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2 NOÇÕES TEÓRICAS SOBRE AMOR,

4.2 O QUE É UM NAMORO?

4.2.2 Apresentação e Relação com a Família

Na pesquisa realizada por Leal (2003, p. 138), para os meninos do segmento médio/alto, o namoro que ocorre dentro de casa denota uma maior importância conferida ao relacionamento. Também para os meninos do segmento popular o ato de apresentar à família “é uma etapa importante na consolidação do relacionamento”.

A necessidade de apresentar ou não o(a) namorado(a) à família parece ser um ponto de discordância entre alguns meninos e algumas meninas do Colégio Rose Marie Muraro. Eduardo (16 anos) e José (16 anos) acham que é dispensável a apresentação à família para a caracterização do namoro. Eduardo (16 anos) diz que não faz diferença, pois, se tu tiver namorando, é tu e ela, né? Não é tu e a família dela, nem ela e tua família. Ele ressalta, contudo, que sua namorada conhece

toda a sua família e que ele conhece toda a família dela. José (16 anos) também afirma que o namoro não precisa necessariamente ser uma coisa aberta, podendo ser inclusive uma coisa fechada. No entanto, ele também afirma achar legal o ato de apresentar à família, para que a namorada se sinta parte da família. Segundo ele, a apresentação seria interessante para que a pessoa seja incluída na sua vida, o que parece estar relacionado também à convivência familiar.

Diego (17 anos) considera muito importante apresentar à família. Para ele, isso é necessário até para a família, para eles saberem com que tu tá saindo e onde é que tu vai. Ele mora apenas com a mãe e diz que apresentou todas as suas namoradas à ela. Laura (17 anos) ressalta que não é qualquer namorado que se apresenta para a família e que esse ato é algo que leva algum tempo: tipo namorinho não vai apresentar para a família. Ela diz que a apresentação à família só deve ocorrer quando se trata de uma relação séria.

Para Natália a relação do tipo to namorando, mas só vejo ele no colégio e minha mãe não sabe não é um verdadeiro namoro. Para a jovem, o namoro envolve uma convivência intensa e um envolvimento profundo: a vida deles inteira tem que tá envolvida nisso, sabe? Toda família. Isso significa que necessariamente deve-se conhecer a família e frequentar a residência do outro. Ela também fala que os pais precisam respeitar o(a) namorado(a) e que ele(a) deve ser tratado efetivamente como um membro da família. Ela também ressalta que o namoro implica viajar junto, que um durma na casa do outro e que almocem juntos. Sem esses requisitos e essa publicidade, o namoro não seria sério.

É interessante pensar na ênfase dada pela jovem ao ato de dormir na casa do outro. Outros colegas dela também mencionaram a prática. Natasha (16 anos) afirmou que dormia na casa de seu namorado, assim como que ele dormia em sua residência. Eles tinham garantida a sua privacidade, pois dormiam sozinhos em um quarto separado. Já Eduardo (16 anos) disse que também sua namorada dormia em sua residência. Quando ocorria o contrário, no entanto, eles dormiam na sala, já que ela dividia o quarto com seu irmão. No entanto, a privacidade era garantida pelo fato de que tanto os pais quanto o irmão da menina dormirem com as portas de seus quartos fechadas.

Tal fato contrasta com a distância dos corpos necessária ao namoro à antiga, conforme Azevedo (1986). Se o namoro sério nessa época era aquele no qual o rapaz respeitava a moça e resguardava a sua virgindade, o namoro sério atual necessita dessa proximidade e, além disso, com o aval da família. Sendo assim, ainda que dormir na sala

possa dificultar um pouco a manutenção de relações sexuais entre os namorados, que é o que ocorre com Eduardo (16 anos), certamente não impede a sua realização. Também Bozon (2009) aponta para esse testemunho e essa cumplicidade dos pais em relação à sexualidade dos filhos. Essa não-intervenção dos pais na vida sexual dos filhos seria, segundo ele, inclusive um motivador da extensão da residência materna e/ou paterna.

A prática de dormir na casa do(a) namorado(a) é algo que pode ser relacionado ao caráter essencial atribuído às relações sexuais no namoro. Também é interessante pensar na questão da manutenção de relações sexuais. Rebeca (17 anos), aluna do Colégio Rose Marie Muraro, traz uma questão importante ao afirmar que a intimidade do namoro também faz com que esse tipo de relação necessariamente inclua relações sexuais, algo menos comum na maioria das relações de ficar: eu não consigo achar normal não ter relacionamento sexual durante o namoro. Claro, não precisa ser logo, né? Até porque uma guria que é virgem, quando ela começa a namorar ela não vai transar logo de cara. O sexo seria, portanto, essencial numa relação de namoro. Quando trata das modificações ocorridas nas últimas décadas nas normas de passagem à sexualidade adulta, Bozon (2004, p. 20) ressalta a importância da relação sexual como “produtora de um vínculo e de conhecimento do outro e de si próprio”,55 fato que é visualizado na fala de Rebeca (17 anos). Além disso, Bozon (2001) também menciona a centralidade da sexualidade para o casal contemporâneo, o que se reflete também nas relações de namoro entre os jovens.

Essa vinculação entre manutenção de relações sexuais e namoro é interpretada a partir de um outro viés pelos alunos do Instituto de Educação Patrícia Galvão. Segundo um dos meninos, às vezes um menino pode namorar uma menina apenas para ter sexo seguro, mesmo que não goste dela. Com sexo seguro o jovem quis dizer que, para quem está namorando, há uma garantia de manutenção de relações sexuais, sem que ele tenha que se preocupar em conseguir uma parceira sexual eventual. A fala desse aluno foi complementada pela de uma menina da turma, que afirmou que, por esse motivo, muitas meninas ficam com medo, pois não sabem se o menino tem segundas intenções ou se gosta mesmo delas.

Esses dados podem ser comparados aos obtidos pela pesquisa Gravad (HEILBORN et al., 2006), segundo a qual, em Porto Alegre, os namoros são mais tardios e precedidos por diversas experiências de

ficar, além de resultarem, mais frequentemente do que em outras capitais do país, em relações sexuais. Já em Pelotas, de acordo com a pesquisa de Rieth (2001, p. 211), apenas os meninos entendem que, num namoro, a ocorrência de relações sexuais é inevitável, ainda que eles compreendam quando isso não se dá devido à pouca idade da namorada (“quando a namorada é ainda jovem para transar”). Além disso, o namoro que ocorre entre os jovens pesquisados em muito difere daquele descrito por Azevedo (1981;1986) na metade do século XX no Brasil. Talvez naquela época o sentimento envolvido e a vontade de estar junto também estivessem presentes, mas certamente as relações sexuais não ocorriam, sendo reservadas apenas aos homens e com outras mulheres, ou à conjugalidade.

A descrição do namoro efetuada pelos jovens pesquisados parece partir do mesmo pressuposto utilizado por Bozon e Heilborn (1996), o da oposição ao ficar. Nesse sentido, as três categorias analisadas aqui (sentimento, comprometimento e apresentação e relação com a família) são reveladas a partir de uma oposição à prática do ficar, ou seja: diante da presença dessas categorias, trata-se de um namoro; na sua ausência, trata-se de uma relação de ficar. Em primeiro lugar, para namorar, é preciso um sentimento mais intenso do que aquele presente no ficar. Além disso, também se faz presente um maior grau de comprometimento, seja com o outro ou com a própria relação, a partir da confiança (tema que será especificamente analisado adiante, ao se tratar da fidelidade no namoro).

Outro requisito relevante, embora não unânime entre os interlocutores, é o da apresentação à família, também ligado à relação estabelecida com esta. Se o namoro à antiga, para ser considerado sério, prescindia da apresentação do rapaz à família da moça (AZEVEDO, 1981;1986), no namoro atual isso pode ser dispensável e, quando ocorre, essa apresentação é dirigida a ambas as famílias (da menina e do menino). De qualquer forma, continua a conferir um status diferenciado, sobretudo porque o hábito de frequentar a casa do outro pode garantir, como alguns jovens mencionam, a possibilidade de dormir na casa do outro, o que é muito importante para garantir a manutenção de relações sexuais. Logo, essa apresentação à família, que permite também uma convivência mais intensa entre o casal, além de demonstrar que a sexualidade é central para o casal contemporâneo (BOZON, 2001), o que se reflete também nas práticas juvenis, permite a criação de um espaço do casal, formado a partir do desejo de estar junto (BOZON, 2009).