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Aproximações: Resistir é (re)existir em Coletividade Compreende-se, a partir do que foi refletido, alguns pontos

fundamentais e aproximativos presentes na formação do MST e na Filosofia Ubuntu que permitem fortalecer – enquanto caminho alternativo – a práxis dos movimentos sociais perante

35 Sobre a obra do autor africano, Kashindi (2017, p.8) explica: “Em seu livro, que já é um clássico sobre Ubuntu, Ramose propõe ubuntu como a base da filosofia africana. Desta forma, elabora diferentes temas demonstrando como ubuntu pode ser aplicado em cada um, oferecendo, assim, uma alternativa teórico-metodológica para a racionalidade ocidental. Sem dúvida, sua proposta continuará tendo amplo alcance em diferentes campos “disciplinares” na África e talvez em ‘nossa América”. Além da “filosofia de ubuntu e ubuntu como filosofia”, os temas que Ramose propõe são os seguintes: “Religião através de ubuntu’, ‘Medicina através de ubuntu’, ‘Direito através de ubuntu’, ‘Política através de ubuntu’, ‘Ecologia através de ubuntu’ e, por último, ‘Globalização e ubuntu’”.

políticas que desumanizam, fragmentam e desconhecem a riqueza epistemológica, ética e política de um “corpus” de cidadãos reunidos coletivamente, em prol da construção de um projeto de sociedade que oportunize caminhos para a concretização de sonhos.

A imagem das fronteiras/margens impõe a divisão de espaços. De um lado o conhecimento científico, (eu)gótico, saber moderno e supremo (na ótica da ciência moderna e do colonizador), tecido por cognição de brancos eurocêntricos; no outro polo, o mundo dos invisíveis, desfavorecidos, o lado dos silenciados, mas de ricas epistemologias. Neste lado de epistemologias negadas, está condenada às margens a diversalidade de saberes outros: os saberes dos Negros, dos Indígenas, dos Quilombolas, dos Povos do Campo, das Feministas, dos Movimentos Sociais, das Culturas Latino-Americanas e Africanas vistas como periféricas, dos Movimentos LGBT’s e tantos outros subalternizados pela compreensão de ciência unicamente positivista. Quando se estuda o MST e a coletividade Ubuntu, abrem-se possibilidades para fincar novas bandeiras de movimentos outros que se movem na educação à coletividade.

Antes de refletir as aproximações, a contribuição de Paulo Freire pode ajudar a pensar a ação coletiva e a concepção de resistência. Paulo Freire, em Pedagogia da Esperança, acredita no projeto de cidadania que seja pautado na denúncia e no anúncio assegurados pela construção coletiva, de todos os “esfarrapados” numa luta contra as dominações, ou seja, faz-se necessária a resistência por meio do fortalecimento do “Nós”. Deste modo, Freire afirma: “Não há utopia verdadeira fora da tensão entre a denúncia de um presente tornando-se cada vez mais tolerável e o anúncio de um futuro a ser criado, construído, política, estética e eticamente, por nós, mulheres e homens” (FREIRE, 1994, p. 91).

Segundo Freire, a atitude de resistência é um dever do cidadão frente aos projetos políticos dominadores, desumanizadores e violadores de direitos. Freire compreende a resistência como uma possibilidade de ver a mudança acontecer. Então, faz-se necessário compreender as “amarras” da realidade opressora, perceber sua dinâmica ideológica e recusar o discurso que tenta ludibriar a população. A atitude deve ser de resistência ativa, na participação, na ação de tensionar o “opressor”, e não cair no comodismo de que a mudança “virá porque está dito que virá” (FREIRE, 2000b, p. 40).

Para o pedagogo, “a acomodação é a expressão da desistência da luta pela mudança. Falta a quem se acomoda, ou quem fraqueja, a capacidade de resistir” (2000b, p.41). A resistência não é apenas uma posição de autodefesa, mas, quando feita pelo bem da sociedade, torna-se uma ação política ofensiva capaz de expressar a força dos oprimidos no sistema social de democracia. Por isso, “(...) não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos” (FREIRE, 2000a, p. 87).

Na perspectiva da luta e resistência em coletividade, Caldart (2012, p. 40), em seu livro Pedagogia do Movimento Sem Terra, reflete o conceito de “sujeito social” como um sujeito coletivo, formado por aqueles que decidem “participar de uma luta que envolve a sobrevivência social e individual, por isso adquirem essa dimensão de radicalidade, acabam se constituindo em uma coletividade que os torna sujeitos capazes de esperanças e propostas”.

Os sem-terra passam a ser sujeitos sociais à medida que se constituem como uma coletividade que traz para si (o que não quer dizer esgotá-la em si) a luta para garantir sua própria existência social como trabalhadores da terra, enfrentando aqueles que, nesta sociedade, estão destruindo a possibilidade dessa existência. Nesse sentido, um sujeito social se constitui (e se fortalece ou enfraquece) em um determinado contexto,

dentro de relações sociais e, no caso do formato de nossas sociedades, dentro da luta de classes (CALDART, 2012, p. 37).

O MST e os povos africanos, em sua vivência da ética Ubuntu, procuram formar-se para reconhecer a importância do outro, da formação humana em coletividade, das relações sociais. Trata-se da construção do “nós”, numa compreensão biocêntrica, totalmente situada na vida. E centra-se na vida para a construção coletiva, não numa postura de passividade, mas de encontros de subjetividades, de sonhos e projetos comuns de luta que nascem das necessidades da vida. E, sobretudo, em ações de revolução.

O trabalho coletivo, na perspectiva da vivência do Ubuntu, leva em consideração que o “resultado individual nunca é realmente obra de uma pessoa, mas sempre conta com a participação direta e indireta de outras pessoas. Portanto, o valor das coisas precisa ser compartilhado para reconhecermos as diversas faces de nossa existência junto com os outros” (NOGUEIRA, 2012, p. 149). No MST também é possível notar os desdobramentos coletivos na dimensão do trabalho, ou seja, as relações sociais vão se constituindo na produção, na plantação, nas atividades de formação, nos momentos de trabalho.

A proposta educativa dos Sem Terra é formar o indivíduo para o coletivo consciente crítico, remetendo a um processo de fazer-se humano na história que está produzindo – e sendo produzido – em um movimento de luta e resistência social, também instituído como parte de um movimento sociocultural mais vasto. Mesmo sem que o MST tenha plena consciência, suas ações e princípios extrapolam suas obrigações corporativas e forjam um coletivo que pensa na proteção que engloba a sociedade. É, pois, indubitável a afirmação de Caldart (2001, p.210) sobre a educação no MST: “a educação somente tem sentido como uma prática

radical de humanização, ou de formação humana em seu sentido mais inteiro e profundo”.

Na perspectiva de radical humanização encontra-se “todo o significado de ubuntu (umuntu ngumuntu ngabantu = a pessoa é

uma pessoa no meio de outras pessoas), (...) a realização do ser humano por estar com o Outro e a humanidade como um valor” (KASHINDI, 2017, p. 19). Vale ressaltar também o que aborda Dirk Louw (2010, p. 7): “o conceito africano de comunidade, em seu mais pleno sentido, inclui toda a humanidade. Todos nós somos família – ninguém está excluído”. É interessante notar que, no MST, a comunidade enquanto sociedade é constituída por militantes que devem cuidar do bem-estar dos outros e se colocar à disposição de qualquer serviço, com espírito solidário (BOGO, 2012, p. 151).

O MST e a Filosofia Ubuntu tornam-se expressões de uma estratégia social de cidadãos éticos, que pensam juntos, que percebem o bem comum, que participam coletivamente de ações, por meio de uma práxis engajada, formadora de humanidades em coletivos sociais que enfrentam regimes antidemocráticos/ autoritários. Por isso, o combate aos fascismos não deve ser feito na passividade, no silêncio ou no comodismo, mas na luta, no posicionamento de quem (re)existe e se reinventa enquanto voz coletiva-ativa-participativa. Nas aproximações entre os dois modelos de vivências que forjam epistemologias, é possível perceber que o olhar solidário para o outro/a, para o mundo (cosmovisão), e as emergências da sociedade, faz pensar numa práxis ética/revolucionária, que visa a salvaguardar os direitos de cada indivíduo, principalmente, o direito a manifestar-se publicamente em atos contra os desmandos neoliberais.