impugnações maduras, que não dependem de dilação probatória, são decididas por sentença, com a fixação do valor e da classificação de crédito. Nas demais, o juiz fixa os pontos controvertidos, decide as questões processuais pendentes e determina a produção de provas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessária a prova oral (art. 15). Pela importância da decisão das impugnações no desenrolar da recuperação judicial, a fim de se definir o quanto antes o passivo do devedor, seria importante que o juiz desse atenção aos prazos para decisões400, mesmo se tratando de prazos impróprios.401

Nas impugnações ainda pendentes de dilação probatória, deve o juiz determinar a reserva de valor para satisfação do crédito impugnado (art. 16)402. A

399 TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles, Comentários aos artigos 1º a 34 da Lei n. 11.101, de

2005, in Comentários à lei de recuperação de empresas e falência, p. 36.

400“O juiz que excede prazos sem motivo justo é um mau pagador das promessas constitucionais de

tutela jurisdicional e deve suportar sanções administrativas ou mesmo pecuniárias, mas inexiste a sanção processual das preclusões.” (DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito

processual civil, v. 2, p. 567).

401“No caso das partes, os prazos são classificados como próprios, significando que o desrespeito a

eles acarreta uma consequência processual específica. No que se refere ao juiz, os prazos são impróprios, pois, uma vez descumpridos, nenhum efeito processual se verificará, quando muito, disciplinar. Não havendo consequência processual desta omissão, não se pode falar em preclusão para o juiz, pois mesmo após transcorrido o prazo para a realização do ato, será totalmente lícita a sua realização.” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Breves apontamentos sobre o instituto da preclusão, in Leituras complementares de processo civil, p. 325).

402 De ofício, diferentemente do que ocorria sob a legislação anterior (TOLEDO, Paulo Fernando

Campos Salles, Comentários aos artigos 1º a 34 da Lei n. 11.101, de 2005, in Comentários à lei de

natureza da reserva de valor é de medida antecipatória. A exigência de celeridade na prestação jurisdicional, aguda na recuperação judicial pela urgência na superação da crise, criou o mecanismo da reserva de valor, para que o trâmite das impugnações não obste o andamento do procedimento principal da recuperação judicial.

A impugnação encerra-se por sentença declaratória, com força de coisa julgada. Pela litigiosidade e necessidade de participação de advogado, é cabível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência. Note-se que a inexigibilidade das despesas que os credores tiverem para tomar parte na recuperação judicial (art. 5º, II) não abrange os honorários da ação de impugnação.

Embora o ato judicial que resolve as impugnações tenha natureza de sentença, é recorrível por agravo de instrumento (art. 17). O rompimento com o sistema recursal comum, pelo qual caberia apelação, é imotivado. Por se processar autonomamente, em autos apartados, não se justifica exigir a formação do instrumento para o agravo e manter parados no juízo singular os autos da impugnação. Bastaria prever o cabimento da apelação sem efeito suspensivo.403

Têm legitimidade para recorrer da decisão da impugnação os mesmos legitimados para apresentá-la. O administrador judicial, por ser auxiliar do juízo, imparcial, não tem legitimidade para agravar da sentença da impugnação, não obstante venha entendendo em sentido contrário o Tribunal de Justiça de São Paulo.404

403 No mesmo sentido, Sérgio Campinho (Falência e recuperação de empresa: o novo regime da

insolvência empresarial, p. 105) e Gladston Mamede, que julga ser “inútil e tolo” o cabimento de agravo de instrumento contra a sentença de impugnação (Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas, v. 4, p. 109-110). Analisando a questão do recurso contra a sentença do incidente de falsidade, Nelson Nery Júnior critica a adoção do agravo quando o incidente é autuado em apartado e faz coisa julgada material (Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 180).

404

“Parece-me evidente que, se o administrador judicial é considerado pela doutrina como „auxiliar do juiz‟ e exerce um munus público, tendo a função de elaborar a segunda relação de credores prevista no artigo 7º, § 2º, da nova Lei, bem como, diante da expressa previsão de ser intimado para dar o seu parecer, no caso de ser ofertada impugnação àquela relação de credores, tem ele legitimidade para interpor agravo contra a decisão judicial sobre a impugnação, nos termos previstos no artigo 17 do diploma falimentar. Tal conclusão é reforçada pelo disposto no artigo 19, da Lei n. 11.101/2005, que confere legitimidade ao administrador judicial para ajuizar ação rescisória falimentar, quando constatar qualquer vício na elaboração do quadro-geral de credores, diante do interesse da coletividade de credores em estabelecer com certeza e precisão o passivo submetido à recuperação

Como ocorre com qualquer agravo de instrumento, o relator tem os poderes enumerados no artigo 527 do Código de Processo Civil. Assim, pode antecipar a tutela recursal liminarmente405, para suspender o reconhecimento do crédito ou determinar a inclusão ou modificação de crédito, para permitir o exercício do direito de voto, como expressamente registra o parágrafo único do artigo 18, mesmo de ofício406. A decisão do relator que antecipa a tutela recursal é irrecorrível, podendo ser modificada ou revogada apenas por reconsideração do relator ou pela decisão colegiada do agravo de instrumento (art. 527, § 1º, do CPC).

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 159-164)