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Argumentos relativos à efetividade do TAC e à atuação do Ministério Público

PARTE III – O caso levado ao Judiciário

5. Os argumentos do Tribunal

5.1 Argumentos relativos à efetividade do TAC e à atuação do Ministério Público

O fato de o MPF ter participado da elaboração do TAC foi trazido à tona como algo que daria legitimidade ao acordo, pois tal instituição possui prestígio em sua atuação na defesa do meio ambiente. A mesma idéia foi proposta pelo Procurador da República em Lages, SC, senhor Nazareno Wolff, segundo o qual o MPF acompanha e monitora o caso de Barra Grande a fim de preservar todos os interesses públicos e coletivos envolvidos368.

O Ministério Público é uma instituição que, como titular da ACP e legitimada a realizar o TAC, atua diretamente na preservação da biodiversidade do país. Entretanto, no caso em tela, sua atuação teve como fim tão-somente viabilizar a implementação de Barra Grande. Os riscos relativos ao empreendimento não podem ser indenizados ou compensados com as medidas previstas no termo de compromisso, porque se trata do risco de extinção de um riquíssimo ecossistema.

O mecanismo de prevenção autorizado pelo MPF, consistente na formação de um banco de germoplasma, foi exaustivamente contestado pelas ONGs, inclusive com a elaboração de estudos realizados pelas Universidades Federais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Desse modo, a atuação do MPF, ao endossar um documento que prevê a troca de 5.636 hectares de Mata Atlântica com araucárias por um banco de germoplasma, é uma aposta no risco de extinção de diversas espécies. Em outras palavras, é uma aposta irresponsável na eficácia da ciência para transformar, algum dia em algum lugar, o DNA de 13 espécies em uma floresta com

uma diversidade biológica tão alta quanto a que foi destruída.

Do ponto de vista jurídico, a fraude constante no EIA-RIMA não foi sequer negada. Ao contrário, as partes no acordo realizado para dar continuidade à obra afirmaram que, considerando a fraude, era preciso estabelecer medidas que corrigissem tal ilegalidade. Não obstante, como visto na segunda parte do estudo de caso, todas essas medidas já estavam previstas, de certa forma, como condicionantes das licenças ou como programas do PBA.

A fraude do EIA-RIMA demonstra claramente a “industrialização da ciência”369: como a empresa responsável pela elaboração do estudo tinha interesse direto na

aprovação do projeto, pois seria remunerada por ele, sua equipe técnica omitiu e alterou dados essenciais para a tomada de decisão. Esse fato prejudicou todo o processo de licenciamento ambiental. Nas audiências públicas, por exemplo, se tais dados tivessem sido discutidos, a decisão do IBAMA quanto à emissão da LP poderia ter sido diferente. Isso não quer dizer que a autarquia não tivesse conhecimento da fraude desde o início do processo, mas se logo no início o desmatamento de 5.636 hectares de floresta fosse discutido abertamente, associações ambientalistas poderiam ter se manifestado; ações judiciais poderiam ter sido ajuizadas para impedir a emissão da LP (Vladimir Passos de Freitas alegou que “o caso chegou muito tarde ao Judiciário”, se referindo à atuação das ONGs, que ajuizaram as ações quando a usina estava quase pronta) e, talvez, o IBAMA tivesse discutido a possibilidade de construir a hidrelétrica em outro local.

A alteração do EIA-RIMA teve como objetivo impedir o conhecimento, por parte da sociedade civil, dos riscos relativos ao projeto. Como visto no primeiro capítulo, quando um risco é reconhecido como tal, a opinião pública exige um processo de gestão transparente e a democratização das decisões relativas ao caso. A opinião pública, entretanto, pode ir de encontro a interesses econômicos e políticos. Por isso, apesar de existirem mecanismos de participação, a sociedade acaba alijada de seu direito de tomar parte da decisão. Foi exatamente o que aconteceu com Barra Grande. Apesar de todo o processo de licenciamento e da realização das audiências públicas, as informações foram fraudadas, impedindo, assim, uma verdadeira discussão sobre os riscos ambientais da obra.

As mobilizações causadas pelo questionamento da sociedade sobre a legitimidade das instituições estatais responsáveis pelo controle de atividades potencialmente

danosas para o meio ambiente – como o IBAMA e o MPF – são denominadas por Beck de explosividade social do risco370. Nesse contexto, a fim de evitar uma explosão social, a informação acerca do risco pode ser manipulada ou ocultada. No caso em tela, isso aconteceu duas vezes: com a manipulação das informações constantes no EIA-RIMA e, posteriormente, com a afirmação do IBAMA e do MPF, avalizada pelo Judiciário, de que todo o possível foi feito para preservar os interesses coletivos em jogo, de modo que as medidas previstas no TAC impediriam a extinção das espécies. Essa afirmação tem o escopo de tranqüilizar a sociedade e impedir que ela demande de tais instituições atitudes condizentes com seus deveres, ou seja, atitudes que protejam o direito constitucional de todo cidadão a um meio ambiente adequado, e não os interesses financeiros de um consórcio de empresas!

O MPF, se realmente estivesse agido com o escopo de preservar os interesses públicos e coletivos envolvidos, não teria permitido que o IBAMA, a BAESA e a União Federal fossem premiados com um TAC por suas atuações desonestas no caso. À época da assinatura do termo, a floresta ainda estava preservada. A única atitude do MPF que condizia com seu papel de instituição responsável pela conservação dos recursos naturais do país era se juntar às ONGs e recorrer ao Judiciário para paralisar a obra.