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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.4 RELIGIOSIDADE E PROMOÇÃO DE SAÚDE: PESQUISAS SOBRE

Este tópico foi planejado no sentido de resgatar as discussões bibliográficas acerca dos aspectos científicos, religiosos e da diversidade de gênero, com recorte nos movimentos homossexuais, em especial os decorrentes de travestilidade e transexualidade. Ghorayeb (2007), diante da pouca produção científico-acadêmica brasileira, usa bibliografia estrangeira, em sua maioria dos Estados Unidos, Inglaterra e Reino Unido para essas discussões e constatou que os homossexuais possuem maiores tendências à baixa qualidade de vida e à baixa promoção da qualidade de vida quando comparado aos heterossexuais; com maior frequência de automutilação, abalando a autoestima e o autoconceito, potencializando o isolamento social, a autonegligência e o suicídio, decorrentes dos estereótipos formulados nos contextos sócio-culturais, verificados por vários instrumentos de pesquisa como o Revosed

Clinical Interview Schedule e o General Heath Questionnaire – GHQ12, com uma marcante

produção psicanalítica sobre o tema.

Ghorayeb (2007) objetivava a formulação de conhecimento empírico sobre as homossexualidades existentes no meio social e cultural, considerando as dimensões de saúde mental, qualidade de vida, religiosidade e identidade psicossocial, por meio de métodos quali- quantitativos. Para a realização do seu estudo, contou com dois grupos, um composto por homossexuais (grupo de estudo – 60 pessoas) e outro por heterossexuais (grupo controle – 60

49 pessoas). Ambos os grupos possuíam a mesma faixa etária e nível socioeconômico e educacional. Como resultado, constatou-se a prevalência de transtornos mentais e busca por serviços de saúde mental, marcada por automutilações e pior qualidade de vida do grupo pesquisado, que pode, ainda, ser relativizada, e compreendida pelas pressões e hostilidades sociais frente à diversidade sexual, em especial à orientação homoafetiva, e internalização da homofobia social em relação à orientação sexual do/a participante.

Já a religiosidade do grupo de estudo revelou a presença do “individualismo religioso”, fenômeno que participa e compõe a construção da identidade psicossocial, junto com o desenvolvimento do grupo social e as chamadas políticas de identidade, marcando as diferenças de gênero salientadas no grupo de estudo. Segundo o estudo de Ghorayeb (2007), a maioria dos homossexuais possui religião, 47,1% – mulheres e 52,9% – homens; dos que frequentam igreja, 37,5% são mulheres e 66,7% são homens; 96,7% dos colaboradores homossexuais afirmam que seu grupo religioso não sabe da sua orientação homoafetiva. A partir desses resultados, Ghorayeb (2007) observou que a menor frequência às igrejas resulta em menor busca dos serviços de saúde mental, em especial a psicoterapia, por parte do grupo de participantes, salientando os conflitos de ordens existenciais. Os que possuem uma religião apresentam maior vergonha em relação a sua orientação sexual, refletindo na sua identidade psicossocial e religiosa. A identidade psicossocial também é desequilibrada uma vez que 87% dos homossexuais participantes já foram discriminados por conta de suas respectivas orientações sexuais, e apenas 35% do grupo revelam já ter tido orgulho da sua orientação sexual.

As questões mais interessantes do questionário, que tiveram o resultado mencionado no parágrafo anterior, e que contribuem para a presente dissertação, no aspecto da religiosidade foram: “O que é Deus para você? Por que você reza?”, “Você já foi discriminado por sua orientação dentro de seu grupo religioso? Você já sofreu

50 discriminação?”. Entre a bibliografia pesquisada por Ghorayeb (2007), há predominância de homossexuais masculinos que possuem uma religiosidade mais pronunciada, que resulta em potenciais crises na associação de conflitos internos e valores, tendo como referência as pesquisas de Wilcox (2002; 2003), em que um Deus Criador criara também a diversidade, no caso as LGBT (apud Ghorayeb, 2007). Sobre a identidade psicossocial: “Você se sente uma pessoa melhor ou pior de acordo com sua orientação?”

Os resultados de Ghorayeb (2007) possibilitam pensar nos dados constatados por Peres (2002) sobre o sentimento da dor física e subjetiva de travestis no Rio de Janeiro, decorrentes da estigmatização e exclusão social, que retroalimentam as lutas pelos direitos humanos do grupo, assim como em projetos de intervenção do Ministério da Saúde, como propõe o ensaio de Costa e Lionço (2007), referentes à avaliação e à atuação dos Comitês de Promoção de Equidade, por meio da promoção da saúde deste público. Neste sentido, há um movimento de visibilidade acerca dos cuidados com a mulher, mas os cuidados com as homossexualidades ainda estão relacionados à epidemia decorrente da contaminação pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e seus reflexos. Contudo, muito ainda há em se alcançar, a começar pelo Plano Plurianual (PPA) que acaba por restringir os bens e os benefícios públicos. Também já estão instituídos os Comitês Técnicos de Saúde da População Negra – Portaria N.º 1.678/GM - 2004, incluindo os remanescentes de quilombos e de religiões de matrizes africanas; o da População de gays, lésbicas, transgêneros e bissexuais (GLBT) – Portaria N.º 2.227/GM - 2004; e o do Grupo da Terra – Portaria N.º 2.446/GM – 2005, configurada por trabalhadores do campo e pessoas que não possuem terra, de forma geral (Costa e Lionço, 2007).

Costa e Lionço (2007) tiveram o objetivo de analisar o potencial dos Comitês de Promoção de Equidade adotados pelo Ministério da Saúde desde 2003, pela promoção de serviços que atendam a necessidades específicas de grupos/coletividades ou pessoas com

51 poder de intervenção e autonomia em relação aos seus desejos e necessidades, entre as atividades que visam à consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Esta configuração auxilia o diálogo entre transversalidade e inter e intrasetorialidade do SUS, entre Sociedade Civil (representada nos/pelos Comitês), Governo e diversos órgãos governamentais (em uma visão multisetorial). Com contribuições de produções acadêmicas, que desmistificam e apresentam temas e questões sociais muitas vezes não averiguadas, no enfrentamento das doenças, desigualdades e iniquidades presentes na sociedade brasileira por causa da dicotomia entre Estado e Sociedade Civil, marcada pela presença de condições de vulnerabilidade, exclusão e injustiça social de bens e serviços públicos, busca-se estratégias de enfrentamento pela promoção da saúde, equidade e inclusão social, para além de situações que se relacionam apenas a uma condição socioeconômica, alcançando os fatores relacionados à compreensão e ao acolhimento das subjetividades e intersubjetividades; considerando as particularidades culturais, de territorialidades, raça, etnia, gênero, orientação sexual e identidade de gênero.

Em relação às atividades de inclusão das travestis nos programas de saúde pública, Romano (2008) relata a experiência de inclusão das travestis no Programa Saúde da Lapa, no Rio de Janeiro, com a integração de equipes multidisciplinares em parceria com laboratório- escola. Aponta a importância do trabalho de prevenção e redução de danos com aproximadamente 30 travestis, apontando caminhos de intervenção, como o diálogo e medidas alternativas, pela prevenção e promoção da saúde.

O trabalho de Romano (2008) é uma iniciativa interessante por envolver o trabalho com profissionais da rede de saúde pública com a colaboração de projetos de extensão, principalmente quando se observa que esta parceria ocorria com maior frequência com ONGs, como no caso da pesquisa etnográfica em uma ONG na Bahia, a partir da prática profissional de travestis que se prostituem, realizada por Santos (2008) que constatou os poucos cuidados para com a saúde do corpo pelos/as participantes.

52 Sobre homofobia e religiosidade, a entrevista publicada no dia 05 de novembro de 2008, ao Centro Latino-Americano de Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM), revela a pesquisa coordenada pela socióloga Maria das Dores Campos Machado, intitulada Homofobia e Violência: um estudo sobre os discursos e as ações das tradições religiosas brasileiras em relação aos GLBT, entre o período de outubro de 2007 e outubro de 2008, financiada pelo Ministério da Saúde, com o objetivo de apreender as percepções das lideranças da religião católica, evangélica, espírita, afro-brasileira e judaica e as carreiras sexuais de fiéis LGBT, com a finalidade de fornecer subsídios para ações preventivas à homofobia e à violência a segmentos expressos entre as LGBT. Segundo a coordenadora do projeto, com algumas restrições, a Igreja Católica, entre as religiões apresentadas, é a que possui um discurso que se aproxima de uma prática inclusiva, sem homofobia, em relação ao segmento que aceita e acolhe as homossexualidades, sem considerar o fenômeno como patológico ou resultado de forças e fatores espirituais e religiosos “demoníacos” que ocasionariam uma sexualidade desviante, focalizando a igualdade de direitos. Entretanto todas abordam a noção de uma relação monogâmica, ainda que entre homossexuais. Esta noção fica explícita nos Dicionários de Teologia Moral, escritos, em sua maioria, por católicos, como exposto no tópico anterior.

Assim, a partir do conceito de religião e religiosidade apresentado por Leal (2005), no sentido de que permeia a vida em sociedade, não seria diferente com as travestis e as transexuais participantes desta pesquisa. Contudo, em sua maioria, a expressão das religiões se manifesta de forma excludente e preconceituosa da condição existencial de um/a travesti e transexual. Se um dos papéis da religião em sociedade é religar as pessoas umas as outras, a si mesmo a ao transcendente, por quais razões discriminatórias estariam sendo as travestis e transexuais “desligadas” da vida em sociedade, em sua própria compreensão? Assim, religião e religiosidade manifestam-se como um empecilho para o exercício da fé em conciliação com o desenvolvimento das sexualidades consideradas homo-orientadas, atravessando os direitos

53 humanos das mesmas, incluindo o direito a saúde, trabalho, educação, família, lazer e convívio social, privando-as de uma vida enquanto legítimas cidadãs de direitos e deveres, a partir de justificativas de cunho religioso, legitimando a marginalização. Percebe-se o quanto a religiosidade atravessa o cotidiano de travestis e transexuais a partir do olhar e da observação dos pesquisadores e teóricos apontados. Mas, como seria a perspectiva e a prática religiosa de travestis e transexuais do DF em seu cotidiano e por seus prismas? Essa pergunta será melhor elaboradana próxima seção.

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