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2 NOÇÕES TEÓRICAS SOBRE AMOR,

3.4 FICAR COM ALGUÉM DO MESMO SEXO: RUMO À

3.4.1 Meninas e Meninos podem Ficar com Alguém do

Como já foi demonstrado pelas falas de alguns jovens, há uma grande diferença entre a possibilidade de meninas e meninos ficarem com alguém do mesmo sexo, sendo que no caso das meninas há uma maior permissibilidade. Na Escola de Educação Básica Berta Lutz, foi dito que mulheres se beijando é menos nojento que dois homens.

No Colégio Estadual Nísia Floresta, um dos grupos de alunos, composto apenas por meninos, tinha que discutir uma reportagem sobre meninos que beijam meninos. Logo após a distribuição das reportagens, um deles perguntou se não era possível trocar de reportagem. Eu perguntei por que e ele respondeu: ah, sora! Isso é nojento! Se ainda fosse duas meninas... aí era massa! Eu perguntei por que era nojento e eles pareciam se referir ao encontro dos órgãos sexuais masculinos, embora não nominassem isso: ai... uma coisa... outra coisa... é nojento! Eles tiveram dificuldades inclusive para ler a reportagem, devido ao preconceito com o tema. No grande grupo, eles relutaram em falar. Pediram para ficar por último. Um deles olhava o relógio, torcendo para

51 Vale lembrar que essa oficina foi realizada alguns meses após o término da edição de 2010

do programa Big Brother Brasil, um reality show exibido pela TV Globo, no qual a questão da homofobia esteve presente, diante das acusações proferidas por Dicésar, participante gay, e dirigidas a Marcelo Dourado, ganhador do programa. Dourado foi diversas vezes taxado de

homofóbico, diante de suas atitudes discriminatórias, o que gerou diversas manifestações

que o tempo acabasse antes que eles falassem sobre a reportagem. Disseram que era coisa de viado.

Na mesma escola, uma menina de outro grupo falou que tinha amigas lésbicas e que também conhecia gays. Ela achava que quem fica com alguém do mesmo sexo na verdade gosta de pessoas do mesmo sexo, e não do sexo oposto. Disse que era isso o que observava nas pessoas que conhecia: eu tenho amigas que têm namorado, mas que é fachada... na verdade elas gostam de meninas.

Ao se referir ao fato de alguns meninos também ficarem com alguém do mesmo sexo, Isabela (16 anos), do Colégio Rose Marie Muraro, faz uma ressalva: eu acho que guri assim gay acho que é mais comum do que guria. Tipo, guria fica ali normal, sabe, mas guri mesmo acho que quer aquilo pra vida. Na fala dessa jovem aparece uma diferenciação importante em relação ao mesmo ato (ficar com alguém do mesmo sexo), dependendo de quem o pratica. Enquanto a guria fica ali normal, o guri quer aquilo pra vida. Enquanto para as meninas a prática afetiva não é definidora da sua orientação sexual, aos meninos não é permitida essa curiosidade. Logo, ficar com outro menino pode significar para um jovem, também, ter em si impresso o estigma da homossexualidade.

Isabela (16 anos) afirma nunca ter ficado com outra menina e diz que entre suas amigas isso também não é uma prática. Ela não tem nem um pouco de vontade de ficar com outra menina. No entanto, ela diz ter conhecidas que fazem isso. Perguntada sobre se essas suas conhecidas sofrem algum tipo de preconceito em virtude de sua prática, ela diz que isso não ocorre até porque foi uma vez só, então elas ficam mais com guris. Para não ser taxada de lésbica, a prática de ficar com outra menina não pode ser muito recorrente e sobretudo não pode ser mais relevante do que a prática de ficar com meninos.

Explicando por que é mais comum para as meninas ficarem com alguém do mesmo sexo do que para os meninos, Eduardo (16 anos) afirma que, em relação a guri ficando com guri tem um machismo, preconceito. Mas guria ficando com guria não”. Pedro (17 anos) também confirma essa tese de que é mais preconceito em relação a meninos que ficam com meninos. Logo, essa curiosidade que as meninas referem não seria algo presente para eles. Ele diz: eu não tenho curiosidade de ficar com outro guri. Pedro (17 anos) além disso afirma que não tem essa curiosidade por falta de curiosidade e também por preconceito. Para Eduardo (16 anos), ainda que a intenção de um menino, ao ficar com outro, possa ser a de experimentação, ele provavelmente será rotulado como gay. Isso faria com que os meninos

que têm esse desejo de ficar com alguém do mesmo sexo pensassem muitas vezes, muitas vezes antes de agir dessa maneira. Segundo o jovem, homem é muito mais preconceituoso… com outros homens, que com mulheres.

Sobre o tema, Diego (17 anos) afirmou que havia na escola dois meninos que ficavam entre si e o que faziam por experimentação, assim como as meninas, não se considerando gays. Ele salienta, contudo, que os outros meninos nunca os viram juntos e que só sabiam que eles ficavam porque eles próprios contaram. Perguntado sobre o que levaria um menino a ficar com outro menino, Eduardo (16 anos) responde que se deveria mais a estar a fim ou a gostar, do que simplesmente para experimentar como é ficar com alguém do mesmo sexo:

eu acho mais… não, acho mais comum pelo sentimento porque… porque, sei lá, eu, por exemplo, não arriscaria ficar… sofrer preconceito só por ter ficado, entendeu. Eu, se eu fosse pegar um guri eu ia pegar pra namorar. Eu não ia… ferrar a minha vida inteira porque não tendo, não tendo ainda tem, né? Tem preconceito. Eu não ia estragar minha vida… pra dar um peguinha… num cara que tá na festa.

Eduardo (16 anos) também relata que essa maleabilidade, que seria possível para as meninas, de ficar com alguém do sexo oposto num dia e com alguém do mesmo sexo em outro momento não se aplica da mesma forma aos meninos. Para ele, uma guria não pegaria um guri que pegou um guri. Ele atribui isso ao machismo, porque, para as meninas, macho tem que ser macho e meninos que ficam com meninos não seriam vistos como machos.

Sofia (17 anos) diz que também há preconceito por parte dos meninos em relação a meninas que ficam com outras meninas: eu já fui em festas que as gurias tavam se pegando a fu e os guris tudo com nojo assim. Sofia (17 anos) refere o único episódio no qual viu dois meninos se beijarem, que teve um desfecho bem diferente do das meninas: guri ficando com guri eu acho que eu só vi numa festa. Mesmo assim, eles foram expulsos da festa. Segundo ela, a expulsão se deu devido a cenas muito fortes, embora ela afirme não ter visto o que eles estavam fazendo.

José (16 anos) fala que há uma grande diferença na aceitação de meninas que ficam com meninas e de meninos que ficam com meninos.

Ele refere que alguns guris não têm preconceito com as guria. Mas tem preconceito entre os homens. Tem demais. Ele diz que a maioria dos homens que eu vejo não gostam de homem com homem. E mulher com mulher alguns gostam, outros não.

Thaíse (16 anos) diz que os meninos que ficam com outros meninos o fazem, a seu ver, por opção sexual, e não por modinha: nenhum guri… quer “ah, vou ficar com outro porque seja modinha”, sabe? A não ser que a pessoa esteja muito bêbada e não se lembre. Na sua opinião a moda, portanto, não é válida para todos: moda é mais pras gurias, os guris deve ser porque eles… gostam mesmo. Ela também diz que os meninos esconderiam mais o fato de ficarem com outros meninos do que as meninas:

se tem dois caras ficando… não é assim “ah, eu peguei aquele ali, fico com aquele ali”, é uma coisa assim mais… tipo, se um cara é gay… tu nunca sabe direito de quem, de com quem ele se relaciona, é uma coisa bem mais… secreta assim, é uma coisa mais dele, mais pessoal assim, ele não abre pra todo mundo como as mulheres fazem.

Ana Carolina (16 anos) diz que é cada vez mais comum que meninos fiquem com meninos, mas que, no caso deles, há um maior preconceito, inclusive em relação a si próprio, do que o verificado nas meninas:

eu acho que pro guri é mais difícil a aceitação, a auto-aceitação até, tipo “nossa, eu tô sentindo alguma coisa por um cara”. Bah, eu acho que é complicado, mexe muito mais com a cabeça do cara do que com a cabeça da guria… porque tem aquela coisa do ah […] paixão, não quer dizer que ele vai deixar de ser homem. Pra mim não quer dizer. O cara continua sendo homem só que a opção sexual dele é diferente.

Nota-se aqui que ficar com alguém do mesmo sexo parecer ser uma prerrogativa apenas das meninas. Enquanto duas meninas ficando é algo legal, dois meninos ficando é algo nojento, expressão utilizada sobretudo nas oficinas realizadas em Florianópolis e Região Metropolitana. No caso das entrevistas efetuadas no Colégio Rose Marie

Muraro, em Porto Alegre, foi possível, em virtude do tempo, perguntar sobre os motivos que levariam à essa diferenciação. A categoria preconceito e a categoria machismo aparecem e estão presentes porque as meninas, quando ficam com alguém do mesmo sexo, não são vistas como homossexuais, ainda que a prática seja frequente (desde que não mais recorrente do que a prática de ficar com meninos). Os meninos, ao contrário, só ficariam com outro menino quando querem isso para a vida. À eles não é permitida essa experimentação possível às meninas, pois, ainda que fiquem apenas uma vez, terão toda a sua vida ferrada, ou seja, será aposto a eles o rótulo de homossexual.

3.4.2 Meninas que Ficam com Meninas: atração sexual, curiosidade