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2 NOÇÕES TEÓRICAS SOBRE AMOR,

4.1 POR QUE NAMORAR OU COMO A FICADA SE

Ao pensarmos que as práticas de pegar, ficar e namorar situam-se em uma mesma linha, sem que existam fronteiras claramente demarcadas entre elas, é possível depreender, conforme Rieth (2001, p. 201), que “as fronteiras entre ficar ou namorar são tênues”, o que pode gerar aos envolvidos dúvidas acerca do status do relacionamento. Em geral, “a confirmação do namoro resulta da negociação entre o casal sobre a forma da relação”. A definição do relacionamento não aparece como sendo um papel masculino, embora existam algumas referências ao pedido de namoro, sobretudo por parte das meninas.53

Como se dá a oficialização do namoro, se ele geralmente decorre de uma ficada? Para Eduardo (16 anos), tem gente que pede (em namoro), tem gente que não pede, tem gente que declara... declaro se a gente tá num, né?. Há, segundo o jovem, ainda aqueles que mandam um aviso prévio: ó, vou te pedir em namoro. Segundo Giongo (1998, p. 125), há por vezes uma dificuldade enfrentada pelo próprio par para estabelecer uma distinção entre o “estar ficando” e o namoro.

Se o namoro à antiga descrito por Azevedo (1981) era precedido pelo flerte, pode-se afirmar que o namoro atual deriva do ficar. Isso significa que, antes de os jovens assumirem esse compromisso, para si

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Segundo Rieth, “são recorrentes as expectativas das jovens investigadas quanto à iniciativa masculina de "pedir em namoro", do rapaz iniciar a conversa sobre o assunto e definir o relacionamento” (2001, p. 201 e 202).

próprios ou para os demais, de que estão namorando, eles ficam, geralmente algumas ou várias vezes.

O ficar pode ser compreendido, nesse sentido, como uma prática de experimentação, que pode levar ao namoro: “beijar e trocar carícias com alguém, sem ter compromisso algum, é uma forma mais que atual de procurar a pessoa ideal para namorar, sendo uma espécie de test drive para encontrar o parceiro ideal” (JESUS, 2005, p. 69). Além disso, o namoro pode ser compreendido “como decorrente de um ato contínuo e repetitivo do ficar, que possui início em um relacionamento caracterizado pela liberdade de ação e que, com o tempo, ganha contornos de maior compromisso e de oficialidade frente à família e ao grupo social (OLIVEIRA, 2007).

Essa experimentação, no entanto, pode ter alguns limites, sobretudo quando se trata das meninas. As alunas do Instituto de Educação Patrícia Galvão, ao lerem na oficina uma reportagem sobre uma menina que queria namorar, mas não conseguia, disseram que ela estava desesperada e que não deveria ficar pensando muito no assunto, porque uma hora apareceria um namorado. Para elas, o namoro tinha que ser precedido pelo prévio conhecimento dos meninos, pela conversa e pelo ficar. No entanto, a menina que quer namorar deve fazer uma seleção, pois não pode sair ficando com todo mundo que aparece.

Sendo assim, embora ficar seja uma prática que deve preceder a do namoro, segundo essas jovens, essa experimentação não pode ocorrer sem critérios, com todo mundo que aparece. Isso porque, se a menina quer namorar, deve selecionar os meninos com que fica. Enquanto Jesus (2005) fala do ficar como uma forma de encontrar a pessoa para namorar, chama a atenção, na fala das meninas, a ideia do aparecimento do namorado. O namorado aparece, para elas, quando não se está desesperada, quando não se pensa muito no assunto e quando não se fica com toda e qualquer pessoa. As representações dessas jovens, contrastam, portanto com a noção de “busca” do amor descrita por Giddens (1993) como um componente importante do amor romântico.

Essa ideia do desespero é interessante e lembra em muito as referências de Azevedo (1986, p. 50) à figura da solteirona, a mulher que, “por não achar casamento, assume o papel de „tia‟ para os sobrinhos, ajudando a criá-los, cooperando no serviço de casa, não raro reclusa todo o tempo, vigiada pelos da mesma geração, pelos mais velhos e até pelos jovens, e ao mesmo tempo vigilante e atenta e zelosa, impertinente e inoportuna dos meninos e jovens da família”. Se “não casar é um insucesso” (AZEVEDO, 1986, p. 51), parece que querer namorar e não conseguir também o é. Digo querer namorar e não

conseguir, porque, conforme será visto mais adiante, para alguns dos jovens, e mesmo algumas das meninas, o namoro não está nos planos de um futuro próximo, pois eles se sentem satisfeitos com a experimentação que a prática do ficar proporciona e tem inclusive certo receio da perda da liberdade que o namoro pode proporcionar.

Também é relevante aqui pensar, a partir das falas dos jovens pesquisados, nos locais propícios para se conhecer alguém com quem se possa namorar, ou seja, nos lugares apropriados para se arranjar um(a) namorado(a). No Instituto de Educação Patrícia Galvão, foi dito que quando se vai para a balada, não se pensa em namorar. No entanto, uma das meninas do grupo afirmou que tem uma tia que conheceu o marido na balada e que ficou, namorou e casou com ele.

Embora isso possa acontecer, parece haver uma divisão entre relações mais ou menos fugazes e os locais nos quais se encontra pessoas com as quais se pode ter essas relações. Assim, a balada, as festas, são os lugares de pegar, de se relacionar por um curto espaço de tempo, sem a construção de intimidade. Já o namoro ocorre com alguém mais próximo, ou seja, com o colega, com o amigo, com o amigo do amigo. É preciso, segundo os jovens, um conhecimento prévio da pessoa com quem se namora. Para os alunos dessa mesma escola, primeiro é preciso conhecer melhor a pessoa, para então a ficada virar um namoro. O mesmo foi verificado em relação ao ficar. O ficar também ocorre, segundo os jovens pesquisados, preferencialmente com alguém que já se conhece. O namoro, seria, então, um estágio posterior ao ficar, que envolve, além desse contato de beijos, carícias ou até relações sexuais.

Segundo Sofia (17 anos), aluna do Colégio Rose Marie Muraro, é importante, para o estabelecimento do namoro, que se conheça previamente a pessoa com quem se quer ter esse relacionamento. Isso é algo que gera confiança, pois se tem conhecimento sobre a vida da pessoa e existem outros amigos em comum. O fato de que ambos possuam amigos em comum é também ressaltado pela jovem como um fator importante para que quem namora saiba as cagadas que o outro faz. Com cagadas a aluna refere-se às traições. Os amigos em comum serviriam, então, para contar as cagadas feitas pelo outro.

Parece haver aqui uma vinculação forte entre namoro e intimidade, categoria esta também muito importante para o amor confluente descrito por Giddens (1993). É a intimidade que permite a abertura em relação ao outro e a vivência do relacionamento especial. Por esse motivo, o conhecimento prévio e a busca de pessoas com quem

se tem maior afinidade, como colegas, amigos ou conhecidos, pode de alguma forma garantir o sucesso e a maior durabilidade do namoro.

No Centro Educacional Municipal Carmen da Silva, algumas meninas mencionaram que era preciso demonstrar o desejo de namorar. Isso significava demonstrar ser o tipo de menina que é para namorar. Isso seria feito, por exemplo, a partir do local no qual se procura um namorado. Também segundo elas não se procura alguém para namorar na balada. A balada serviria só para curtir. Segundo uma das alunas, um lugar possível para conseguir um namorado seria o shopping. Um dos meninos afirmou que, para namorar, era preciso primeiro ficar amigo. Para esses jovens, a amizade é a base de um relacionamento.

No entanto, não é para todos os jovens que existe essa diferenciação entre os estágios de ficar e namorar. Para um aluno do Instituto de Educação Patrícia Galvão que se identificou como cristão, ao beijar já se está namorando. Ele afirmou que, segundo sua religião, era proibido ficar, sendo permitido apenas namorar e somente após conhecer bem a pessoa com quem se namora. Ele ainda explicou que até era possível ter mais de um namoro ao longo da vida, mas que o casamento seria um só, afirmando ser contra a separação.

Enquanto os demais jovens pegam e ficam, para os religiosos essas práticas não podem estar presentes em suas vidas. Eles precisam desenvolver a noção de responsabilidade, recusando os chamados laicos e aproximando-se do ideal moral proposto por suas religiões (RIOS, 2008), o qual abarcará não apenas a proibição ao sexo antes do casamento, mas também tratará de aproximar namoro e conjugalidade, assim como ocorria no namoro à antiga (AZEVEDO, 1981; 1986), excluindo-se da sua vivência o ficar, prática compreendida pelos demais jovens como uma experimentação obrigatoriamente anterior ao namoro.

Se as práticas afetivas estão estabelecidas num continuum (OLIVEIRA, 2007), o namoro é uma decorrência do ficar (JESUS, 2005), com exceção dos jovens religiosos, a quem o ficar é proibido. No caso dos demais, embora o namoro seja posterior ao ficar e esta seja uma prática de diversão e descompromissada, aparece, tanto dentre os alunos do Instituto de Educação Patrícia Galvão, quanto entre os do Centro Educacional Municipal Carmen da Silva, a ideia de que existe, para as meninas, uma postura para se demonstrar o desejo de namorar. Isso não significa que as meninas não possam ficar, mas apenas que ficar e namorar são práticas diferentes e que, portanto, devem ser realizadas em locais diferentes, não sendo a balada um lugar apropriado para arranjar namorado. Essas afirmações também se conectam em alguma medida com as dos alunos do Colégio Rose Marie Muraro, que

ressaltam a necessidade de se conhecer o outro previamente e a do estabelecimento da intimidade para que ocorra a transição do ficar para o namoro.