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2 NOÇÕES TEÓRICAS SOBRE AMOR,

2.3 CONJUGALIDADE E AMOR NA

2.3.3 O Modelo do Amor Confluente

O conceito de amor confluente é trazido por Giddens (1993). Para o autor, a noção de amor confluente tem como base o amor romântico, associado principalmente à emancipação e autonomia sexual femininas. Essas modificações também são ressaltadas por Goldenberg (2005), para quem a menor durabilidade dos arranjos conjugais e a sua flexibilização se deveria principalmente à intensificação da vida erótica do casal e a uma maior independência econômica das mulheres. O amor confluente,

para Giddens (1993), não se baseia na identificação projetiva, que levaria à “sensação de totalidade com o outro”, mas na “abertura de um em relação ao outro”, tendo respaldo, sobretudo na intimidade.

Segundo Giddens, (1993), o amor confluente não pode ser considerado único e eterno. Ele é ativo e contigente. Se o amor romântico era “para toda a vida”, o amor confluente é “eterno enquanto dura”. Nos relacionamentos baseados nesse tipo de amor o objetivo não é a busca da pessoa especial, mas do relacionamento especial. Dessa forma, seria possível ter mais de um relacionamento especial, com pessoas diferentes, não tendo mais lugar a busca da “alma gêmea”.

Para Giddens (1993, p. 73), a ideia do amor confluente também tem, ao contrário do amor romântico, um fundamento numa maior igualdade entre os sexos. Ninguém aqui precisa ser resguardado do envolvimento, seja ele afetivo ou sexual. Deve existir uma “igualdade na doação e no recebimento emocionais”. Logo, flerte, namoro e casamento podem ser iniciativa de ambas as partes e não necessitam de intermediários para a sua concretização.

Isso está de acordo com os resultados da pesquisa efetuada por Goldenberg (2005), com indivíduos de camadas médias urbanas cariocas. A antropóloga demonstra que ideais românticos e valores igualitários parecem andar lado a lado. Os ideais românticos são percebidos na descrição dos pesquisados sobre a vida de casal ideal. Assim, a noção de “cara-metade”, relatada por meio de valores tais como companheirismo, cumplicidade, interdependência e complementaridade entre os cônjuges, é mencionada. Ao mesmo tempo, a preservação da liberdade e da individualidade, bem como a necessidade de independência financeira de ambas as partes, valores igualitários, são referidas. Para a autora, isso revela que o discurso dos seus entrevistados romperia com a “dualidade tradicional versus moderno”: “ideais tradicionais aparecem nas respostas masculinas e femininas ao lado de outros mais modernos, que valorizam a igualdade, a liberdade e a individualidade nos relacionamentos” (GOLDENBERG, 2005, p. 86).

Cabe salientar também o papel das relações sexuais para o amor confluente. Antes permitidas apenas após o casamento, aqui elas têm um papel fundamental. A realização sexual dos envolvidos é de extrema importância, seja para a manutenção ou dissolução do relacionamento. Da mesma forma, não está mais presente a dicotomia entre moças levianas e de família, explicada anteriormente. Tampouco o

relacionamento afetivo-sexual se limita à heterossexualidade38 e deve ter como destino necessariamente o compromisso, na forma do noivado ou do casamento.

Isso está de acordo com a exaltação da sexualidade descrita por Del Priore (2006). Para a autora, o casamento e a sexualidade sempre estiveram sob controle, seja da Igreja, da família ou da comunidade. Com a separação da sexualidade da procriação, ela foi desculpabilizada pela Psicanálise e até exaltada. A ausência de desejo é que passa a ser problematizada. É a realização pessoal que está acima de tudo: o casamento é fundado sobre o amor e não-obrigatório, o divórcio não causa mais vergonha e os cônjuges são tratados com igualdade.

Estão presentes, diante disso, novas formas de união conjugal, tais como os casamentos sem coabitação,39 as uniões internacionais e o casamento homossexual, formas estas descritas por Irene Meler (2006). Elas conviveriam lado a lado com os casais tradicionais, que, ainda que cada vez mais difíceis de serem encontrados, seriam vigentes em setores populacionais compostos por pessoas mais velhas ou provenientes de subculturas conservadoras. Estes seriam caracterizados pela chefia masculina e uma estrita divisão sexual do trabalho. A autora menciona ainda o que chama de “casais inovadores”, que seriam compostos por pessoas jovens, provenientes de setores médios urbanos, com nível educacional superior e que assistem a uma diminuição, ainda que não completa, da assimetria de poderes própria do contrato conjugal. Goldenberg (2005), tratando do Brasil e das mudanças efetuadas nos modelos de conjugalidade no país, buscadas, sobretudo, por indivíduos de camadas médias urbanas, ressalta, no entanto, que as pessoas continuam a ter o desejo de casar e constituir família, embora sem ficarem restritas ao modelo tradicional.

Não há, também, como tratar das novas configurações familiares sem aludir à institucionalização do divórcio, fato que torna o casamento legalmente dissolúvel. A legislação que instaura o divórcio no Brasil é

38 Nesse sentido, cabe citar aqui o trabalho de Eduardo Steindorf Saraiva (2007) que, com base

em entrevistas com homens de camadas médias que assumiram sua homossexualidade após a vivência de relacionamentos heterossexuais, trata da conjugação entre desejo e amor, que passa a ser possível de ser pensada a partir do modelo de Giddens (1993) do amor confluente, que, por não se restringir à heterossexualidade, passa a abarcar também relacionamentos afetivos entre pessoas do mesmo sexo.

39 Catherine Villeneuve-Gokalp (1997) trabalha com maior profundidade o fenômeno do

casamento em casas separadas, resultado da dissociação entre a vida conjugal e a coabitação. Segundo sua pesquisa, em dois terços dos casos a dupla residência não é voluntária, fato que desmistifica um pouco o argumento da garantia da independência dos indivíduos, fortemente associado a esse tipo de convivência.

de 1977. Antes desse período, o instituto do desquite era o que contemplava as separações conjugais. No entanto, ele não dissolvia o vínculo entre marido e mulher, não permitindo, pelo menos formalmente, a formação de novas uniões conjugais.

Em relação às separações e aos divórcios, cabe trazer as considerações tecidas por Ulrich Beck e Elisabeth Beck-Gernsheim (2001), que tratam sobretudo dos fenômenos que denominam como matrimônio pós-matrimonial e divórcio intramatrimonial. Para eles, com a institucionalização do divórcio, o casamento, antes duradouro, torna-se dissolúvel e decisível. No entanto, ressaltam que o até que a morte os separe seria preservado no caso da existência de filhos comuns, que fariam com que os divorciados se deparassem com dimensões de sua relação não acessíveis à separação, recordando-os da identidade da convivência passada. Devido aos filhos, o divórcio não dissolveria totalmente a unidade da família, já que eles não podem se divorciar de seus pais, uma vez que a parentalidade torna-se divisível, mas não revogável. Com isso, eles teriam que construir uma relação com seus pais além das fronteiras de suas novas famílias nucleares.

O modelo do amor confluente, proposto por Giddens (1993), parece um tanto idealizado. É como se fossem acrescidos ao amor romântico a flexibilidade e a igualdade. Flexibilidade, porque o amor confluente não é para toda a vida, como o era o romântico, e igualdade porque esse é um requisito importante, uma vez que está associado à emancipação e autonomia sexual femininas e também não é mais associado apenas à heterossexualidade. No entanto, se enquanto projeto o amor confluente parece ótimo, a sua prática é diferente. Essa flexibilidade pode por vezes cair na liquidez para a qual alerta Bauman (2004) com o seu modelo de amor líquido, para o qual a noção de consumo parece ser muito relevante. Além disso, essa promulgada igualdade não é tão real, já que permanecem diversas desigualdades entre mulheres e homens (um exemplo é a própria fama de galinha atribuída pelos jovens às meninas que ficam com vários meninos, tema que será explorado no item 3.3.3), nem tampouco os relacionamentos não-heterossexuais possuem ampla aceitação social.