• Nenhum resultado encontrado

3. METODOLOGIA E MÉTODOS

3.3. APRESENTAÇÃO DAS PARTICIPANTES

3.3.2. Aproximando-se das participantes

A seguir, há uma apresentação individual das travestis e transexuais, com base na percepção de algumas de suas características mais fortes. Uma das dificuldades em apresentá-

69 las, garantindo o sigilo de identidade, é o cuidado de falar das mesmas sem que se incorra em estereótipos. Contudo, dar-lhes nomes e destacar seus atributos, de modo descontraído e alegre, também como parte desse cotidiano, é uma forma de mostrar o próprio enfrentamento delas diante do preconceito. Deste modo, seguem pequenos resumos do perfil de cada uma, a fim de mostrar algumas de suas particularidades antes da apreensão coletiva das zonas de sentido no próximo capítulo:

Colegial: travesti, 19 anos, moradora da Asa Norte, faz programa em Taguatinga, cidade onde nasceu. De dia, trabalha em salão de beleza e, às vezes, faz prostituição de rua. Negra, vestida como uma jovem colegial, com minissaia, rodada e de pregas, barriga de fora, manga da blusa recortada e amarrada, sapato alto, cabelos soltos e com pequenas florzinhas de bijuteria, pulseiras, maquiagem, piercing, perfumada e unhas pintadas. Acredita que irá para o inferno por ser homossexual. Sente saudade da igreja, mas já tentou e não deu conta de se ‘enquadrar’, pois o desejo homoafetivo é maior. É uma travesti que se comunica com Deus e vivencia experiências religiosas e espirituais. Isso ocorreu com maior frequência a partir de dons e carismas manifestos quando entrou para a igreja, tirando os brincos, cortando o cabelo e deixando as coisas de meninas.

Patizinha: travesti ou transexual? segundo ela mesma se nomeia e se descreve, seu estilo está entre a travesti ‘patricinha’ (o feminino do ‘mauricinho’, visto como aquele que se veste bem e com roupas de grife e marca), em uma combinação alternativa. Parda, 19 anos de idade, com cabelos longos, unhas pintadas, sandália aberta e de salto, saia rodada e blusa folgada (acompanhando o retorno da moda chamada Trash, dos anos 80), nasceu e reside em Brasília. Trabalha na área de alimentação e tem encontrado na internet uma forma alternativa de se prostituir para aumentar os rendimentos financeiros. Gosta de conforto, por isso não passa frio e evita as pistas de prostituição. Fala muitas gírias, típicas da juventude brasiliense. Não vê problema em frequentar um ‘candomblezinho básico’, como diz, e, de vez em quando, gosta de ‘lavar’ a alma nas igrejas evangélicas. O difícil é quando ela incorpora sua ‘pomba-gira’, no meio da igreja evangélica, estimulando conflitos. Além disto, vai com familiares em festas católicas anuais.

Vera-Outono: transexual negra e católica, que não se importa em ser confundida com travestis, mas salienta que faz parte de uma categoria que luta por respeito e dignidade. Faz o estilo básico, um vestido colado no corpo, uma sandália de salto, pouca maquiagem, unhas pintadas, cabelos escovados, compridos e soltos. Ao contrário da personagem consagrada nas décadas de 80 e 90, a Vera-Verão, acredita que a elegância de uma mulher está na discrição, por isso fala com introjeção da voz. Casada há quatro anos, mora na Asa Norte e seu marido a ajuda com as contas. Participou da criação dos sobrinhos e filhos de terceiros – adultos, hoje, que a amam. Ela não fala do passado e nem de cenas da infância, bem como não revela a idade, mas já deve estar na faixa dos 38 anos. Assumiu sua identidade de gênero recentemente.

Universitária: transexual, moradora de Taguatinga, busca novos horizontes nos bancos universitários, além do salão de beleza. Estudiosa e esclarecida, chegou a apanhar dos pais e ser expulsa de casa devido ao fato de sempre ter se visto como menina. ‘Vestida para matar’, arranca suspiros por onde passa, seja por desejo ou por inveja, com sua minissaia jeans, blusa decotada e peitos volumosos, cabelos loiros e escovados, salto alto, maquiagem e unhas feitas. Ela tem namorado e encontra na religiosidade a força para viver e incluir a diversidade no plano divino.

70

Branca, aos 34 anos, carrega cenas dolorosas da infância, uma vez que não compreendia o que estava acontecendo com seu próprio corpo, mas, diferente dos outros, sempre soube que era uma menina.

Fetiche de Madalena: uma ‘boneca de verdade’. É o inverso da mulher sofredora, consagrada como Amélia, por meio da letra da música “Saudade de Amélia”, de Ataulfo Alves e Mário Lago, 1941. Um ser humano à frente do seu tempo, realizada na vida profissional e sentimental. Branca, casada há mais de dez anos, intercala os cuidados com casa, marido, família, salão de beleza e prostituição. Para ela, o segredo do sucesso está na espiritualidade e na facilidade de comunicação com diálogo aberto, aprendidos no candomblé. Alguns a veem como prostituta, mas, dependendo do cenário, as pessoas a buscam por sua espiritualidade e religiosidade. Travesti, já perdeu as contas de quando começou o processo de transformação, mas sabe que foi desde pequena que assumiu sua identidade de gênero. Também esconde a idade, que é aproximadamente 35 anos. Sua frase predileta: “Viado é sigilo”.

Summer: Uma travesti de sucesso. Depois de passar por vários riscos na prostituição de rua, arrisca uma carreira mais sólida na área de beleza. Negra, com cabelos escovados e com mechas loiras, unhas feitas, brincos de argolas, anéis, minissaia jeans, não revela a idade, que é aproximadamente 35 anos. Queria frequentar alguma igreja, mas o preconceito a impossibilita de, ao menos, entrar em uma. Já foi católica e evangélica, mas hoje encontra paz e conforto espiritual buscando Deus em sua própria casa. Entre namoros e casamentos, procura por um homem que a assuma na sociedade.

Serena: travesti ou transexual? Para esta travesti, alegria e serenidade é o seu lema. Só queria que, de vez em quando, as pessoas a compreendessem. Mas tem de uma família que sempre a apoiou. Acredita que os policiais deveriam aprender a tratar uma dama, pois a maior fonte de preconceito vem deles. Católica, para ela, Deus é tudo, mesmo fora da igreja, lugar que é constrangida. Branca, com seus 29 anos, é ‘toda natural de hormônios’. Nunca fez aplicação de silicone. Veste- se como uma adolescente, quando não está de calça jeans, blusa, sapato de salto e bolsa, está de vestidinho e sandália rasteira. Sempre com cabelos escovados, unhas feitas, anéis, batom e brincos.

Kelly: O sonho de se formar ficou distante depois que foi expulsa de casa. Encontra na prostituição o meio de sobrevivência. Com 22 anos de idade, considera que tudo aconteceu de forma rápida em sua vida. Não se importa com o que as pessoas pensem, pois acredita que leva uma vida normal. Unhas feitas e cabelos escovados, veste-se como uma mulher. Assume que é travesti e que pertence ao sexo masculino. Apresenta-se de forma educada, pontual e objetiva. Católica desde pequena, hoje não frequenta mais a igreja e busca por Deus em sua própria casa. Gil: Trabalha em salão de beleza. Considera-se uma mulher de verdade. Só espera que ninguém descubra um pequeno detalhe que a diferencia das outras mulheres, até que realize a cirurgia de redesignação sexual, pois tem medo da recriminação por ser uma transexual, ‘ainda’ do sexo masculino. Mas quando o assunto é relacionamento amoroso, ela sempre diz que é transexual, pois tem medo de ser agredida, caso o companheiro se sinta enganado. Parda, aos 23 anos, é paquerada por homens e mulheres, mas já desistiu de encontrar um relacionamento sério, pois, depois de alguns encontros, chegou à conclusão que os homens só querem ‘brincar’ com seus sentimentos. Após a curiosidade dos seus parceiros, acaba sozinha. Evangélica, acredita que é possível ser transexual e religiosa, pois tudo é um grande mistério de Deus.

71