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2 NOÇÕES TEÓRICAS SOBRE AMOR,

4.3 NAMORAR SIGNIFICA PERDER A LIBERDADE?

Muitos jovens trataram, nas entrevistas e oficinas, da perda da liberdade que poderia estar implicada no namoro. Eles falaram de algumas desvantagens do namoro, como algo que os impediria de viver plenamente a juventude, que os deixaria presos e sem condições de aproveitar esse tempo da forma devida.

Natália, aluna do Colégio Rose Marie Muraro, diz que não gosta dessas coisas, tipo “ah, eu te amo, ah, tu é o amor da minha vida, ai, não sei o que, vem cá, como tu é lindo”. Ela diz não gostar dessas coisas assim muito melosas, muito coisa de mulherzinha, sabe? A jovem ainda finaliza: tenho nojo, odeio grude, chiclete. Ana Carolina (16 anos), sua colega, também afirma ser contra o namoro grudado. Suas palavras demonstram muito bem uma necessidade de preservação da individualidade:

eu acho que… esse negócio de apego é o contrário do amor e longe do namoro [...]. Eu não sou a favor do namoro grudado, aquilo de “preciso de ti pra viver, nem ti minha vida não se completa”. Sou completamente contra isso, eu acho que a pessoa, num relacionamento legal assim, duradouro, maduro… é cada um seguindo o seu caminho e… em dados momentos os caminhos se cruzam, por isso as pessoas tem vontade de tá junto, por isso que as pessoas querem dividir as coisas… E eu acho que, dividir e juntar as coisas também, eu acho que isso é um relacionamento legal. Não necessariamente precisa ter aquela obrigação “ah, hoje eu preciso ver o Fulano, ah, no dia de semana eu não vi, então fim de semana obrigatoriamente eu terei que ver o Fulano”. Não, tu acorda cada dia e tu percebe se tu tem vontade, se tu gosta do Fulano tu vai ter vontade de ver, sabe?

Os jovens pesquisados por Maia (2009), por exemplo, preferem ter relações afetivas fora do estabelecimento escolar. Para eles, o fato de verem muito frequentemente o(a) parceiro(a) amoroso(a) pode fazer com que eles enjoem mais rapidamente do relacionamento. Esse medo do grude, descrito por Ana Carolina (16 anos), pode ser relacionado aos paradoxos intrínsecos às conjugalidades contemporâneas, descritos por

Aboim (2009, p. 110), que seriam “divididas entre um ideal romântico de fusão afetiva permanente que, mesmo transformado, perdura, e o investimento na individualidade e na satisfação erotizada, mas transitória, da paixão amorosa”. Ainda segundo a autora, essa preservação da autonomia “não se apresenta contra o sentimento amoroso e a proximidade conjugal, mas como condição necessária para uma conjugalidade feliz”. Esses paradoxos das conjugalidades parecem ser aplicáveis às relações de namoro vivenciadas entre os jovens.

Ana Carolina (16 anos) utiliza, ainda, a categoria desapego, o que, segundo ela, significa não usar a pessoa pra completar a tua vida, e sim pra complementar. Para ela, é preciso saber viver tranquilamente sem o outro. No entanto, é o fato de o outro nos fazer felizes que faz com que queiramos estar junto. Tal fato pode ser relacionado às concepções de Bauman (2004) acerca do amor líquido, segundo o qual não seria produtivo fixar-se e adquirir hábitos. Além disso, também é possível pensar, a partir da fala da jovem, no ideal do amor calculável, seguro e otimizado do qual tratam Beck e Beck-Gernsheim (2001). A fixação e a aquisição de hábitos são vinculadas, aqui, à preservação da individualidade, à rejeição da fusão proposta pelo modelo do amor romântico e é isso o que poderia tornar a experiência do amor segura. É preciso saber viver sozinho. Se o outro nos faz feliz, o relacionamento será proveitoso, produtivo, mas nunca devemos nos tornar dependentes dele.

Uma desvantagem muito salientada pelos jovens pesquisados é a dificuldade de sair com os amigos e se divertir, que é sentida por quem está namorando. Nesse sentido é a fala de Diego (17 anos), que afirma que namorou durante um ano e que era complicado, pois ficava durante todo o fim de semana com a namorada, mas também queria sair com os amigos. Ele refere que, nesse período, sua vida de amizade se restringia ao colégio e que seus amigos saiam, faziam festa e ele ficava em casa. Ele inclusive credita à essa falta de liberdade o término do namoro. As alunas da Escola de Educação Básica Berta Lutz comentaram que, quando se tem um namorado, é difícil sair com os amigos e se divertir e que, por esse motivo, na idade em que elas estão o mais indicado é ficar com vários meninos, e não namorar.

Rieth (2001, p. 232) esclarece que, para os jovens de Pelotas, o compromisso “sério” do namoro é algo que vai ao encontro da ideia de juventude como uma fase de descobertas, na qual “as aventuras amorosas/sexuais são valorizadas como constituidoras do processo de formação do sujeito”. No entanto, no caso dos jovens pesquisados pela antropóloga, essa necessidade de sair com os amigos apareceu mais

fortemente para os meninos. Para ela, é no universo masculino que “as relações de amizade concorrem com as de namoro”, pois “o „agitar‟ com os amigos se impõe como forma de desempenho da virilidade” (RIETH, 2001, p. 275). Ana Clara (17 anos), do Colégio Rose Marie Muraro, no entanto, também coloca a concorrência da amizade com o namoro como algo presente no universo feminino. Segundo ela, há inveja e ciúmes entre as meninas: às vezes tu tá namorando e tem amigas que são solteiras e querem te ver solteiras ao lado delas assim, sabe, ir pra festa e tal.

Para alguns meninos do Centro Educacional Municipal Carmen da Silva, é preciso manter os amigos, porque o relacionamento acaba, mas a amizade não. A amizade foi algo bastante mencionado na oficina realizada nessa escola e parecia ser colocada como um escudo para se proteger das desilusões amorosas. Um dos meninos explicou que era preciso manter os amigos, porque, se o namoro terminasse e a pessoa tivesse se afastado dos amigos, não teria mais amigos. Também o namoro pode ser relacionado à amizade. Para Pedro (17 anos), do Colégio Rose Marie Muraro, a namorada é uma pessoa para quem se pode falar tudo (o mesmo se pode fazer com os amigos). Ele ainda definiu o namoro como uma amizade com sexo.

Os relacionamentos amorosos foram tidos como muito mais instáveis do que as relações de amizade. Parece que a instabilidade amorosa ressaltada por Bauman (2004) faz bastante sentido para esses jovens. Os relacionamentos efêmeros, contudo, seriam apenas os amorosos. São eles que são descartáveis e que têm sua continuidade constantemente reavaliada. A amizade, pelo contrário, é tida por esses jovens como algo perene. É como se o ideal de eternidade contido no modelo do amor romântico pudesse ser atualmente aplicado às relações de amizade, já que as amorosas estariam submetidas à instabilidade da modernidade líquida. No entanto, pelo menos para os jovens pesquisados, parece que algo permanece sólido dentro de toda essa liquidez.

Aquilo que foi visualizado pela antropóloga apenas nos meninos de Pelotas parece agora fazer sentido também para as meninas e ser compreendido não como uma afirmação viril, mas como algo que atrapalha as experimentações inerentes à juventude. No Instituto de Educação Patrícia Galvão, quando um dos grupos analisava o testemunho de uma menina que queria namorar, mas não conseguia, um dos meninos disse que ela não deveria se preocupar como o namoro, pois ele prende muito a pessoa. Pelo contrário, ele afirmou que ela deveria aproveitar, ou seja, ficar com vários, conforme afirmado pelas

alunas do Berta Lutz. No mesmo sentido é a fala de Pedro (17 anos), aluno do Colégio Rose Marie Muraro, que acha que, na idade em que está, não se deve namorar, pois este é o momento de aproveitar para fazer tudo o que não poderá fazer depois.

Um dos aspectos que prenderia a pessoa seriam os ciúmes, apontados como uma das desvantagens do namoro. Para Thiago Almeida e outros (2008, p. 85 e 86), “o ciúme implica certo cerceamento do outro, porque o parceiro ciumento, de algum modo, interfere no comportamento do outro e em sua liberdade, tornando-se possessivo e controlador”. Sofia (17 anos), do Colégio Rose Marie Muraro, explica que um dos fatores negativos do namoro é o fato de que sempre tem aquela coisa de ciúmes. Para a jovem, os ciúmes são problemáticos independentemente de quem os sente. Na entrevista, ela descreveu uma cena protagonizada por uma amiga, que ficou com ciúmes porque o namorado foi cortar o cabelo em outra cidade. Disse que quando ela ficou sabendo ela começou a chorar, fez um escândalo, por pensar que na verdade era uma desculpa para a traição. Para Sofia (17 anos), tem coisas assim que são desnecessárias numa relação afetiva.

Além do medo do grude, alguns jovens também expressaram o receio de se desapaixonar, de deixarem de gostar do(a) namorado(a). Natália, que afirma nunca ter namorado ou mesmo ficado sério, relaciona esse fato às experimentações inerentes à juventude: acho que na nossa idade é tudo coisa da nossa cabeça, que nada é de verdade, sabe? Por exemplo, “ah, eu gosto dele, mas aí amanhã eu já tô gostando de outro”. Ela afirma que suas amigas dizem que ela “gosta de muita gente”. Segundo a aluna, o que ocorre é que tipo ai, eu gosto dele… gosto do amigo dele também, sabe? Por esse motivo, ela afirma que não poderia namorar, a não ser que sentisse algo muito forte pela pessoa: eu acho que eu realmente tenho que ter uma coisa muito mais forte, sabe? Pra eu me desprender de tudo, pra poder ficar com ele. Pedro (17 anos) também afirma nunca ter namorado: às vezes eu até tenho vontade de namorar, mas vem e passa (risos).

Em princípio, a fala de Natália parece representar muito bem a noção de amor líquido de Bauman (2004), segundo a qual tanto a ação de se apaixonar quanto a de se desapaixonar ocorrem muito rapidamente. Gostar hoje de um e amanhã de outro também estaria relacionado ao investimento necessário às relações atuais, só devendo ser mantidas aquelas que geram lucros relevantes. Contudo, há um ponto importante, que faz com que a jovem destoe dos preceitos inerentes à descrição do amor contemporâneo efetuada pelo sociólogo

polonês: é possível que ela sinta algo muito forte que a faça se desprender de tudo. Nos seus dizeres constam, portanto, também elementos do amor paixão, entendido por Stendhal (1999) como aquele que gera o prazer sublime, por meio do abandono do interesse próprio.

Neste item, nas falas dos interlocutores, liberdade e juventude parecem andar juntos, assim como em Rieth (2001), para quem a ideia de juventude está vinculada a uma fase de descobertas, no que constrastaria com o compromisso do namoro. Além disso, liberdade e juventude estariam ao lado dos amigos. A relação de amizade é mostrada como algo perene, enquanto que os namoros seriam instáveis. Sendo assim, sair com os amigos e manter as relações de amizade é uma garantia de não estar sozinho quando o namoro acabar. Sair com os amigos também está ligado à diversão, ao aproveitar a vida: para os jovens da pesquisa, aproveitar é geralmente ligado a sair com os amigos, ir a festas e ficar com várias pessoas. Por isso a rejeição das meninas do Colégio Rose Marie Muraro ao grude. O namoro deve servir para complementar, diz Ana Carolina (16 anos). O namoro, sobretudo para os que não namoram, é visto como algo que prende, que atrapalha e que faz desperdiçar a juventude. Nesse sentido, esse receio da perda da liberdade que adviria com o namoro está muito fortemente atrelado à não fixação, que é um requisito essencial da noção de amor líquido (BAUMAN, 2004). Contudo, isso não se dá sem ressalvas. Se, para Aboim (2009), há na contemporaneidade um paradoxo entre o ideal de fusão afetiva e o investimento na individualidade e na satisfação erotizada, é na questão da fidelidade no namoro, analisada a seguir, que isso se faz bastante presente.