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NOVAS TENDÊNCIAS

II.2.7 O turismo cultural: a procura

Como já foi referido anteriormente, a procura do turismo cultural, nas últimas décadas, está em forte crescimento. Zeppel e Hall (1992) atribuem o aumento deste segmento turístico ao maior interesse nas artes e no património cultural, resultados de um maior bem-estar, um maior nível de instrução, uma melhor mobilidade e mais tempo livre.

111 É aqui possível fazer uma outra distinção: cidades ex-industriais, que se transformam, pela primeira vez,

em destinos turísticos, consequência de importantes alterações urbanas, como é o caso de Manchester, em Inglaterra; e cidades que se propõem no cenário turístico, como algumas cidades italianas do Grand Tour que, durante o decorrer do século passado, por perversas políticas de desenvolvimento industrial, perderam o papel de destino turístico, como é o caso de Nápoles.

164 Pérez (2009) esquematiza as caraterísticas sócioeconómicas do turista cultural na seguinte lista:

 Visitantes estrangeiros de idiomas e bagagens culturais diferentes;

 Cidadãos do próprio país, que procuram uma relação mais aprofundada com o património cultural;

 Residentes locais que procuram um conhecimento mais aprofundado do território que habitam;

 Pessoas com rendimentos acima da média;  Pessoas que gastam mais;

 Pessoas que passam mais tempo num mesmo sítio;

 Pessoas com mais probabilidade de alojamento em hotéis;  Pessoas cultas e provavelmente mulheres;

 Jovens que procuram experiências culturais intensas e pouco estereotipadas.  “Whoppies” (Whealthy Healthy Older People), pessoas mais velhas com meios

económicos e saúde. Vinte por cento dos australianos, norte-americanos e europeus, em geral, têm mais de 60 anos;

 Turistas de “alta qualidade” ;

 Turistas desejáveis, pois são cultos, poderosos e distinguidos.

Claro que esta classificação é feita em linhas gerais, o papel social do turista cultural, porém, não podemos sobredeterminar este perfil e aplicá-lo a todos os casos e contextos culturais.

Segundo Johnson e Thomas (1995), é possível classificar a procura turística sob quatro pontos de vista. O primeiro, é o da procura efetiva (use domand), ou seja, o número de pessoas que visitam sítios históricos. O segundo tipo, a option domand, é representado por potenciais turistas que desejam ter a possibilidade de visitar um lugar, no futuro. O terceiro tipo de procura é representado pela existence domand e baseia-se no axioma de que o património cultural não tem nenhuma função efetiva ou potencial, limitando-se o turista a saber que existe. A última perspetiva, é a bequest domand, ou seja, o desejo de transmitir às gerações futuras o património adquirido pelas gerações precedentes.

A procura, por sua vez, pode, também, ser identificada em relação a quem a gera. Os setores mais significativos, que trabalham na formação da procura, são os grupos (por exemplo as associações) ou os indivíduos que propõem visitas ao património cultural, as

165 quais representam o objetivo mais importante a ser alcançado, através de várias operações de marketing, por parte do gestor do património.

Outro aspeto fundamental na análise da procura consiste em estabelecer as caraterísticas do visitante, que podem ser distintas em função das suas caraterísticas demográficas, geográficas e psicológicas. Entre as caraterísticas demográficas dos turistas culturais, para além de distinções por sexo e classes etárias, está aquela que, sem sombra de dúvida, parece ser a mais importante, mais concretamente, o nível de instrução dos visitantes. Por exemplo, os turistas do património literário são caraterizados por um capital cultural capaz de apreciar e compreender estes tipos de atrações (Herbert, 2001); deste modo, a instrução é vista como um eficaz mecanismo para ampliar o interesse e induzir à visita de outros lugares.

Estreitamente ligado à instrução, está o nível socioeconómico e o tipo de ocupação do turista. Num estudo sobre o tema de turismo cultural, conduzido por Heilburn e Gray (1993) nos Estados Unidos, esclarece-se que os fatores discriminantes neste setor são o nível de instrução e a capacidade de despesa. No momento em que o turista cultural é mais instruído, é razoável pensar que a maioria destes pode exercer um trabalho com uma melhor remuneração, em comparação com o cidadão comum; mas o contrário também é verdadeiro, ou seja, a capacidade de despesa não é um elemento distintivo do interesse cultural. Pode, por exemplo, existir um turista com elevada capacidade de despesa, mas culturalmente pouco interessado.

A classificação dos turistas culturais em função das caraterísticas geográficas tem como discriminante o seu lugar de origem ou de residência (Robinson Wertheim, Senior, 1994). O primeiro grupo é constituído pelos moradores do lugar, que constituem uma componente preciosíssima para o sustento dos sítios históricos, a todos os níveis: local, regional, nacional e internacional.

O segundo é representado pelos turistas nacionais que visitam os lugares e que pernoitam nestes, de maneiras diferentes, por vezes em casa de amigos e familiares. O terceiro grupo inclui os turistas internacionais, os quais podem visitar um sítio histórico enquanto se direcionam para outro lugar.

Distinguem-se, ainda, os visitantes dos museus, dos que visitam unicamente a cidade no seu aspeto externo, tendo como motivação principal viver a cidade, saboreando as experiências da vida quotidiana.

Daqui se deduz que visitar uma cidade não implica a visita de todos os seus monumentos ou museus, mas tem, também, em conta que, dada a variedade e o alto nível de

166 concentração do património, muitas cidades do património como Florença, Veneza, Siena, representam um verdadeiro e próprio museu a céu aberto (Becheri, 2009). Existem, também, algumas categorias de turistas, como os passageiros de cruzeiro ou, em geral, os excursionistas, os quais, tendo tempo limitado de viagem, visitam os momentos mais acessíveis, ou aqueles considerados mais significativos (por vezes escolhidos à priori, através de modos arbitrários, pelos tour operators).

Segundo o esquema de Plog (1974), os lugares do turismo desenvolvem-se diversamente, segundo as caraterísticas psicológicas dos turistas que são atraídos. Estes podem ser distribuídos entre os dois extremos de um espetro psicográfico: os

psicocêntricos mostram uma preferência pela proximidade, a comodidade doméstica, a

familiaridade; enquanto, no extremo oposto, se colocam os alocêntricos, que vão à procura daquilo que está distante, das experiências insólitas e estimulantes.

Neste amplo espetro, é possível individualizar uma variedade de comportamentos, dependentes, também, dos entrelaçamentos entre as várias atitudes e os graus de interesse dos visitantes, permitindo, assim, subdividir ainda mais os grupos.

Um aspeto que não pode ser desvalorizado no estudo da procura turística é o da análise das motivações que instigam o turista cultural a escolher o destino. Desde logo, é possível evidenciar que a motivação subjacente a uma viagem pode ser única ou acompanhada por outras, subordinadas.

Choen (2004), no seu estudo sobre a motivação, constatou que, em geral, os turistas culturais são incitados por dois elementos base: a procura de conhecimento e de outras formas de enriquecimento e a procura de realização pessoal. Este último aspeto abarca o sentimento difuso, que incentiva a olhar para o passado, também em resposta ao excessivo modernismo da vida contemporânea: «hoje uma grande quantidade de tempo e de energia reside no apego ao passado que, nos seus variadíssimos modos, vem apresentado, pelos media, como muito superior a um presente caótico e a um futuro ameaçador» (Dann, 1998, p. 29).

Isto explica a existência, neste particular setor do mercado turístico, de uma continuidade entre o consumo de cultura e a experiência turística. Abordando esta relação, Richards (1996) distingue os turistas culturais em função do grau de interesse pelo objeto visitado. O autor, concentrando-se sobre os comportamentos dos visitantes, identifica os “turistas culturais gerais” (general cultural tourists), que são os menos interessados e que se movimentam habitualmente em grupo, e os turistas mais interessados, chamados “turistas culturais específicos” (specifical cultural tourists), quase sempre representados pelo turista solitário.

167 Na mesma linha, Ashworth e Turnbridge (1990) distinguem dois tipos de turistas culturais, em função do nível de envolvimento:

a) O turista cultural de intenção, aquele que tem uma motivação cultural primária e se sente atraído pelas atrações culturais do destino;

b) O turista cultural incidental, que não apresenta uma motivação cultural primária em relação aos recursos culturais do destino turístico.

Pérez (2009), cita Bywater (1993), para, no caso europeu, identificar três perfis de turistas culturais:

a) Os “culturalmente motivados”: são um pequeno segmento de mercado que é atraído por um destino devido a causas ou motivos culturais, o que os leva a passar várias noites no local de destino turístico;

b) Os “culturalmente inspirados”: são inspirados por sítios de interesse cultural e patrimonial, como por exemplo a Alhambra de Granada ou Veneza. Todos eles querem ver os mesmos lugares, o que implica problemas de gestão patrimonial. Estes turistas passam curtos períodos de tempo nos destinos culturais e não estão motivados para regressar ao mesmo local.

c) Os “culturalmente atraídos”: são aqueles que realizam visitas de um dia a sítios de interesse cultural ou patrimonial, mas não fazem turismo por motivações estritamente culturais.

Hilary du Cros e Bob Mckercher (2015), por sua vez, diferenciam cinco tipos de turistas culturais, em função de duas variáveis: a centralidade, ou não, da motivação cultural e a profundidade ou superficialidade da experiência:

1. Turista cultural motivado: a motivação cultural é central e a experiência é profunda; 2. Turista cultural inspirado: experiência mais superficial do que a anterior;

3. Turista cultural esporádico: a motivação cultural não é central, inexistência da experiência profunda;

4. Turista cultural casual: baixa motivação cultural e experiência superficial;

5. Turista cultural acidental: não è motivado culturalmente. Participa de forma superficial nalguma experiência de turismo cultural.

168 a) “Turistas abutres culturais”, aquile que viajam com o objetivo de consumir produtos culturais.

b) “Turistas culturais acidentais”, aqueles que, casualmente, encontram um festival ou um ato cultural, tal como facto acidental, não previsto.

Como vimos anteriormente, também para o turismo cultural houve repercussões na passagem de um modelo de turismo fordista, para um pós-fordista.

O modelo turístico fordista fundava-se pela especialização setorial, a partir de recursos naturais como a praia ou a montanha e por uma oferta homogénea, na qual o destinatário era visto como uma massa uniforme, sem diversidade e singularidade (o turismo em massa). A prioridade era maximizar o número de visitantes, até à custa de degradar o meio ambiente. Claro que, naquela altura, na sociedade, não houve uma consciência ambiental comum.

Face ao modelo fordista, o modelo turístico pós-fordista nasce da crise da homogeneização e uniformização dos destinos turísticos.

Daí que a oferta comece a singularizar-se e crie produtos específicos, para segmentos específicos de turistas, o turismo de nicho.

É neste contexto pós-fordista que podemos melhor entender a valorização do património cultural, a festivalização de eventos, a nova ética turístico-ecológica, o turismo de trabalho (ex.: turismo de congressos).

A nova procura converte qualquer espaço num potencial espaço turístico.

Portanto, é este modelo pósfordista que melhor permite entender a procura de turismo cultural.

Desta forma, no caso do turismo cultural na cidade do património, é possível esquematizar, na Fig. 15.

169

Fonte: Becheri 2009, p. 132. Reelaborado pelo autor.

Fig. 15 - Visitantes e turistas nas cidades do património.

A partir da reflexão acima exposta, percebe-se que a relação entre turista e atração cultural é muito complexa, sendo que esta se estende desde o interesse do especialista, até à curiosidade de um simples viajante comum, que considera a obra de arte como uma de tantas outras etapas da sua viagem.

Mais recentemente, uma série de estudos de grande interesse analisa a relação que se estabelece entre turistas e atrações ou locais de destino, identificando três síndromes (Fig. 16):

1. A síndrome de Stendhal, ou seja, a forte emoção que pode resultar da vista de uma obra de arte ou um local particularmente significativo, a mesma emoção que atingiu Henry Boyle (Stendhal) durante a sua estada em Florença112. Este sintoma, ou

síndrome, poder-se-ia descrever pelas seguintes caraterísticas: transtorno psicológico causado pela contemplação de uma obra de arte; perda do sentido de identidade, depressão, esgotamento físico; dose excessiva de cultura, para a qual

112 Tal efeito foi descrito, pela primeira vez, por Gabriella Magherini (1992). É de realçar que, no início, a

autora apelidava este sentimento com o termo mais genérico de síndrome do turista. No momento em que a qualificou de síndrome de Stendhal, o sucesso foi esmagador, como demonstração de que as referências culturais e históricas têm num vastíssimo eco nos processos comunicativos.

VISITANTES DE UMA CIDADE DO PATRIMÓNIO O D’ARTE TURISTAS EXCURSIONISTAS RESIDENTES NA CIDADE O NAS PROXIMIDADES TURISTAS DE OUTROS DESTINOS DE ARTE OUTRAS FORMAS DE TURISMO OUTRAS MOTIVAÇÕES - Negócios - Eventos - Outras - Trabalho - Estudo - Outras

170 o remédio é o repouso; sofrimento de muitos turistas em cidades históricas; uma forte experiência emocional e um maior conhecimento de si próprio.

2. A síndrome do Zoo, ao contrário, foi identificada por alguns sociólogos durante meados dos anos noventa, por meio do estudo dos comportamentos dos turistas em alguns resorts na costa do norte de África. Os turistas vivem a sua experiência como se estivessem numa gaiola dourada, a partir da qual podem ver a realidade ao seu redor; situação esta em que o espetador é, precisamente, o animal. Trata- se, por exemplo, das viagens de cruzeiro ou das estadas em resorts fechados, que não têm nenhuma integração com a envolvente. Deste síndrome deriva o do zoo, onde a experiência turística é consumida com uma forte separação entre turista e lugar visitado. Conhecem-se os locais arqueológicos e artísticos num curto espaço de tempo, sem estabelecer qualquer tipo de contato com a realidade social, como nos cruzeiros no Nilo, no Egito: o navio move-se entre as aldeias, sem qualquer contato com a população local e a realidade social anexa, a qual, muitas vezes, está, também, devidamente escondida do turista.

3. A síndrome de Herman Hesse, que diz respeito à busca de práticas de turismo autêntico, muitas vezes identificadas como slow tourism. A síndrome refere-se ao comportamento de H. Hesse durante a sua estada em Itália, na primavera de 1901. O escritor, durante a sua visita a Florença, deitou fora o famoso guia alemão Baedeker sobre Florença, porque queria viver a cidade de forma independente, testando as experiências da população local e misturando-se com esta (Becheri,1995). Este comportamento parece seguir o que escreveu, mais recentemente, o escritor brasileiro Paulo Coelho: «quando visitem uma cidade, evitem visitar os museus». E ainda «… evitem museus. O conselho pode parecer absurdo, mas vamos refletir juntos: se você se encontrar numa cidade estrangeira, não é muito mais interessante ir em busca do presente em vez do passado? As pessoas sentem-se obrigadas a visitar museus porque aprenderam, desde pequenas, que viajar significa procurar este tipo de cultura. É claro que os museus são importantes, mas exigem tempo e objetividade; tem que se saber o que se quer ver ou então sairão com a impressão de ter visto uma série de coisas fundamentais para a sua vida, mas das quais não se lembram. Frequentem os bares. Aqui, ao contrário dos museus, se manifesta a vida da cidade. Os bares não

171 são discotecas, mas lugares onde as pessoas vão tomar algo, pensar no tempo e estão sempre dispostas a ter uma conversa.

Comprem um jornal e deixem-se repousar contemplando as idas e as vindas. Se alguém iniciar uma conversa, por quanto estúpido possa aparecer, dêem-lhe atenção: não se pode julgar a beleza de uma estrada vendo apenas o começo»113.

Na mesma linha, Schouten (2005, p. 135) escreve «a identidade cultural de um projeto de território, a menos através de museus e locais de interesse cultural que acabaria sendo um empobrecimento da complexidade de recursos que definem o património cultural de um território».

SÍNDROME DE STENDHAL

SÍNDROME DE HESSE

SÍNDROME DO ZOO AO CONTRÁRIO

SÍNDROME DO ZOO

Fonte: Becheri, 2009, p. 135. Reelaborado pelo autor.

Fig. 16 - As síndromes do turista.

Em conclusão, é possível descrever as dinâmicas evolutivas da procura de turismo cultural, nos seguintes pontos (Grosso, 2007):

- maior atenção pelos eventos;

- grande interesse pelos aspetos histórico-culturais e pelos aspetos da cultura material (gastronomia, artesanato, manifestações folclóricas);

- crescente interesse pelos centros mais pequenos, vilas e aldeias, um conhecimento difuso pelo território;

113 Corriere della Sera 15.08.2002

Efeito causado pela observação de uma obra de arte

Fazer turismo autêntico, viver entre a gente do lugar

Paulo Coelho:

Visitar a cidade sem entrar nos museus

Visita “de médico” Férias na gaiola dourada de um resort

172 - procura de uma experiência memorável e única, de produtos personalizados que satisfazem as aspirações do crescimento pessoal e que desenvolvem competências.

O Quadro 15 que se segue propõe uma sistematização das tendências evolutivas de turismo cultural, a fim de oferecer ao leitor um quadro mais claro e orgânico.

ELEMENTOS DE ANÁLISE 2ª METADE SÉC. XX INÍCIO SÉC. XXI