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UMA COMPARAÇÃO ENTRE A EXPERIÊNCIA ITALIANA E PORTUGUESA Introdução

II. TURISMO, TERRITÓRIO E CULTURA

II.2 A relação entre turismo e cultura

II.2.4 As atuais políticas de restauro urbano nos centros históricos

O forte desenvolvimento tecnológico e o consequente crescimento da economia pós- industrial, nas áreas urbanas dos países mais avançados do mundo, influenciaram significativamente a qualidade e a quantidade das funções compreendidas nas cidades, as quais se tornaram, principalmente, centros de serviços e de consumo, em vez dos antigos centros de produção do passado.

Tal provocou, a partir das últimas décadas do séc. XX, a transformação de algumas partes do espaço urbano, como as áreas urbanas obsoletas ou abandonadas, de maneira a acolher as novas funções típicas de uma economia de tipo pós-industrial, bem como aquelas ligadas à esfera cultural, ou do tempo livre.

Estes espaços urbanos, designados de Brown areas, podem, também, incluir os centros históricos das cidades que, até há algumas décadas atrás, eram considerados como áreas degradadas e abandonadas.

Como realçam Ashowort e Tumbrige (2000), existem, essencialmente, duas linhas de ação, que podem ser adotadas no que diz respeito ao património histórico: a aceitação passiva da progressiva destruição do artefacto (uma espécie de eutanásia), ou então a sua prevenção. Esta última constitui, obviamente, a atitude mais apropriada.

É, portanto, possível adotar diferentes ações que olham à conservação do património construído, e estas são (Thimoty, Boyd, 2007):

 Proteção: refere-se a uma situação na qual o artefacto foi deixado no estado em que se encontra. É aplicada uma grande quantidade de dinheiro e trabalho, para manter as condições atuais.

 Restauro: refere-se a todas as ações que têm como objetivo levar o bem para a condição precedente.

97 Fundada em Lamego a 22 de Julho de 1988, tem, entre os objetivos estatutários, a valorização dos

tecidos urbanos. Entre as várias atividades da associação, existem: desde 1987 a organização de um convénio nacional (mais ou menos com frequência anual), a publicação de uma revista Centros Históricos, e por fim, a promoção do Prémio Herculano, atribuído a corretas práticas de recuperação e restauro urbano (www.apmch.pt, último acesso 7.05.2015).

98 A data de 28 de março é a do nascimento de Alexandre Herculano (1810-1877) que, como referido, foi a

figura de grande destaque cultural que mais vezes denunciou, nas suas obras, o abandono do rico património cultural nacional.

144 O restauro pode incluir duas atividades: reconstruir a partir de partes dispersas de um edifício ou de um lugar, ou então demolir aquelas partes agregadas ou as alterações que se construíram ao longo do tempo.

Existem várias diretrizes para estas ações, a partir da Carta de Atenas, de 193999. As maciças intervenções de restauro podem, também, tornar-se

parte da reconstrução, ou seja, o artefacto pode assumir uma forma ou um aspeto completamente diverso daquele do passado100.

Existem numerosas teorias sobre o modo de intervir, para as quais se aconselha uma bibliografia especializada.

 Restruturação: são todas aquelas ações que dizem respeito à adaptação de um lugar a novas funções, com o intuído de manter, substancialmente, o seu caráter histórico.

O comportamento mais apropriado consiste em estabelecer usos compatíveis com as velhas estruturas das construções.

 Restauro urbano: são todas as ações diretas à recuperação dos antigos espaços urbanos, destinando-os a novas funções, principalmente ligadas ao turismo ou às atividades culturais.

A partir dos anos setenta, a cidade norte-americana de Boston e, de seguida, a de Baltimor, através da fórmula da parceria público-privada, reconverteram as áreas portuárias e centrais, até então obsoletas, em áreas de bar, restaurantes, hotéis e, em parte, em áreas residenciais (Hall, 2008).

Do mesmo modo, também na Europa, através da experiência inglesa, com a criação da agência governativa Urban Development Corporations (UDC), foram executadas obras urbanas de melhoramento, empregues em ações de infraestruturas do território (como por exemplo, o melhoramento dos transportes públicos) e em ações de incentivo económico ou prémios fiscais para as iniciativas privadas.

Ainda assim, tais medidas foram duramente criticadas; por exemplo, Hall (2008) sublinhou como tais iniciativas, fundamentadas principalmente sobre a especulação imobiliária, tinham, pelo menos, dois pontos controversos.

99 A Carta de Atenas foi publicada em 1938, por iniciativa do arquiteto Le Corbusier, é um documento

programático fundamentado sobre 93 pontos e é um manifesto programático para a nova cidade contemporânea. Em particular, os pontos 65-70 têm a ver com a gestão do património histórico (Cf. Di Biagi (1998) La Carta di Atene. Manifesto e frammento dell’Urbanistica moderna. Officina, Roma).

100 O entendido Restauro estilístico. De facto, Eugéne Viollet-le-Duc (1814-1879), principal teórico desta

teoria, escreve: «Restaurar um edifício não significa conservá-lo, repará-lo ou refazê-lo, mas é restabelecê- lo num estado de completude que pode nunca ter existido num dado tempo» (Viollet-le-Duc E. (1982) L’architettura ragionata. Estratti dal dizionario Jaca Book, Milão, p. 226-227).

145 O primeiro compara a grande quantidade de dinheiro público com o capital privado investido e a segunda, por sua vez, analisa os conflitos e as tensões emergentes nas comunidades locais, excluídas de todo o processo de decisão. Este modelo foi replicado na maior parte das cidades europeias e do norte da América, segundo um modelo de gestão urbana, que Ferrão (2003) sintetiza desta forma:

 planos estratégicos apropriados desempenham um papel fundamental;

 projetos estratégicos que investem em áreas urbanas circunscritas e que utilizam os edifícios históricos, também pelo seu aspeto simbólico;

 uma estrutura de financiamento e gestão similar às Development Corporations;  crescente interesse, dentro das políticas de gestão urbana, pelos problemas de

ordem ambiental, social e cultural;

 desenvolvimento de ações orientadas para o marketing urbano.

Tais estratégias têm, também, encorajado o uso abusivo do património histórico para fins turísticos, comportando as seguintes vantagens:

 restauro dos edifícios históricos;

 revitalização dos edifícios históricos por meio de novas funções;

 diminuição do número de edifícios abandonados e melhoramento do ambiente urbano, com consequente melhoria da segurança e, em geral, da qualidade de vida dos residentes;

 aumento da renda fundiária e do valor dos imóveis.

Não obstante estas vantagens, as políticas de recuperação dos centros históricos nem sempre foram fáceis ou livres de problemáticas.

Orbaşali (2000) impulsionou as políticas de restauro urbano, distinguindo as seguintes dificuldades:

 divergência entre políticas de desenvolvimento e políticas dirigidas unicamente ao restauro conservativo;

 procura de um equilíbrio entre as exigências dos turistas e as dos residentes;  manutenção de um alto nível de qualidade de vida para os residentes;

 no planeamento urbano, o centro histórico é visto, frequentemente, como uma parte separada do resto da cidade;

146  as pressões e as transformações induzidas pela crescente pressão turística são,

muitas vezes, excluídas na fase de planeamento urbano;

 dificuldade em medir o sucesso das políticas de restauro urbano.

Deste elenco, emergem cinco diferentes problemáticas. A primeira refere-se ao conflito entre exigências opostas, relacionadas com as escolhas de atuação das políticas de regeneração urbana.

Nos países em vias de desenvolvimento, existem maiores incentivos à modernização, em vez da conservação de formas urbanas e de estruturas arquitetónicas tradicionais, algo que é completamente oposto nos países avançados, onde a orientação para a conservação do património é muito mais presente (Timothy, Boyd, 2007).

Outro problema é o de encontrar um equilíbrio entre as necessidades de uma vida regular quotidiana dos residentes e, ao mesmo tempo, satisfazer as exigências dos turistas que, progressivamente, aumentam de número, gerando conflitos entre as duas populações (Van der Borg, Costa, Gotti, 1996).

O terceiro aspeto diz respeito, principalmente, à atividade de planeamento urbano. As áreas históricas não constituem uma parte separada do restante tecido urbano circunstante e da paisagem, tal como recomendam as mais recentes Cartas Internacionais de Restauro101.

Trata-se, assim, de uma nova abordagem científica ao problema, que não pode ser reduzida a uma simples ação de reprojetação, mas consiste numa verdadeira e própria

ação curativa da cidade, que prevê a utilização de técnicas avançadas de restauro do

edificado.

Têm que incluir também apropriadas políticas de revitalização económica e social, introduzindo, na área, serviços adicionais, com o intuito de tornar o lugar mais atrativo para os residentes e para os turistas: «num curto espaço de tempo, a revitalização material pode levar a um setor público atrativo e bem conservado, que projeta uma imagem positiva e encoraja confiança no lugar.

101 Em particular: artº 10 da Convenção de Granada, 1985 (Convenção para a salvaguarda do património

arquitetónico na Europa), artº 5 da Declaração de Washington, 1987 (Carta internacional para a salvaguarda das cidades históricas) e, por fim, artº 8 e 9 (no tema da paisagem urbana) da Carta de Cracóvia, 2000 (princípios para a conservação do património construído).

147 A longo prazo, é necessária uma revitalização económica, já que, em última análise, é o uso produtivo do setor privado que paga para a manutenção daquele espaço público» (Heath, Oc, Tiesdell 1996, p. 209).

Habitualmente, no campo do planeamento e gestão urbana, aborda-se o turismo apenas em termos de tráfego e de novos parques de estacionamento, enquanto - como demostra a situação particular de algumas cidades europeias, invadidas por fluxos de pessoas, geralmente constantes ao longo de todo o ano, como Bruges, Salzburgo ou Veneza - as pressões exercidas, pelo turismo, no ambiente urbano, devem ter uma especial atenção. A última problemática analisa o método de medição dos sucessos da renovação do centro urbano. Esta é uma temática de grande complexidade; na verdade, o processo de condução a uma nova utilização das áreas não é possível ser expresso através de um valor calculado empiricamente, mas é necessário considerar que estes processos são expressões de uma dinâmica variável no tempo (Heath, Oc, Tiesdell 1996, p. 209)102.