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CAPÍTULO II – O LICENCIAMENTO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE

2. Considerações críticas sobre o conceito de gestão

2.1. O que é gestão de riscos?

Não existe um consenso entre os especialistas sobre o que é exatamente a gestão ou o gerenciamento de risco. Enquanto para os pesquisadores das ciências sociais a gestão “abrange todas as atividades técnicas e legais, escolhas e decisões, individuais e sociais, ligadas

116 MALDONADO, Manuel Arias. Democracia y sociedad del riesgo. Deliberación, complejidad, incertidumbre.

Revista de Estudios Políticos. Madrid, n. 122, oct./die. 2003, p. 238.

direta ou indiretamente aos riscos”, para muitos especialistas de áreas técnicas, ela só começa após a avaliação objetiva de riscos – com estimativas a partir de cálculos estatísticos e metodologias quantitativas118.

Nesse último sentido, a gestão tem início com o julgamento sobre a aceitabilidade dos níveis de riscos já calculados. Assim, Serpa, que possui formação em química, conceitua análise, avaliação e gerenciamento de riscos como três processos distintos. Para ele:

A análise é uma atividade estimativa, qualitativa ou quantitativa do risco, baseada na engenharia de avaliação e em técnicas estruturadas para promover a combinação das freqüências e conseqüências de um acidente. Por outro lado, a avaliação de riscos diz respeito ao processo que utiliza os resultados da análise destes para a tomada de decisão quanto ao gerenciamento dos mesmos, por meio da comparação desses resultados com critérios previamente estabelecidos. E, por fim, gerenciamento de riscos está associado à formulação e implantação de medidas e procedimentos, técnicos e administrativos, que têm por finalidade prevenir, controlar ou reduzir os riscos existentes numa instalação industrial, tendo também por objetivo manter essa instalação operando dentro de requisitos de segurança considerados toleráveis119.

A preocupação dos especialistas de áreas técnicas em separar a avaliação dos riscos de sua gestão tem como finalidade delimitar aquilo que é técnico (e, por isso, “inquestionável”) do que é político e social. Essa distinção, entretanto, não é possível, pois o próprio conhecimento científico é guiado por valores sociais e políticos, de modo que as considerações (políticas e ideológicas) sobre o que é um risco aceitável têm início com as primeiras tentativas de estimá-lo tecnicamente.

Em outro sentido, gestão de riscos ambientais é a administração das contradições inerentes à combinação dos usos aos quais o ambiente é submetido. Assim, as sociedades humanas fazem uso do ambiente – seja pela extração ou exploração dos recursos naturais, seja pela emissão de poluição e produção de lixo (que são depositados na natureza) – e o gerenciam a fim de assegurar o fluxo de recursos naturais necessários ao crescimento econômico sem, contudo, prejudicar a manutenção de tal crescimento120. Desse entendimento do significado de “gestão” decorrem políticas ambientais que não combatem as causas da degradação ambiental, satisfazendo-se em apenas mitigá-las com ações paliativas. A definição dos padrões de consumo e o modelo de desenvolvimento adotado, assim como os propósitos humanos em relação ao meio

118 NARDOCCI, 2002, p. 66.

119 SERPA, Ricardo Rodrigues. Gerenciamento de riscos ambientais. Desenvolvimento e meio ambiente, Curitiba,

n. 5, 2002, p. 115.

120 REDCLIFT, Michael. Reavaliando o consumo: uma crítica às premissas da gestão ambiental. In: HERCULANO,

Selene C.; PORTO, Marcelo Firpo de Souza; FREITAS, Carlos Machado de (Org.). Qualidade de vida e riscos

ambiente, não são questionados. Em tal contexto, a produção econômica a qualquer custo tende a ter prioridade sobre a preservação ambiental.

Portanto, nessa perspectiva, a “gestão” diz respeito ao fato do mercado ter incorporado os problemas ambientais como “externalidades” do processo produtivo, e os gerenciado com medidas de mitigação dos danos ou compensações “ecológicas”, tudo sob a fiscalização do Estado.

Segundo Zhouri, Laschefski e Pereira121, o potencial transformador apresentado pela crítica de natureza ecológica ao desenvolvimento industrial cedeu lugar a um “ambientalismo de resultados”, vale dizer, um ambientalismo inserido na perspectiva economicista hegemônica, segundo a qual a natureza é considerada apenas uma variável passível de ser “manejada, administrada e gerida, de modo a não impedir o desenvolvimento”. O “ambientalismo de resultados” aposta na tecnologia para gerir as questões ambientais - especialmente em estudos técnicos e programas de controle e mitigação do dano. Com isso, ele impede a emergência de um novo paradigma que transforme os padrões de produção e de consumo da sociedade e busque uma sustentabilidade real.

Para os objetivos deste trabalho, propõe-se que a gestão ou o gerenciamento de risco seja entendido como um processo de avaliação técnica feita com o objetivo de estimar os riscos ou impactos de determinada ação ou empreendimento, somado a um conjunto de regras e procedimentos mediante os quais os dados técnicos podem ser analisados, debatidos e confrontados com as decisões e escolhas de grupos potencialmente atingidos pela decisão a ser tomada. A gestão é vista, assim, como um complexo processo de tomada de decisão no qual a opinião técnica não possui primazia sobre os argumentos dos leigos, eis que carrega dúvidas e incertezas que não podem ser desconsideradas. Ela engloba, também, o acompanhamento dos resultados da decisão, ou seja, se a decisão é favorável à implementação da ação ou atividade de risco, a gestão abrange a fiscalização, por parte do Poder Público e da sociedade civil, das condições de funcionamento da atividade; o monitoramento dos efeitos que ela venha a produzir; a aplicação de mecanismos de responsabilização no caso de dano ambiental etc.

Ademais, no processo de gestão, o fato de alguns danos não serem passíveis de compensação e/ou mitigação devem ser realmente considerados como fatores determinantes para

121 ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens; PEREIRA, Doralice B. Desenvolvimento, Sustentabilidade e

Conflitos Socioambientais. In: _______ (Org.). A insustentável leveza da política ambiental: desenvolvimentos e conflitos socioambientais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 14-17.

uma decisão negativa no que diz respeito à concessão de licenças ambientais.