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Impactos e riscos decorrentes da construção de grandes barragens

CAPÍTULO III – ESTUDO DE CASO: O LICENCIAMENTO DA USINA

2. Impactos e riscos decorrentes da construção de grandes barragens

O barramento de um rio e a conseqüente formação de um lago é algo inédito em cada local. A represa se sobrepõe ao ecossistema fluvial anterior, de forma que os ecossistemas existentes são, inteiramente ou em parte, destruídos, e outros são criados na represa e na nova geografia por ela definida207. Por essa razão, a construção de grandes hidrelétricas acarreta diversos efeitos, alguns deles já conhecidos e estudados.

Alguns efeitos negativos de tais obras podem ser visualizados imediatamente, no início da implementação do projeto, como o desmatamento realizado para a construção do canteiro de obras e da barragem. Trata-se dos efeitos negativos imediatos ou impactos imediatos, que se confundem com os danos concretos decorrentes da construção da obra.

Outros efeitos são sentidos após o enchimento do reservatório, de forma paulatina. São os efeitos mediatos, que geram riscos, dos quais podem ou não decorrer danos ambientais (é importante ressaltar que alguns impactos mediatos podem ser controlados de modo a evitar a concretização do dano). Quando conhecidos – como os riscos de diminuição da qualidade da água em decorrência do apodrecimento da vegetação submersa – geralmente eles podem ser monitorados e controlados pelos operadores da hidrelétrica. Isso faz com que alguns riscos de dano ambiental decorram da negligência dos operadores da usina, ou de falhas técnicas na sua operação. Outros, entretanto, fogem ao controle humano, como o risco de abalos sísmicos induzidos pela construção da barragem.

São exemplos de impactos imediatos: o deslocamento da população atingida; a destruição da fauna e da flora decorrente do enchimento do reservatório; e a submersão de vastas áreas de terras, geralmente agricultáveis. As usinas hidrelétricas construídas no Brasil, até o ano 2001, deslocaram cerca de 200 mil famílias de suas propriedades e inundaram 34.000 Km2 de

terras para a formação dos reservatórios208.

207 SEVÁ, Oswaldo. Conhecimento crítico das mega-hidrelétricas: para avaliar de outro modo alterações naturais,

transformações sociais e a destruição dos monumentos fluviais. In: SEVÁ, Oswaldo Filho (Org.). Tenotã – Mõ: alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu. São Paulo: International Rivers Network, 2005, p. 292.

Quanto aos impactos mediatos, são eles209:

a) Os animais e as plantas removidas da área têm pouca chance de sobreviver, a não ser que sejam colocados em ambientes semelhantes àqueles nos quais viviam;

b) As terras a jusante da barragem perdem em fertilidade, pois os nutrientes que corriam ao longo do rio ficam armazenados no reservatório;

c) O excesso de nutrientes e de amônia dissolvidos na água, provenientes dos esgotos, da agricultura e da decomposição do material orgânico submerso aumenta a acidez da água (processo conhecido como eutrofização). Isso leva à proliferação de determinadas espécies de algas e plânctons que provocam intoxicação nos peixes e nos humanos;

Vale ressaltar que existe no ordenamento jurídico brasileiro uma lei federal210 obrigando a erradicação da vegetação de porte arbóreo do leito de lagos artificiais, já que, como visto acima, a decomposição de matéria orgânica em represas provoca a alteração das condições da água. Contudo, Robertson Fonseca de Azevedo aponta para o descumprimento sistemático da regra na maioria das barragens situadas no território nacional211.

d) O rio perde força a jusante. O volume de água que chegava ao mar diminui e, com isso, o mar avança em sua foz, causando erosão em suas margens e alterando a quantidade de sais da água;

e) A quantidade de peixes diminui, pois a barragem interfere na migração dos cardumes e na piracema, podendo levar algumas espécies à extinção;

f) A perda de água decorrente da evaporação é alta nos reservatórios;

g) A decomposição da vegetação submersa pelo enchimento do reservatório libera gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento global;

h) Está comprovado que barragens podem induzir abalos sísmicos, mesmo em regiões onde esses fenômenos não são comuns. No Brasil, por exemplo, abalos sísmicos foram sentidos no entorno das obras de Carmo do Cajuru, no rio Pará, em Minas Gerais; de Paraibuna,

209 As informações foram retiradas de: SEVÁ, 2005, p. 281-292; COMISSÃO MUNDIAL DE BARRAGENS.

Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões. In: SEVÁ, Oswaldo Filho (Org.). Tenotã –

Mõ: alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu. São Paulo: International Rivers Network,

2005, p. 301-313; GOLDSMITH, Edward; HILDYARD, Nicholas. The social & environmental effects of large

dams. San Francisco: Sierra Club Books, 1984, p. 51-176. Cf. também: NOGUEIRA, 2005, p. 107-118; CAUBET,

2003.

210 BRASIL. Lei no 3.824, de 23 de novembro de 1960. Torna obrigatória a destoca e conseqüente limpeza das

bacias hidráulicas dos açudes, represas ou lagos artificiais. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 13 jan. 2006.

na Serra do Mar, em São Paulo; e de Capivara, no rio Paranapanema, que divide os Estados de São Paulo e Paraná212;

i) Há risco de desmoronamento de diques em razão da infiltração da água e de rompimento de barragens por falta de manutenção. Nesse sentido, o Ministério da Integração anunciou recentemente que há pelo menos 20 barragens no país que podem romper a qualquer momento por falta de manutenção213;

j) Há risco de o rio secar ou ocorrer uma enxurrada violenta a jusante em razão da operação da barragem, que controla o volume de água a ser liberado do reservatório. Nas palavras de Sevá, represas são:

(...) sistemas hídricos sujeitos a algum grau de controle, por parte dos homens da empresa operadora e de seus mecanismos técnicos poderosos. Controlam em parte as vazões d’água e o acúmulo ou diminuição de volume de água no reservatório; controlam em parte a dinâmica do rio abaixo da barragem e da usina; para isso, entretanto, seguem critérios comerciais e de risco operacional, que freqüentemente agravarão os desequilíbrios ambientais214.

k) Aumento da sedimentação no reservatório em decorrência do acúmulo de esgotos e efluentes industriais não-tratados;

l) Proliferação de insetos dos tipos de águas paradas, que transmitem doenças como, por exemplo, a malária.

212 SEVÁ, 2005, p. 291.

213 Ver: BORTOLOTI, 2005. Cf. também: VALÊNCIO, Norma Felicidade Lopes da Silva. Dimensões psicossociais

e político-institucionais do desastre de Camará (PB): limitações da resposta da Defesa Civil frente ao rompimento de barragens. In: I Encontro Ciências Sociais e Barragens. Fórum de ciência e cultura. Anais. Rio de janeiro, 2005. CD- ROM.

FIGURA 1 – Principais impactos das grandes barragens215